Nas ruas estreitas do Navegantes

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Nas ruas estreitas do Navegantes

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Gustavo Adolfo 1 - Lateral vertical - Final vertical

A história é curiosa. O nome do bairro Navegantes surgiu depois que a estátua de Nossa Senhora dos Navegantes foi trazida num barco pelo português Pedro Rossel, em 1912.

A santa despertou a devoção na comunidade de pescadores da então Vila da Praia. Hoje, o bairro é um dos maiores de Arroio do Meio e mistura pobreza com desenvolvimento.

navegantesUma das ruas mais carentes, a Campos Sales, termina nas águas do Rio Taquari. Lá, as paredes de madeira ou alvenaria dos casebres são o limite com as vielas e pouco protegem do frio. Este, mais dolorido devido à proximidade com o leito do rio. Há poucas calçadas no bairro, e a maioria dominada por gatos e cachorros sem donos.

O lugar, por vezes, apresenta um aspecto colorido. Na fachada dos casebres o sol é mais incidente e serve de varal para roupas e cobertores. No inverno, moradores aproveitam o dia limpo para se aquecerem sentados no meio da rua em cadeiras de áreas.

As ruelas de chão batido são palco para as brincadeiras das crianças. Sem praças ou áreas de lazer, inventam suas histórias e correm de um lado a outro sem perceber a pobreza que lhes rodeia.

Vivendo num casebre a poucos metros do rio, a dona de casa Carla Tomasini, 31, diz que a frente da casa é usada para secar as roupas, pois a madeira absorve a umidade, que evapora com o sol.

Com dois filhos – um de 3 e outro de 11 anos – afirma que o frio se intensifica à noite. As frestas retalhadas nas paredes de madeira servem de entrada para ele. “No verão, às vezes é frio. Imagina então no inverno.”

O risco de deslizamento é iminente. As casas apresentam rachaduras à beira do rio e do arroio. Algumas construções são escoradas por postes de madeira. Muitos moradores perderam parte dos terrenos para a erosão.

“Mais pescador do que peixe”

O morador Diomar de Andrade, 52, pesca desde pequeno, mas fez a carteira profissional há oito anos. Afirma que hoje não dá para sobreviver só da pesca, pois há muitos pescadores ilegais. “Alguns só botam o caiaque no rio na época da piracema, quando a pesca é proibida devido à desova dos peixes”, conta. “Aqui tem mais pescador do que peixe.”

Andrade reclama dos constantes furtos de redes e afirma que a vigilância tem de ser feita pelos próprios pescadores profissionais. “Às vezes, passamos a noite inteira na barranca para vigiar. O jundiá é o peixe mais recorrente.”

É comum avistar pescadores buscando de caiaque amigos que moram em Colinas, do outro lado do Taquari, e que trabalham em Arroio do Meio. Dizem terem sido cobrados pela Marinha. “Mas não cobramos por estas travessias, fizemos por amizade.”

A carona poupa os moradores do transporte terrestre. São quase 40 quilômetros de estradas trocados por cinco minutos de navegação. Para requisitar uma carona, basta que acenem da margem oposta.

Um dos pescadores afirma que lhe agrada fazer a travessia e garante não haver perigo. “Quando o rio está alto não damos carona.” Livre de pagamento, os moradores muitas vezes costumam retribuir com queijos, bolos, pães ou cucas.

Calmaria e medo no mesmo lugar

Entre as casas espremidas por ruas de pouco mais de quatro metros de largura, escondem-se diversos botecos. Alguns funcionam dentro de garagens, e estão sempre cheio de jogadores.

O jogo de cartas parece ser uma das poucas saídas em dias frios, quando a pescaria cobra mais da saúde dos trabalhadores. É comum ver pessoas sentadas no meio da tarde defronte aos bares, em silêncio.

As épocas de intensas brigas diminuíram. Hoje, a calmaria do lugar remete a uma vila esquecida pelo tempo, mas lembrada em dias de enchente. É quando moradores enfrentam seu maior pesadelo.

Maria da Silva de Andrade, 76, é exemplo. Vive há 60 anos no Navegantes, local que escolheu para criar, quase sozinha, seus oito filhos. Perdeu a conta de quantas enchentes enfrentou.

Separada, afirma que o ex-companheiro bebia muito e, quando bêbado, se tornava agressivo. “Não deu certo, sou muito burrenta (sic).”

O fato não atrapalhou a criação dos filhos e alguns ainda vivem no bairro, como Joelci Carmélia da Silva, 43. Ela lembra as brincadeiras de infância realizadas às margens do Arroio do Meio – afluente que originou o nome da cidade, e hoje degradado graças ao descaso com o ambiente natural. “E ele era tão limpo.”

Maria só fica na área de casa se estiver acompanhada de outra pessoa. Uma grade enferrujada é o que limita o terreno com o barranco destruído pela erosão e que margeia o arroio.

Ela quase chora quando se recorda da pior enchente que enfrentou. Conta que há 15 anos ganhou uma máquina de lavar roupas do filho. Com pouco uso, o presente foi levado pela enchente de 1996 com outros móveis do casebre. Naquele ano, a água cobriu toda sua casa. Mesmo assim, diz que ali é o seu lar e que não pretende se mudar. “Nossa Senhora dos Navegantes nos protege.”

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