“Nenhum centavo foi desviado dos cofres públicos, houve apenas equívocos de contabilidade e isto foi comprovado após uma investigação minuciosa.” Com estas palavras, o promotor da Comarca de Encantado, André Prediger, encerrou a polêmica envolvendo a Associação de Assistência Social de Encantado (AASE), responsável pelo Projeto Metamorfose, após denúncias de desvios de dinheiro público, contratação irregular de parentes.
Criado em 2006, por iniciativa do vereador e ex-presidente do Legislativo, Cláudio Roberto da Silva, o programa funcionou até 2008 e neste período a administração, que na época era governada pelo PMDB, repassou uma quantia de R$ 560 mil. O valor foi designado ao pagamento de funcionários e de professores e fornecimento de alimentos para cerca de cem crianças carentes.
Em janeiro de 2009, o Tribunal de Contas do Estado (TCE) apontou irregularidades na gestão do ex-prefeito, Agostinho José Orsolin. A principal delas foi a falta de prestação de contas dos valores destinados a AASE e consequente devolução destes recursos por parte do administrador.
Ao ser informado pela Comissão de Controle Interno, a atual administração municipal cessou o envio de R$ 250 mil para a entidade, cancelando os atendimentos.
Detalhes da investigação
Segundo Prediger, o inquérito civil começou em abril de 2009, após a veiculação de uma matéria no Jornal Opinião, de Encantado, informando o fechamento do projeto por supostas irregularidades na prestação de contas.
Desde então, foram quase 18 meses de trabalhos com mais de 50 pessoas ouvidas, entre administradores públicos, secretários municipais, ex-funcionários do projeto, vereadores e fontes extraoficiais. Documentos, extratos, balancetes, notas fiscais, livros foram analisados.
Ao final, o inquérito foi apresentado com 12 volumes e mais de 2,3 mil páginas.
O resultado, de acordo com o promotor, comprovou apenas que a AASE se equivocou na prestação de contas, por meio de notas fiscais emitidas por prestadores de serviços com valores superiores aos recebidos pelo emitente. Isto foi sendo apontado pela Comissão de Controle Interno do Município de Encantado (CCI-ME). Prediger afirma que as notas contemplavam valores recebidos por profissionais liberais por meio. “Eram professores que trabalhavam duas ou três vezes por semana e não tinham CNPJ, portanto não podiam emitir notas fiscais”, explica.
Prediger diz que os documentos foram analisados, primeiramente, pelo assessor jurídico da 2ª Promotoria de Justiça de Encantado, Edgar Antônio Trevisan, ex-funcionário da Caixa Econômica Federal.
Após, os laudos foram encaminhados para análise da Divisão de Assessoramento Técnico do Ministério Público (DAT) em Porto Alegre, e o resultado, assinado pelo assessor técnico do DAT, contador Evaldo de Jesus de Quadros, apontou regularidade nas contas da associação.
Após as análises, o promotor concluiu que os equívocos na contabilidade não acarretaram desvio de valores, prejuízos ao patrimônio público ou fraudes cometidas pela administração do projeto. Para ele, o uso de recibos se trata de uma desobediência contábil, mas que não significa prática de crime ou improbidade administrativa.
Sendo assim, o processo isenta ainda o administrador da época de devolver os valores destinados à associação, por entender que o projeto existiu, funcionando como o previsto por lei e sem prejuízos para os cofres públicos.
Sobre o parecer do TCE, que é cabível de recursos, e tramita na Justiça, Prediger diz que o tribunal realizou sua função ao apontar erros na contabilidade e prestação de contas. No entanto, salienta que a investigação foi além da análise de documentos formais, comprovando que a diferença de valores entre as notas não acarretou desvio de verbas.
Denúncias extraoficiais
O promotor salienta que, diferente do que costuma aplicar em seus inquéritos, desta vez levou em conta praticamente todas as denúncias extraoficiais. “Fiz isto devido a grande repercussão popular do caso e pelos altos valores envolvidos”, diz.
Segundo ele, foram informações trazidas por membros de partidos contrários ao do vereador Cláudio Roberto da Silva, pela imprensa e por populares.
Prediger cita a informação de que o ex-presidente da câmara de vereadores usava um cartão bancário da associação para benefício próprio. “Comprovamos que isto é uma inverdade”, garante.
Ele cita também as denúncias de saques pequenos, no valor de R$ 100 que seriam feitos para disfarçar a movimentação e diz que não se confirmaram de acordo com os extratos bancários analisados.
