O cenário mudou. Há um ano, as principais ruas de Marques de Souza e Travesseiro cobertas de lama, entulhos e troncos de árvores. Casas estavam destruídas, e centenas de moradores desabrigados passavam o dia limpando e recolhendo pertences espalhados pela enxurrada.
Hoje, as cidades do interior estão de volta ao ritmo tranquilo. Casas foram reconstruídas, ruas recuperadas, e a destruição do dia 4 de janeiro aparece só em pequenos montes de entulhos espalhados pelas cidades, em alguns pontos ainda não recuperados, como o Cemitério Católico de Tamanduá, e na memória dos moradores.
A vida de quem teve perdas aos poucos volta ao normal. Darci Jaci Wink, que perdeu suas duas casas, é um exemplo. Ele morou nove meses de favor na casa de parentes e só em setembro finalizou a construção de sua nova residência, localizada no mesmo terreno da antiga. Wink lembra que perdeu tudo e ainda tem receio em investir nos terrenos. “O trauma ficará. Não é fácil perder tudo que conquistei em meia hora”, comenta.
O local onde Wink mora, próximo da ponte da BR-386, no centro de Marques de Souza, foi um dos pontos mais atingidos. Erni Bernstein e sua esposa Ilga também perderam tudo e hoje reconstruíram sua casa no mesmo local. Mas, o medo de uma nova enxurrada está presente. “Sempre que chove preciso tomar remédios para dormir”, afirma Ilga.
No bairro Cidade D´água nenhuma casa foi destruída, mas dezenas de moradores perderam praticamente todos os seus pertences. É o caso de Henrique e Lorena Uldmeine, que vivem há 18 anos no local. Eles conseguiram recuperar apenas uma geladeira e calculam o prejuízo em mais de R$ 35 mil. “Perdi toda minha oficina e fiquei sem ter como trabalhar”, diz Henrique. Hoje, com apoio de amigos e de doações o casal reergueu-se. “No início sentia medo quando chovia, mas hoje vivemos tranquilos”, assegura Lorena.
Campings se recuperam aos poucos
Conhecida como a capital dos campings, Marques de Souza hoje vive outra realidade. Quase todos os balneários foram devastados pelas águas, e alguns sequer abriram neste verão. Mas, muitos voltam aos poucos, como o Camping Palm Hepp. Instalado há 30 anos às margens do Rio Forqueta, o local foi um dos mais atingidos. Foram 45 casas de alvenaria, banheiros, pertences, pinguela e outros itens levados pela água. Segundo o proprietário, Odécio Hepp, o prejuízo ultrapassou R$ 1 milhão. Ele confessa que pensou em fechar o local, mas que mudou de ideia devido aos insistentes pedidos dos antigos frequentadores.
Hoje, o local está aberto para que o público passe o dia. No entanto, não são permitidas pernoites nem instalação de barracas. “Estou plantando grama e árvores, talvez no futuro volte a liberar as barracas”, admite. Ele diz que não sente medo de uma nova enxurrada, mas afirma que se emociona quando lembra do fatídico dia 4 de janeiro. “Estávamos perplexos assistindo à água levar tudo que construímos em 30 anos sem poder fazer nada”, lamenta. Além do Palm Hepp, estão funcionando no município os campings Stackão, Riacho Doce, Irineu, Germano, Pedra.
Moradores ainda aguardam ajuda
Deficiente física e com dificuldades de locomoção, Rosa Maria Neinas não estava em casa, quando sua residência foi empurrada pelas águas, parando no meio da estrada principal do Distrito de Tamanduá. Na época, ela estava em Santa Catarina recuperando-se de um derrame. “Foi sorte de Deus”, diz. Morando sozinha, ela clama por ajuda, pois perdeu todos os móveis e eletrodomésticos. Ela precisou fazer empréstimos para conseguir construir uma casa. “Sobrou apenas minha cama, até minha cadeira de rodas elétrica perdi”, lamenta.
Moradores que tiveram suas casas destruídas reclamam dos poucos recursos enviados pelas administrações municipais. Erni Bernstein, de Marques de Souza, diz que recebeu R$ 4 mil, mas que o prejuízo foi superior a R$ 30 mil. “Se não fosse pelas doações, minha nova casa estaria no chão ainda”, lamenta. Segundo o prefeito de Marques de Souza, Rubem Kremer, o município auxiliou com R$ 36 mil, mais serviços de terraplenagem e projeto para as novas residências. “Ainda estamos reconstruindo, o pior passou, mas há muito a fazer”, afirma.
Vida nova no cenário de horror
O local onde 3,3 mil suínos morreram, hoje é um retrato da recuperação de Travesseiro. A granja de Warney Kunz foi destruída, e o prejuízo chegou a R$ 3 milhões. Na época, o proprietário chegou a afirmar que procuraria outro local para seguir trabalhando, mas preferiu continuar na área. Hoje, o local está reconstruído e tem 1,1 mil suínos. “Ficamos um ano sem ganhar dinheiro e tivemos de reconstruir tudo com nosso esforço, sem ajuda de ninguém”, afirma Marli Kunz, mãe de Warney.
Ela conta, emocionada, que na penúltima semana, nasceu o primeiro lote de leitões depois da tragédia. O parto foi realizado pela funcionária da granja, Tânia Steffler, que não esconde a satisfação. “Bom ver vida aqui de novo”, diz. Gustavo Steffler, marido de Tânia, também trabalha na granja, e diz que a reconstrução mobilizou todos os funcionários. “Minha vida está neste lugar”, emociona-se.
Gustavo relembra o desastre de janeiro. Ele e mais sete funcionários ficaram ilhados durante 11 horas entre o Rio Forqueta e a granja. “Fugimos com um trator de uma onda que levou árvores, plantas e chiqueirões”, relata. No local onde ficaram faltou pouco menos de 2 metros para serem atingidos pelas águas.
Raio X da tragédia
Travesseiro:
– cem residências atingidas (nove destruídas)
– três pinguelas destruídas
– 42 quilômetros de estradas danificadas
– três mil toneladas de silagem, milho e grãos perdidos
– três mil animais de grande porte mortos
– 30 mil aves mortas
– Prejuízo calculado de R$ 10 milhões
– R$ 90 mil recebidos do Daer (reconstrução de estradas)
– R$ 70 mil recebidos da Secretaria Estadual de Saúde (equipamentos e reformas)
– R$ 621 mil recebidos da Defesa Civil (reconstrução nove casas, estradas e pinguelas)
Marques de Souza
– 320 residências atingidas (nove destruídas)
– três pinguelas destruídas
– um pontilhão destruído
– 56,2 quilômetros de estradas danificadas
– Prejuízo calculado de R$ 15 milhões
– R$ 170 mil recebidos da Secretaria da Saúde (reformas no Posto de Tamanduá e Hospital)
– R$ 105 mil recebidos do Daer (reconstrução de estradas)
– R$ 600 mil do Ministério da Agricultura (compra de máquinas)