Duas audiências, seis reuniões, garantia do governo e… nada

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Duas audiências, seis reuniões, garantia do governo e… nada

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Gustavo Adolfo 1 - Lateral vertical - Final vertical

Mais de dez en­contros, discus­sões e apelos foram insufi­cientes para que o novo presí­dio estadual fosse construído. A superlotação do atual persistirá por pelo menos mais um ano. Conselho da Comunidade pretende amenizar o problema tratando viciados e encontrando empregos aos apenados.

A última notícia foi no fim da semana. O Tribunal de Contas do Estado (TCE) aceitou o pedido do Minis­tério Público de Contas de suspender as obras dos seis novos presídios porque não tinham licitações. Hoje du­rante o dia, o órgão colegiado reúne-se novamente e decide o assunto.

presidioSe persistir a opinião, o governo deve abrir edital de licitação para definir quem executará a construção. Esse processo levará meses e, con­forme o governo do estado, não haverá mais tempo neste ano para iniciar a obra. Ela ficará para o próximo governo e junto às decisões, inclusive as contrapartidas solicitadas pelos moradores dos bairros que margeiam a área destina­da à penitenciária.

Na manhã de ontem, au­toridades encontraram-se na reunião do Conselho da Co­munidade Carcerária e ficou definida a construção de uma sala multiuso que atenderá famílias dos presos e aos que usam drogas. O custo está orçado em R$ 25 mil.

O grupo entendeu que é preciso tratar os apenados antes de construir salas de trabalho e tentar uma res­socialização no mercado de trabalho externo. O juiz da vara de execuções criminais, Rudolf Reitz, relata que a maioria dos presos reincide porque é usuário de drogas e foge, pois tem dívidas dentro da cadeia devido ao vício. “Mas, nada justifica um novo crime. Se cometem preciso puni-los”, declara.

Outras maneiras de amenizar o problema interno

O juiz sugeriu outras atividades internas aos presos, diminuindo a ociosidade e envolvendo-os em ati­vidades sociais.

Nesta semana, será oferecido a eles a oportunidade de serem doadores de sangue do Banco de Sangue de Lajeado. O juiz pretende conceder um dia de remissão de pena àqueles que estiverem aptos a doar.

Reitz diz que há um mês ofertou à prefeitura mão de obra prisional gratui­ta para reformas e ajardinamento em escolas. “Ainda não tivemos retorno do município. Eles entrariam apenas com o material”, diz. O juiz conta que o preso faria o trabalho no horário oposto às au­las, para reduzir os riscos aos alunos.

Comunidades pretendem cobrar da prefeitura

Os presidentes das asso­ciações de moradores dos bairros envolvidos relatam que estão desanimados com a notícia e que pretendem cobrar da administração municipal os acordos.

O presidente do bairro Santo Antônio, Rui Olívio da Silva Reinke, questiona o município o motivo pelo qual os mora­dores não foram informados que poderia haver esse tipo de pro­blema. “Fomos todos passados para trás. Os moradores imaginavam as melhorias nos bairros”, conta. Reinke diz que eles comentam que melhorias são feitas no bairro apenas em troca da penitenciária, “as­sim ficamos abandonados”.

Para o presidente do Jar­dim do Cedro, Sérgio Herr­mann, uma nova reunião entre moradores e prefei­tura precisa ser organizada. “Os moradores querem uma solução aos pedidos soli­citados, e a administração terá que resolver”, diz.

O presidente do bairro das Nações, João Lauri Gorgen, afirma que as reu­niões e encontros foram um atraso na vida dos par­ticipantes. “Fomos iludidos e estamos indignados”, protesta. Ele diz que perdeu dias de trabalho para acom­panhar as reuniões.

“Esperávamos ruas, calça­das e outras melhorias. E ago­ra não vem nada”, lamenta o presidente do bairro Morro 25, José Ivanir Netto.

O secretário de Indústria e Comércio de Lajeado, Carlos Alberto Martini, diz que o acordo para as contra­partidas foi feito com o governo do estado, e que o município auxiliaria com 20%. Ele acredita que no próximo ano as negociações seguirão e o quanto antes a cidade terá uma nova peni­tenciária.

Sucateamento da penitenciária

O prédio do Presídio Estadual de La­jeado tem quase 50 anos. Neste período passou por duas reformas. As vagas são para 122 presos, mas desde o início está superlotado com mais de 300. Toda região destina presos para a cidade, mas o maior número é de Lajeado.

Sua estrutura é a mesma, mas a área foi agregando novos prédios, como um alber­gue, muros, canil e galerias. Se os mesmos presos que vivem no atual fossem transfe­ridos para nova penitenciária, e os detentos que estiverem em casas prisionais vizinhas pedissem para voltar, mais da metade da capacidade do novo estaria comprometida.

Perspectivas

Em agosto, a governadora Yeda Crusius anunciou que seis penitenciárias seriam construídas no estado – Lajeado, Alegrete, Camaquã, Venâncio Aires, Erechim e São Francisco de Paula. Desde então, órgãos mobilizam-se para amenizar o problema do sistema carcerário da região.

No total seriam criadas 3,6 mil vagas, com investimento de R$ 154 milhões. Em Lajeado seriam 600 vagas no regime fechado e 200 no semiaberto. Ele estava orçado em R$ 29,5 milhões.

