As imagens impressionantes de conflitos urbanos não são novidades aos cariocas. Mas, a transmissão em tempo real de um confronto dessa porte é inédita. Os movimentos de ocupação da favela denominada Vila Cruzeiro foram transmitidos ao meio-dia de quinta-feira para todo o país ao vivo pela televisão.
“Se deslocam carros blindados da Marinha, modelos usados em guerras, assim como os fuzis que estão em poder dos soldados dos dois lados”, relata o correspondente da Veja Online diretamente do local da invasão.
Até as 23h de quinta-feira, pelo menos 25 pessoas morreram. Entre eles um inocente morto por uma bala perdida na Vila Cruzeiro. A reação violenta dos narcotraficantes contabiliza mais de 70 veículos incendiados.
Para reforçar a segurança, o Ministério da Defesa enviou ao Rio de Janeiro 800 militares do Exército para auxiliar a polícia local no combate à violência na capital e nas cidades vizinhas. Eles somam-se aos outros 750 policiais que atuam nos locais.
A comissária de bordo lajeadense Vanessa Beuren mora na Ilha do Governador há cerca de dois anos. Ela relata que na noite de quarta-feira, após chegar de uma viagem precisou dormir em um hotel em Copacabana por ter sido impedida de se deslocar pela Linha Vermelha.
A principal via de circulação na capital carioca foi isolada pela polícia com barricadas a fim de evitar que os bandidos se deslocassem para o centro da cidade. Segundo ela, que na tarde de quinta-feira se encontrava em casa, a situação na cidade é de medo, independente da distância da favela Vila Cruzeiro, onde ocorre a invasão das forças policiais e militares.
“No momento vejo pela televisão a cobertura ao vivo da invasão da favela pelo Batalhão de Operações Especiais (Bope) e da fuga dos marginais para a o Complexo do Alemão. Essa é considerada uma das maiores do Rio com cerca de 400 mil habitantes”, relata.
Vanessa acredita que a atuação das Unidades Pacificadoras da Polícia Militar que afetou o comando do narcotráfico nessas áreas forçou a reação dos traficantes que atacaram o chamado asfalto, queimando diversos ônibus.
“Esse tipo de ação havia acontecido antes, mas penso que dessa vez o poder público resolveu enfrentar de fato esses criminosos”, afirma. Mesmo morando longe das áreas de conflito, ela se diz assustada.
Seus pais, Roque e Inês Maria Beuren, moradores do bairro Conventos, em Lajeado, contam que estão apreensivos com a violência que têm acompanhado pelos meios de comunicação. Mesmo que Vanessa more longe das favelas, a fuga dos marginais para as áreas do centro é o que mais os pais.
“Com as armas de grosso calibre que perfuram paredes a quilômetros de distância, nunca se está completamente seguro”, reclama Inês. Ela e o marido contam que ligam frequentemente para a filha a fim de lhe transmitir tranquilidade. Eles dizem que rezam para que a situação volte ao normal nem tão normal.
“Nos sentimos prisioneiros”
A arroio-meense Núbia Bolkenhagen, que mora no bairro Laranjeiras, no Rio de Janeiro, há cerca de 20 anos, relata que a situação nos locais de confronto, que se localizam há pouco mais de quatro quilômetros de sua residência, é assustadora. “Nos sentimos prisioneiros em casa”, desabafa.
Ela relata ter visto a movimentação dos caveirões do Batalhão de Operações Especiais (Bope) e blindados da marinha nacional e diz que sente a apreensão da população, quando observa as ruas vazias e os estudantes deixando de irem à escola. Segundo dados do portal G1, só no município são mais de 12 mil alunos que tiveram as aulas interrompidas.
O secretário de Segurança disse à emissora de televisão que a população precisa seguir sua rotina. “Mas, depois de cinco dias de ataque dos soldados do tráfico e a tomada da favela é impossível agir como se nada estivesse acontecendo”, reclama.
Núbia é casada com um médico natural do Rio de Janeiro e ele precisa se deslocar constantemente pela cidade por motivos profissionais, deixando-a apreensiva. “Ainda mais agora”, completa.
O casal tem dois filhos, um de 10 e outro de 4 anos, e procura focar-se no trabalho e na rotina, evitando o assunto na presença das crianças para não assustá-las.
Sua irmã Lori Franz, moradora do Distrito de Forqueta, em Arroio do Meio, preocupa-se com o casal e os sobrinhos. “É de assustar saber que o Rio passa por isso e que tenho parentes tão perto de uma zona de guerra”, conta.
Ela acompanha a situação pela imprensa e afirma que tenta contatá-los sempre que possível.
Conforme o coronel Mário Sérgio Duarte, comandante-geral da PM, este é, até o momento, o conflito mais sangrento da história das operações em favelas. A diferença entre aquela ação e a de hoje, é a declaração das autoridades que pretendem dar continuidade à ocupação.
Para Irineu Wickert, empresário lajeadense que tem um irmão, Celso, residente no bairro Laranjeiras na capital carioca, a situação é grave, mas localizada. Ele acredita que a polícia cumpre o seu dever e que para morar no Rio é necessário “saber muito bem onde se pisa”.
Ele revela que nos contatos recentes, o irmão relatou a sensação de insegurança em locais, como a Linha Vermelha e a Av. Régis Bittencourt, próximas das favelas ocupadas.
“Mesmo assim, o local onde meus familiares moram não é um alvo típico desses bandidos. Ficamos com o coração na mão, acompanhando tudo pela televisão e torcendo para que termine logo e da melhor forma”, conclui.
Números até 23h de quinta-feira
750 policiais civis e militares atuam na operação. Mais 800 soldados do exército.
188 pessoas presas ou detidas
72 veículos foram queimados
25 mortos