Mais de dez encontros, discussões e apelos foram insuficientes para que o novo presídio estadual fosse construído. A superlotação do atual persistirá por pelo menos mais um ano. Conselho da Comunidade pretende amenizar o problema tratando viciados e encontrando empregos aos apenados.
A última notícia foi no fim da semana. O Tribunal de Contas do Estado (TCE) aceitou o pedido do Ministério Público de Contas de suspender as obras dos seis novos presídios porque não tinham licitações. Hoje durante o dia, o órgão colegiado reúne-se novamente e decide o assunto.
Se persistir a opinião, o governo deve abrir edital de licitação para definir quem executará a construção. Esse processo levará meses e, conforme o governo do estado, não haverá mais tempo neste ano para iniciar a obra. Ela ficará para o próximo governo e junto às decisões, inclusive as contrapartidas solicitadas pelos moradores dos bairros que margeiam a área destinada à penitenciária.
Na manhã de ontem, autoridades encontraram-se na reunião do Conselho da Comunidade Carcerária e ficou definida a construção de uma sala multiuso que atenderá famílias dos presos e aos que usam drogas. O custo está orçado em R$ 25 mil.
O grupo entendeu que é preciso tratar os apenados antes de construir salas de trabalho e tentar uma ressocialização no mercado de trabalho externo. O juiz da vara de execuções criminais, Rudolf Reitz, relata que a maioria dos presos reincide porque é usuário de drogas e foge, pois tem dívidas dentro da cadeia devido ao vício. “Mas, nada justifica um novo crime. Se cometem preciso puni-los”, declara.
Outras maneiras de amenizar o problema interno
O juiz sugeriu outras atividades internas aos presos, diminuindo a ociosidade e envolvendo-os em atividades sociais.
Nesta semana, será oferecido a eles a oportunidade de serem doadores de sangue do Banco de Sangue de Lajeado. O juiz pretende conceder um dia de remissão de pena àqueles que estiverem aptos a doar.
Reitz diz que há um mês ofertou à prefeitura mão de obra prisional gratuita para reformas e ajardinamento em escolas. “Ainda não tivemos retorno do município. Eles entrariam apenas com o material”, diz. O juiz conta que o preso faria o trabalho no horário oposto às aulas, para reduzir os riscos aos alunos.
Comunidades pretendem cobrar da prefeitura
Os presidentes das associações de moradores dos bairros envolvidos relatam que estão desanimados com a notícia e que pretendem cobrar da administração municipal os acordos.
O presidente do bairro Santo Antônio, Rui Olívio da Silva Reinke, questiona o município o motivo pelo qual os moradores não foram informados que poderia haver esse tipo de problema. “Fomos todos passados para trás. Os moradores imaginavam as melhorias nos bairros”, conta. Reinke diz que eles comentam que melhorias são feitas no bairro apenas em troca da penitenciária, “assim ficamos abandonados”.
Para o presidente do Jardim do Cedro, Sérgio Herrmann, uma nova reunião entre moradores e prefeitura precisa ser organizada. “Os moradores querem uma solução aos pedidos solicitados, e a administração terá que resolver”, diz.
O presidente do bairro das Nações, João Lauri Gorgen, afirma que as reuniões e encontros foram um atraso na vida dos participantes. “Fomos iludidos e estamos indignados”, protesta. Ele diz que perdeu dias de trabalho para acompanhar as reuniões.
“Esperávamos ruas, calçadas e outras melhorias. E agora não vem nada”, lamenta o presidente do bairro Morro 25, José Ivanir Netto.
O secretário de Indústria e Comércio de Lajeado, Carlos Alberto Martini, diz que o acordo para as contrapartidas foi feito com o governo do estado, e que o município auxiliaria com 20%. Ele acredita que no próximo ano as negociações seguirão e o quanto antes a cidade terá uma nova penitenciária.
Sucateamento da penitenciária
O prédio do Presídio Estadual de Lajeado tem quase 50 anos. Neste período passou por duas reformas. As vagas são para 122 presos, mas desde o início está superlotado com mais de 300. Toda região destina presos para a cidade, mas o maior número é de Lajeado.
Sua estrutura é a mesma, mas a área foi agregando novos prédios, como um albergue, muros, canil e galerias. Se os mesmos presos que vivem no atual fossem transferidos para nova penitenciária, e os detentos que estiverem em casas prisionais vizinhas pedissem para voltar, mais da metade da capacidade do novo estaria comprometida.
Perspectivas
Em agosto, a governadora Yeda Crusius anunciou que seis penitenciárias seriam construídas no estado – Lajeado, Alegrete, Camaquã, Venâncio Aires, Erechim e São Francisco de Paula. Desde então, órgãos mobilizam-se para amenizar o problema do sistema carcerário da região.
No total seriam criadas 3,6 mil vagas, com investimento de R$ 154 milhões. Em Lajeado seriam 600 vagas no regime fechado e 200 no semiaberto. Ele estava orçado em R$ 29,5 milhões.
Obras comunitárias perdidas
Santo Antônio e município
– Investimento de 30% do valor total da obra – R$ 7,5 milhões – para infraestrutura nos bairros próximos da construção;
– Caberá à administração municipal a elaboração dos projetos técnicos necessários para as obras de infraestrutura, arcando com custos;
– Isenção de impostos estaduais e municipais para a instalação de novas empresas nos bairros;
– Transformar o atendimento do posto de saúde existente no bairro em 24 horas e ampliar especialidades médicas;
– Instalação de um posto permanente da Brigada Militar (24 horas);
– Atual área do presídio deverá retornar para o município;
– Acordo para a construção em até três anos de albergues nas comarcas de Estrela e Teutônia;
– Implantação de sistema prisional feminino em outra cidade da região;
– Manter aberto diálogo para reivindicações futuras.