Obras comunitárias perdidas

Santo Antônio e município

– Investimento de 30% do valor total da obra – R$ 7,5 milhões – para infraestrutura nos bairros próximos da construção;

– Caberá à administração municipal a elaboração dos projetos técnicos necessários para as obras de infraes­trutura, arcando com custos;

– Isenção de impostos estaduais e municipais para a instalação de novas empresas nos bairros;

– Transformar o atendimento do posto de saúde exis­tente no bairro em 24 horas e ampliar especialidades médicas;

– Instalação de um posto permanente da Brigada Militar (24 horas);

– Atual área do presídio deverá retornar para o muni­cípio;

– Acordo para a construção em até três anos de albergues nas comarcas de Estrela e Teutônia;

– Implantação de sistema prisional feminino em outra cidade da região;

– Manter aberto diálogo para reivindicações futuras.

Nações

– Cercamento e iluminação no campo de futebol;

– Pavimentação de ruas;

– Regulamentação de delimitação das áreas da divisa com Cruzeiro do Sul.

Morro 25

– Delimitação da área da divisa com Cruzeiro do Sul;

– Infraestrutura e pavimentação do loteamento Zago;

– Conclusão dos acessos de ligação aos bairros Santo Antônio e Nações.

Jardim do Cedro

– Posto policial;

– Ampliação do ginásio, creche e escola;

– Construção de uma ciclovia;

– Novas paradas de ônibus;

– Aumento da linha de transporte urbano;

– Cercamento do campo de futebol;

– Melhorias nas ruas.

Envolvidos lamentam as decisões

rudolfO presidente do Conselho da Co­munidade Carcerária, Miguel Feldens, acredita que o novo presídio não será mais construído em Lajeado. “Te­remos que ficar com o velho e nos conformar”, diz.

Para Rudolf Reitz, a contrapartida foi um ajuste entre o atual governo e a comunidade, “quando o próximo assumir não terá que se responsabilizar por acordos antigos”.

Ele lamenta a demora nas negocia­ções, mas relata que todo processo ser­viu para fazer com que as autoridades e representantes de todos os municípios vizinhos se mobilizassem e tivessem conhecimento da grave situação car­cerária da região.

Valores que acabaram em mãos vizinhas

Pela terceira vez os recursos es­taduais ou federais foram rejeitados. Na primeira ocasião, em 2009, a ver­ba era federal (R$ 16 milhões) e foi perdida devido ao embargo da obra por uma ação judicial movida pelo Ministério Público Federal (MPF).

Devido à mobilização de órgãos da segurança pública da região, o Vale do Taquari conseguiu retomar o projeto que segue em processo judicial. O estado ofereceu recursos próprios para a construção. O ano acabou, e o valor não foi utilizado. Como estava no orçamento foi re­passado para outra obra do sistema penitenciário em Arroio dos Ratos.

Desta vez, o estado ofereceu quase o dobro do valor, R$ 29,5 mi­lhões, com um projeto maior e mais moderno, que oferece salas de aula e trabalho, além de uma estrutura com maior segurança.

Como foi todo o processo

1/09 – A obra foi autorizada em regime emergencial. O estado tem 30 dias para começar as atividades. Nesse período todos os processos burocráticos deveriam estar concluídos. O prédio estava orçado em R$ 25 milhões, e a previsão de término era de seis meses.

8/09 – Sete autoridades de Lajeado encon­traram-se em uma audiência pública em Porto Alegre. Ela era exclusiva para empresários, mas no fim os secretários conversaram com as auto­ridades. Na ocasião, foi anunciada a construção de cinco penitenciárias no estado, Lajeado era dúvida na lista porque a administração municipal não sabia se aceitava ou não.

9/09 – No dia seguinte, novo encontro foi realizado na Univates. Representantes do estado vieram à cidade e eram aguardados por mais de 20 lideranças locais. Discussões entre partes opostas ocorreram, mas todas as opiniões foram expostas.

16/09 – Houve reunião de três horas entre lideranças da segurança pública e presidentes de associações de moradores na escola Ciep no bairro Santo Antônio. Devido a algumas manifestações de moradores do bairro Santo Antônio, o estado entendeu que a comunidade não aceitava a penitenciária. Foi entregue a lista de contrapartidas dos moradores.

21/09 – Dias depois, a secretária-geral de governo, Ana Pellini, confirmou que o estado aceitaria os pedidos, mas seria necessário um “sim” oficial dos moradores. Presidentes dos bairros Santo Antônio, Jardim do Cedro, Nações e Morro 25, no feriado organizaram votações em suas comunidades. Mais de 650 moradores participaram. Cerca de 85% foram a favor e 15% contra.

22/09 – Autoridades foram até a Casa Civil em Porto Alegre entregar a lista de pedidos dos quatro bairros envolvidos com a lista de aprova­ção da nova penitenciária na cidade.

27/09 – Tribo caingangue que vive ao lado da área não quer penitenciária e convoca auxílio do Ministério Público Federal (MPF). Autori­dades reuniram-se na sede do órgão. Estado diz que só sairá presídio, se índios concordarem. Município inicia negociações para atender con­trapartidas da tribo.

29/09 – As negociações entre estado e município foram encerradas. Estado diz que tribo deixa de ser empecilho para o andamento da construção. Contudo, município seguiu em negociações com a tribo. Ficou firmado que a administração municipal terá que arcar com 20% (R$ 1 milhão) do valor das obras das con­trapartidas.

10/10 – As obras estavam previstas para iniciarem logo após as eleições, mas foram prorrogadas para o início de novembro. O atual governo perdeu nas eleições e a secretária-geral de Governo, Ana Pellini, afirma que não conse­gue mais ter agilidade no processo.

19/10 – O procurador-geral Geraldo Ca­mino do Ministério Público de Contas pediu a suspensão das obras dos seis novos presídios porque eles não têm licitações. Ele alega que o processo compromete a transparência do ato.

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