Na sexta-feira, a 22ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça, em Porto Alegre, decidiu anular alvará de licença para construção do Condomínio Residencial Araucária, no bairro Americano. O projeto original prevê 20 andares, mas, de acordo com a decisão judicial baseada no índice de habitação para o bairro e implicações paisagísticas e ambientais, este deverá ser reduzido para oito, a altura do imóvel hoje.
Os investidores da obra podem recorrer da sentença no próprio tribunal. Há mais de cinco anos eles lutam para liberar a área total do prédio, inicialmente garantida por um alvará municipal. Enquanto isso, contabilizam prejuízos referentes à deterioração da construção e da não conclusão das unidades habitacionais previamente vendidas.
O projeto original previa 16 apartamentos, um por andar, com cerca de 300 metros quadrados cada. O cálculo é de desde 2008, inicialmente a data de conclusão das obras, a prefeitura deixou de arrecadar, entre outros, cerca de R$ 100 mil em Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU).
Segundo a decisão do tribunal, este não teria as dimensões necessárias para incluir o imóvel na categoria de edificação mista, o que garantiria um índice habitacional de altura ilimitada.
A decisão judicial permite uma área total de cerca de 3 mil metros quadrados, a soma das dimensões dos apartamentos no projeto inicial do imóvel. As áreas de garagem não entram na conta da metragem total deste tipo de imóvel. Isto foi levado em conta na decisão da 22ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça que liberou as áreas de garagem, mas manteve o índice habitacional 3 referente a um suposto plano diretor de 1996, que segundo os construtores, contém um erro de digitação e nunca foi aprovado pelo Legislativo.
O grupo afirma que o imóvel foi autorizado pelo plano diretor vigente em 1992 que só foi legalmente alterado em 2006. Portanto, a lei não poderia retroagir.
Eles reclamam que cerca de outros 15 imóveis de grandes dimensões foram autorizados pelo poder público com base no plano diretor de 1992. Todos eles com índice de habitação 6 e nenhum sofreu tentativas de embargo por parte do Ministério Público (MP). Entre eles, o prédio ao lado, supostamente o principal motivador do abaixo-assinado.
MP justifica decisão
O assessor jurídico do município, Marcelo Caumo, conta que o alvará dado pela prefeitura autorizando a construção da área total do imóvel está correto de acordo com as normas do plano diretor de 1992, vigente na época da liberação do prédio.
Para o promotor de Justiça de Lajeado, Neidemar Fachinetto, o embargo da construção do Condomínio Residencial Araucária deu-se pelo desacordo com os limites de altura e de ocupação urbana adequados ao bairro. Um imóvel destas dimensões, localizado em uma quadra reduzida (cerca de 620 metros quadrados), “traria prejuízos para uma área basicamente residencial”, afirma.
Entre os problemas apontados pelo MP no processo civil está que este “gerará sombras consideravelmente maiores, além de obstruir por períodos consideráveis do dia a insolação nas ruas Carlos Fett Filho e especialmente da João Matte Sobrinho, uma via muito estreita, bloquear parcialmente a ventilação da rua Duque de Caxias, especialmente nos meses quentes”.
Além disso, “o imóvel significaria um adensamento (concentração de pessoas e veículos) 307 vezes maior que o proposto pelo Plano Diretor da Cidade de Lajeado”. De acordo com o parecer técnico da prefeitura de Lajeado, este valor está equivocado.
Em relação à autorização da obra pelo Executivo, Fachinetto acredita que o cálculo inicial de área para o imóvel estava errado. Ele diz que a distorção foi corrigida no pedido do MP no primeiro recurso judicial acatado parcialmente pela 1ª Vara de Justiça de Lajeado.
Segundo ele, o assunto está decidido na Justiça. “Os méritos foram apreciados e julgados, e a decisão servirá como um precedente para que imóveis destas dimensões se localizem em áreas específicas para tal fim”, diz.
Wilson Klein, morador das proximidades, conta que assinou o abaixo-assinado questionando a prefeitura se a construção desse imóvel em um terreno “considerado pequeno” havia sido aprovada pelos laudos técnicos.
Segundo ele, o documento foi elaborado meses antes da construção do prédio e contou com dezenas de assinaturas de moradores das imediações. Entre eles, os proprietários de uma creche na quadra ao lado que se sentiam prejudicados pela sobra provocada pelo imóvel. “Acatamos a resposta afirmativa do município e não acredito que o abaixo-assinado tenha qualquer relação com a ação de embargo movida pelo MP”, declara.