Nações
– Cercamento e iluminação no campo de futebol;
– Pavimentação de ruas;
– Regulamentação de delimitação das áreas da divisa com Cruzeiro do Sul.
Morro 25
– Delimitação da área da divisa com Cruzeiro do Sul;
– Infraestrutura e pavimentação do loteamento Zago;
– Conclusão dos acessos de ligação aos bairros Santo Antônio e Nações.
Jardim do Cedro
– Posto policial;
– Ampliação do ginásio, creche e escola;
– Construção de uma ciclovia;
– Novas paradas de ônibus;
– Aumento da linha de transporte urbano;
– Cercamento do campo de futebol;
– Melhorias nas ruas.
Envolvidos lamentam as decisões
O presidente do Conselho da Comunidade Carcerária, Miguel Feldens, acredita que o novo presídio não será mais construído em Lajeado. “Teremos que ficar com o velho e nos conformar”, diz.
Para Rudolf Reitz, a contrapartida foi um ajuste entre o atual governo e a comunidade, “quando o próximo assumir não terá que se responsabilizar por acordos antigos”.
Ele lamenta a demora nas negociações, mas relata que todo processo serviu para fazer com que as autoridades e representantes de todos os municípios vizinhos se mobilizassem e tivessem conhecimento da grave situação carcerária da região.
Valores que acabaram em mãos vizinhas
Pela terceira vez os recursos estaduais ou federais foram rejeitados. Na primeira ocasião, em 2009, a verba era federal (R$ 16 milhões) e foi perdida devido ao embargo da obra por uma ação judicial movida pelo Ministério Público Federal (MPF).
Devido à mobilização de órgãos da segurança pública da região, o Vale do Taquari conseguiu retomar o projeto que segue em processo judicial. O estado ofereceu recursos próprios para a construção. O ano acabou, e o valor não foi utilizado. Como estava no orçamento foi repassado para outra obra do sistema penitenciário em Arroio dos Ratos.
Desta vez, o estado ofereceu quase o dobro do valor, R$ 29,5 milhões, com um projeto maior e mais moderno, que oferece salas de aula e trabalho, além de uma estrutura com maior segurança.
Como foi todo o processo
1/09 – A obra foi autorizada em regime emergencial. O estado tem 30 dias para começar as atividades. Nesse período todos os processos burocráticos deveriam estar concluídos. O prédio estava orçado em R$ 25 milhões, e a previsão de término era de seis meses.
8/09 – Sete autoridades de Lajeado encontraram-se em uma audiência pública em Porto Alegre. Ela era exclusiva para empresários, mas no fim os secretários conversaram com as autoridades. Na ocasião, foi anunciada a construção de cinco penitenciárias no estado, Lajeado era dúvida na lista porque a administração municipal não sabia se aceitava ou não.
9/09 – No dia seguinte, novo encontro foi realizado na Univates. Representantes do estado vieram à cidade e eram aguardados por mais de 20 lideranças locais. Discussões entre partes opostas ocorreram, mas todas as opiniões foram expostas.
16/09 – Houve reunião de três horas entre lideranças da segurança pública e presidentes de associações de moradores na escola Ciep no bairro Santo Antônio. Devido a algumas manifestações de moradores do bairro Santo Antônio, o estado entendeu que a comunidade não aceitava a penitenciária. Foi entregue a lista de contrapartidas dos moradores.
21/09 – Dias depois, a secretária-geral de governo, Ana Pellini, confirmou que o estado aceitaria os pedidos, mas seria necessário um “sim” oficial dos moradores. Presidentes dos bairros Santo Antônio, Jardim do Cedro, Nações e Morro 25, no feriado organizaram votações em suas comunidades. Mais de 650 moradores participaram. Cerca de 85% foram a favor e 15% contra.
22/09 – Autoridades foram até a Casa Civil em Porto Alegre entregar a lista de pedidos dos quatro bairros envolvidos com a lista de aprovação da nova penitenciária na cidade.
27/09 – Tribo caingangue que vive ao lado da área não quer penitenciária e convoca auxílio do Ministério Público Federal (MPF). Autoridades reuniram-se na sede do órgão. Estado diz que só sairá presídio, se índios concordarem. Município inicia negociações para atender contrapartidas da tribo.
29/09 – As negociações entre estado e município foram encerradas. Estado diz que tribo deixa de ser empecilho para o andamento da construção. Contudo, município seguiu em negociações com a tribo. Ficou firmado que a administração municipal terá que arcar com 20% (R$ 1 milhão) do valor das obras das contrapartidas.
10/10 – As obras estavam previstas para iniciarem logo após as eleições, mas foram prorrogadas para o início de novembro. O atual governo perdeu nas eleições e a secretária-geral de Governo, Ana Pellini, afirma que não consegue mais ter agilidade no processo.
19/10 – O procurador-geral Geraldo Camino do Ministério Público de Contas pediu a suspensão das obras dos seis novos presídios porque eles não têm licitações. Ele alega que o processo compromete a transparência do ato.