Caco Barcellos divide segredos do jornalismo

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Caco Barcellos divide segredos do jornalismo

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Gustavo Adolfo 1 - Lateral vertical - Final vertical

Na quinta-feira, o repórter e jorna­lista, Caco Bar­cellos, esteve no Clube Tiro e Caça para ministrar uma palestra sobre jornalismo e gestão. O evento promovido pelo jornal A Hora do Vale, com apoio da Expovale 2010 e patrocínio de Lojas Benoit e Languiru, foi prestigiado por universitários, empresários, profissionais da comunicação e comunidade.

Na ocasião, ele que contabili­za mais de 35 anos de atuação na área, tendo se especializado em reportagens investigativas, documentários e grandes ma­térias sobre injustiça social e violência, dividiu suas impres­sões sobre o ofício jornalístico e suas implicações socioeconô­micas.

cacoEm pouco mais de duas horas da palestra assistida por mais de 300 pessoas, Barcellos apre­sentou dados sobre a violência urbana no Brasil e no mundo e argumentou que os veículos de comunicação ainda encon­tram dificuldades (por receio ou ausência de dados corretos) para tratar sobre o assunto, principalmente pela repressão do Judiciário ou de ameaças por parte de quem é alvo das denúncias.

O gaúcho afirma que “vergo­nha na cara”, herança de seu pai , é característica funda­mental tanto para jornalistas quanto para qualquer cidadão que queira atuar de forma construtiva na sociedade. Ele trabalhou, entre outros, nos programas Globo Repórter, Fantástico, Jornal Nacional e nas revistas Veja e Istoé.

Hoje, Barcellos coordena a equipe que produz o pro­grama semanal Profissão Repórter, em que traz para a “grande rede” o talento e a coragem de jovens jor­nalistas, encarando pautas que tratam sobre drogas, violência e exclusão social.

Reportagens marcantes

Barcellos pausou a palestra por duas vezes para apresentar vídeos de reportagens que marcaram épo­ca, após serem apresentadas por te­lejornais da Rede Globo.

Na primeira intervenção, foi mos­trado o vídeo em que o jornalista en­tra no apartamento de 400 metros quadrados, em Miami, comprados por US$ 800 mil pelo juiz Nicolau dos Santos, preso por ter desviado mais de 250 milhões do Fórum Trabalhis­ta de São Paulo.

Primeiramente, com o acesso ao imóvel impedido pelos seguranças do prédio, o jornalista se passou por auxiliar de marceneiro para conseguir o seu intento. “Sabia que poderia pegar até meio ano de prisão por invasão de patrimônio privado, mas resolvi correr o risco para garantir que o país conheces­se o destino do dinheiro que lhe era roubado”, afirma.

A defesa apresentada que garan­tiu a absolvição para o processo judicial resultante da veiculação da reportagem foi de que de cer­ta forma o imóvel do juiz Lalau (como foi apelidado pela impren­sa) era em uma pequena fração proveniente de seu imposto, por­tanto patrimônio dele.

Barcellos destacou que faz parte da ética do jornalista não se cor­romper nem a terceiros para bus­car uma prova que fundamente uma reportagem.

Outra reportagem apresentada no telão, que emocionou os presen­tes, foi a sua cobertura da guerra civil angolana que vitimou cente­nas de milhares de pessoas. Em um dos momentos mais dramáticos da reportagem, um médico chinês de um grupo humanitário lutava para manter vivo um bebê alvejado nas costas, contando apenas com os par­cos recursos de um posto médico sem luz ou água tratada. Tanto a criança quanto um enfermeiro atingido na cabeça durante a operação de resga­te de feridos com uma ambulância não sobreviveriam a noite.

Barcellos afirmou que a guerra civil é uma realidade brasileira. Há dez anos, na lista dos cinco países mais violentos do planeta, o país tem uma média de 47 mil pessoas vitimadas anualmente pela violên­cia. “Em São Paulo, mais de 45% dessas pessoas são mortas pelas tropas de elite da polícia militar, muitas vezes em ações de exter­mínio que contam com a conivên­cia da imprensa. Os veículos de comunicação trazem os fatos a público com a explicação de que elas foram ocasionadas por con­frontos com a polícia”, diz. Se­gundo ele, mais de 300 mil pesso­as foram mortas pela polícia nos últimos dez anos, “a maioria com a cumplicidade do silêncio de jor­nalistas”, protesta. Conforme o profissional, esse número é quase o dobro de mortes registradas na recente guerra do Iraque.

Obras e premiações

A violência urbana é um assunto constante na carreira de Barcellos e marca presença em grande parte de suas reportagens e publicações. Entre elas destacam-se os premia­dos livros Rota 66 e Abusado – O Dono do Morro Dona Marta.