O fato da esposa do vereador ter feito compras com um cheque da AASE foi negado pelo promotor. A informação de que, alguns abastecedores de alimentos não teriam condições de suprir as encomendas feitas pela associação, e que sendo assim os valores estavam sendo desviados, foram desmentidos pela investigação.
Prediger confirma, no entanto, a contratação de parentes do vereador Cláudio e funcionários ligados ao PMDB. Segundo o promotor, o primeiro diretor do projeto era primo do legislador, assim como uma doméstica. Prediger confirmou que haviam funcionários ligados ao partido trabalhando no local.
Promotor diz “ter sido usado”
Após divulgar o arquivamento do inquérito, Prediger afirmou que “o Ministério Público foi usado para investigar algo que não existia”. Para ele, todas as pessoas, inclusive ligadas a atual administração municipal, que procuraram a promotoria para apresentar insinuações, como “vi usando cheque da associação”, “ouvi dizer”, fizeram com que a promotoria usasse seu poder para investigar algo que não existe. “Reafirmo que, após 2,3 mil páginas, me senti usado por estas pessoas que insinuaram desvios de valores”, constata.
O que diz a administração municipal
Na opinião do promotor, o cancelamento das atividades do projeto foi equivocado. De acordo com a assessoria de imprensa do Executivo de Encantado, os recursos do Projeto Metamorfose foram cancelados atendendo a uma determinação do Controle Interno do município.
O parecer emitido pelo TCE no dia 4 de janeiro de 2009, apontando irregularidades na prestação de contas do projeto, sugeriu o cancelamento.
Desde que os serviços do projeto foram cancelados, as crianças carentes que eram atendidas participam de atividades socioeducativas ministradas pela Associação Pró-Menor de Encantado (AME). Esta entidade atende hoje cerca de 80 crianças e adolescentes de 7 a 14 anos com atividades como: reforço escolar, dança, oficina de artesanato, informática, atividades esportivas e recreativas.
Na entidade são servidas três refeições diárias – café da manhã, almoço e lanche. A manutenção da AME é de responsabilidade da administração municipal, por meio da Secretaria Municipal da Assistência Social que tem convênio com o Projeto Raio de Luz para oferecer a prática de esportes aos estudantes, duas vezes por semana.
O que dizem os envolvidos
O vereador Cláudio Roberto da Silva afirmou que pretende se manifestar em outra oportunidade e que analisará uma possível ação contra as acusações direcionadas a ele.
Ele apenas citou uma passagem da Bíblia. “Conhecerão a verdade, e a verdade os libertará”, diz. A ex-presidente da entidade, Márcia Voges, afirma que “tudo foi dito pelo promotor” e se negou a prestar esclarecimentos sobre os equívocos cometidos na contabilidade. O ex-prefeito, Agostinho Orsolin, não foi encontrado até o fechamento da edição.
Mais um processo arquivado
Envolvido no inquérito do Projeto Metamorfose, Cláudio Roberto da Silva foi alvo da Promotoria Pública de Encantado.
Em 2009, uma reportagem envolvendo o vereador acabou se transformando em um inquérito. Na matéria, realizada pelo repórter da RBS TV, Giovani Grissoti, o ex-presidente do Legislativo aparece na praia de Albatroz, litoral norte gaúcho, no mesmo momento em que deveria estar participando de um curso, custeado por diárias, em Porto Alegre, realizado entre os dias 21 e 23 de janeiro.
A reportagem obteve um documento comprovando que Silva havia retirado um cheque junto à administração municipal para custear as diárias no valor de R$ 1,3 mil.
Num primeiro momento, o vereador confirmou ter participado das aulas. Mas, após a veiculação da matéria, negou sua participação.
O processo foi instaurado pelo promotor Reginaldo Freitas e arquivado três meses depois pelo promotor André Prediger que substituiu Freitas. Segundo Prediger, a investigação comprovou que nenhum cheque foi retirado pelo vereador. Hoje, o vereador move uma ação indenizatória contra a RBS TV.
Projeto Metamorfose
– Atendia cerca de cem crianças em situação de vulnerabilidade social, no turno oposto à escola;
– Envolvia os bairros Navegantes, Nossa Senhora Aparecida, Vale dos Pinheiros, Vila Moça e Jardim do Trabalhador;
– Oferecia, entre outras, oficinas de capoeira, canto, violão, artesanato, dança, artes marciais, reforço escolar, percussão e manicure;
– Trabalhavam no projeto cerca de 35 funcionários, monitores e professores;
– Recebeu R$ 560 mil da administração entre 2006 e 2008, ano de seu funcionamento;
– Fechado no início de 2009, após apontamentos do TCE sobre irregularidades na contabilidade do proje