Investidores repudiam decisão
Almira Endres, proprietária do terreno cedido para a construção em troca de um apartamento no residencial, teme não receber sua parte no negócio. Ela diz que após deixar o local precisou morar por três anos de aluguel em uma casa, mas, por motivos financeiros e de saúde, mudou-se para a casa da filha, Rose Hemann, no centro da cidade, onde aguarda uma decisão favorável.
Rose ajuda a mãe no acompanhamento do processo e se diz indignada pelo que considera coorporativismo na decisão judicial. Ela reclama que outros imóveis de grande porte, inclusive o prédio de onde teria surgido a queixa e o abaixo-assinado, abrigam mais pessoas e não sofrem quaisquer represálias: “Por que a Justiça tem que ser diferente para quem não tem relações privilegiadas?”, desabafa.
Ela diz que é um sonho de Almira mudar-se para o apartamento e que apoia a ideia de mobilizar a Justiça Federal para denunciar arbitrariedades na condução do processo. Rose diz que após as emancipações a área do município reduziu-se a 90 quilômetros quadrados e cada vez mais é necessária a verticalização dos centros urbanos.
O comerciante Juliano Orlandini se diz frustrado pela decisão que considera arbitrária. Segundo ele, que há quatro anos paga aluguel em um prédio nas proximidades, a deliberação do Tribunal de Justiça do Estado não levou em consideração o alvará da prefeitura, nem laudos técnicos prévios mostrando que não haveria um impacto ambiental nocivo ao bairro ou o índice habitacional permitido para este tipo de imóvel.
Para ele, são cômicas as justificativas para o embargo do imóvel em sua área total, visto que uma das tendências das cidades é a concentração habitacional em grandes prédios. Além disso, o imóvel valorizaria os terrenos do bairro e contaria com garagens suficientes para abrigar todos os veículos dos moradores que poderiam se dirigir ao centro, por exemplo, a pé ou de bicicleta. “Outros interesses motivaram o embargo das obras, mas é complicado especular sobre tais assuntos”, revela.
“Houve pressão na época”
Luíza Schwingel, diretora de uma Escola de Educação Infantil que na época localizava-se na esquina do Condomínio Residencial Araucária, revela que foi pressionada para assinar o abaixo-assinado contra o imóvel. Ela conta que recebeu a visita de dois moradores das imediações que se identificavam como alguém com influência na Justiça e na mobilização da comunidade para decidir o destino da disputa.
Foi dito a Luíza que a obra traria transtornos como poeira, tráfego de caminhões, barulho e outros. A movimentação no local seria prejudicial às crianças e, depois de pronto o imóvel, a tranquilidade do local seria ameaçada pelo tráfego excessivo de pessoas e veículos.
Luíza relata que ao todo foram feitas três visitas até que ela concordasse em participar do abaixo-assinado. “Eles me instruíram a convocar as professoras da escola, moradoras de outros bairros, para participar do documento”, declara.
Ela diz que sabia da liberação do alvará de construção emitido pela prefeitura. Isto, aliado ao desejo de não se indispor com a nova vizinhança, foi o que lhe motivou a concordar com o abaixo-assinado. “Queria que hoje houvesse um jeito de reverter isso. Se soubesse o que aconteceria, nunca teria participado. Fui constrangida e pressionada”, desabafa.
Detalhes do caso
Em 2005, o projeto do residencial recebeu o alvará da Prefeitura de Lajeado. A área total autorizada era de cerca de 7 mil metros quadrados, sendo 5.963 deles para as habitações, mais 1.117 destinados às garagens e demais áreas (consideradas não computáveis).
Em 2006, motivado por um abaixo-assinado de cerca de 150 moradores das proximidades, estas dimensões foram contestadas por meio de uma Ação Civil Pública. Esta delimitava o imóvel em 3.240 metros quadrados (oito andares) para que não causasse danos paisagísticos e no fluxo de trânsito e pessoas no local.
A decisão da 1ª Vara de Justiça de Lajeado, em 2010, deu ganho de causa dos investidores ao acatar o laudo técnico do perito do município. Mas, em uma decisão dupla, autorizou as obras cerca de mil metros quadrados menor do que em seu projeto original. O grupo recorreu da sentença no Tribunal de Justiça do Estado.
Neste julgamento, o Executivo deliberou que o imóvel deveria ficar com sua área reduzida a pouco mais de 3 mil metros quadrados, mais as garagens, por conta de uma disposição de um plano diretor de Lajeado datado de 1996. Embora este supostamente contivesse um erro de digitação no índice habitacional e não se encontra autorizado pela câmara de vereadores.
Segundo o cálculo de área habitacional apresentado pelo MP, o imóvel é 307 vezes maior que a altura máxima permitida para o local (índice 3), “o equivalente a uma residência de 22 metros quadrados”, reclamam os investidores.