No primeiro, ele identifica 4,2 mil pessoas anônimas mortas pela tro­pa de elite da polícia paulista o Ba­talhão de Operações Especiais (Bope) que acabaram no anonimato. Os dados apresentados mostram que apenas três destas pessoas eram de classe média, e o restante formado pela camada mais pobre da socie­dade. Outro dado que impressiona é que 1,5 mil do restante tinha algum tipo de antecedente criminal.

Em Abusado, o Dono do Morro Dona Marta, Barcellos traça um perfil da atuação do tráfico nos morros cariocas e da formação dos traficantes e seu relacionamento com a comunidade. O livro é uma reportagem escrita em forma de ro­mance e esteve mais de um ano na lista dos mais vendidos do Brasil.

Segundo o jornalista, a violência do estado e o silêncio da mídia são fatores importantes para se enten­der a situação de guerra civil em que se encontram algumas das maiores cidades do país. O resulta­do aparece em uma população com medo, jornalistas populistas que querem atuar como juízes, delega­dos e executores e na descrença nas instituições democráticas.

Nos anos de 2006 e 2008, foi eleito o melhor repórter da televisão brasi­leira. O júri foi formado por 60 mil jornalistas que fizeram a escolha por meio de votação na internet. Em 2008, ele recebeu o Prêmio Especial das Nações Unidas, como um dos cinco jornalistas que mais se desta­caram na defesa dos direitos huma­nos no Brasil nos últimos 30 anos.

Para ele, é papel dos repórteres trazer a realidade de forma clara e sem filtros ideológicos ou eco­nômicos. “Somos testemunhas da tristeza e alegria alheia. É nosso dever contar a história da forma mais rica e verdadeira possível para jogar luz sobre estes temas e outros profissionais tenham dados confiáveis para atuar sobre essa realidade.”

Visita ao A Hora

Na tarde de quinta-feira, o jornalis­ta esteve na redação do A Hora para uma coletiva de imprensa com os re­pórteres do jornal e representantes da Rádio Independente e Rádio Encanta­do AM. Na ocasião, ele lembrou o início de sua carreira, quando abandonou o curso de matemática para se dedicar a um jornal estudantil integrado por jovens de esquerda no início dos anos 70. O periódico tornou-se porta voz da comunidade hippie gaúcha. A seguir, parte deste grupo passou a deslocar-se pela América Central e do Sul em busca de reportagens sobre conflitos e movimentos sociais.

Barcellos conta que depois traba­lhou em um jornal gaúcho e teve a oportunidade de testemunhar o nascimento do Movimento dos Tra­balhadores Rurais Sem Terra (MST). O fato foi marcado por um conflito com produtores em um acampamento na cidade de Encruzilhada Natalino, em Ronda Alta-RS. O acontecido ganhou destaque na mídia nacional pela vio­lência da luta entre posseiros e segu­ranças das terras invadidas.

Sobre o caráter cada vez mais de espetáculo que se atribui ao jornalis­mo televisivo, a opinião de Barcellos é de que recursos modernos podem ser utilizados para trazer clareza e pro­fundidade para a narrativa, como as reportagens apresentadas no pro­grama Profissão Repórter. “Com a possibilidade de não ter que ser posta imediatamente ao ar as reportagens ganham em qualidade, acompa­nhando os fatos ao longo do tempo e trazendo dados apurados com paci­ência para compor o mosaico de opi­niões, fatos e personagens”, define.

Ele destaca a última edição do pro­grama, quando a equipe conheceu o drama de pessoas viciadas em crack que varam as madrugadas consu­mindo a droga em um local no centro da cidade que ficou conhecido como Crackolândia. “Nesse caso o recurso da passagem de tempo foi utilizado de forma muito eficaz para mostrar os efeitos desse problema social as­sustador”, diz.

Para Barcellos, muita gente olha desconfiada para os mem­bros da imprensa, quando eles chegam com as forças de repres­são policial. Uma das maiores preocupações para profissionais da área é entender que o outro lado da história deve ser consul­tado para garantir o conflito de opiniões fundamental para a boa prática do jornalismo. “Tão perto do centro do Rio de Janeiro há uma guerra civil acontecendo, princi­palmente nos morros sitiados pela polícia militar. Os jornalistas de­vem fugir dos clichês profissionais e buscar trazer informações do outro lado da guerra. Só com o re­lato de todas as partes envolvidas o leitor pode se informar de forma satisfatória sobre os ângulos des­sa mazela social que não pode ser reduzida a simples bandidos e mo­cinhos”, conclui.

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