Falta de padres faz diáconos ganharem espaço na igreja

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Falta de padres faz diáconos ganharem espaço na igreja

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Gustavo Adolfo 1 - Lateral vertical - Final vertical

Seguidamente, quando lhe pedem a bênção ou que escute uma confissão, Antônio Lazzari, de Sério, 72 anos, precisa explicar que não é padre, mas aposentado. Ele é um entre milhares de leigos que levantam dos bancos das igrejas para assumir funções até mesmo atrás do altar, ocupando o espaço deixado pela carência de padres nas grandes paróquias.

Todos os fins de semana, ele veste sua opa, espécie de jaleco branco, e conduz uma celebração religiosa em uma igreja comunitária da Paróquia São José do pequeno município com cerca de dois mil habitantes. Assim, a imagem e semelhança de um sacerdote católico, leva a Liturgia da Palavra (fase da missa que inclui a leitura do Evangelho) à população local.

Como ministro leigo da igreja, pode distribuir a hóstia e realizar sepultamentos e celebrações. Além de ocupar o altar de pequenas igrejas para as quais não há padre designado, ele ajuda o clero a administrar as comunidades católicas e a realizar obras sociais.

Na prática, o diácono não substitui inteiramente o padre. Numa paróquia, só o sacerdote pode consagrar a hóstia, ouvir confissões e administrar o sacramento da unção dos enfermos (conhecido antigamente como extrema unção). Mas o diácono é capaz de assumir responsabilidades antes concentradas na figura do padre.

“Aos sábados, sou eu quem realizo batizados e casamentos”, cita. Casado há 50 anos e pai de quatro filhos, é professor aposentado. Nas cerimônias, veste roupas que fazem lembrar as de um padre, o que muitas vezes confunde os fiéis. “As pessoas ainda não estão acostumadas, mas faço questão de explicar que sou um diácono – e não um padre – e que faço parte da estrutura da igreja”, explica.

Na celebração da palavra – que não se confunde com a missa – Lazzari administra a comunhão, mas as hóstias são consagradas previamente por um padre ou por um bispo.

“O povo está se adaptando. Em algumas comunidades ainda encontramos rejeição. As pessoas estão acostumadas com a celebração do padre e em casos extremos até deixam de frequentar as missas porque é um diácono ou uma ministra que está celebrando a palavra de Deus”, afirma.


Uma mulher que celebra a palavra

É domingo. O relógio marca 8h30min. São poucos os fiéis que se deslocam até a igreja para a missa dominical no dia frio e chuvoso.

No altar, não é o padre que os espera, mas sim uma ministra, Ermida Bianchini Lazzari, 68 anos, que ,celebrará a Liturgia da Palavra.

Apesar da idade, a agilidade, a simpatia e o humor exibem o espírito jovem. Ermida, professora aposentada, pertence às primeiras “fornadas” de ministros da palavra e da comunhão do município. Sentiu as resistências da comunidade cristã, especialmente por parte dos homens, visto que ver uma mulher no lugar do padre era uma blasfêmia.

Nunca se deixou agastar e a certeza de fazer o bem acabou por conquistar frutos – hoje conta que aqueles que no início a criticaram são agora os primeiros a apoiá-la e a aparecer nas suas celebrações.

O que a motiva é a fé em Deus e a alegria de ver a igreja cheia. “É uma emoção porque é sinal de que há fé e que o povo se reúne para ouvir a palavra de Deus”, diz.

Sem hesitar e sem qualquer pudor, ela aponta ousada solução face ao desafio de falta de padres na Igreja Católica. “Eles deviam poder casar e mais nada. Deixá-los viver a vida como as outras pessoas”, defende.

De 23, apenas um será ordenado

Após 17 anos de estudo, o frei César do Santos Machado, 36 anos, natural de linha Araçá, em Boqueirão do Leão, será ordenado padre neste sábado, em cerimônia religiosa que será realizada a partir das 15h30min, na Igreja Matriz São José, de Sério. “Sou o único de uma turma de 23 alunos que entrou no seminário há 17 anos a se formar padre. Os outros desistiram. Optaram por outras profissões e constituíram família”, explica.

Machado observa que servir a Deus e à comunidade é uma opção. “O apoio da família é fundamental. Isso acendeu em mim uma vocação. Eu me senti identificado com o chamado”, comenta.

Seminários viram ponto turístico

O frei Everaldo Antônio de Oliveira, 23 anos, é um dos poucos jovens que está no Convento São Boaventura, em Daltro Filho, Distrito de Imigrante. O seminário construído em 1940 tem capacidade para abrigar 60 pessoas, porém só três moram no local. “Depois que as aulas foram transferidas para Porto Alegre, aqui esvaziou. Poucos jovens são ordenados padres, pois a maioria desiste. Sou um dos poucos que sigo firme na opção que fiz. É preciso ter fé e motivação para conseguir atender o chamado de Deus”, comenta. Oliveira será ordenado padre em 2014.

Ele explica que o local virou um ponto turístico e de encontro para grupos nos fins de semana. “Para não deixar a estrutura parada, estamos abrindo para a comunidade se reunir e visitar. É o que restou após tantas décadas”, lamenta.

Um padre com famíliapadre

O professor Olívio Heinen, 58 anos, natural de Linha Santa Emília, em Venâncio Aires, foi ordenado padre em 1979. Após 19 anos, ele decidiu deixar a batina e constituir família. Casou-se com a coordenadora diocesana de catequese, Janice Reis. Tiveram três filhos, o Samuel, de 12 anos; a Liana, de 10; e o Mateus, de 6. “Eu sempre tive o desejo de ter filhos e uma esposa. Nunca escondi esse sonho de ninguém. Hoje sou um padre com família e não me arrependo da minha escolha”, admite.

Quanto ao casamento, Heinen entende que esse deveria ser opcional para os padres. “Acredito que daria para conciliar a família com a vocação de padre. Se essa condição fosse aceita, eu voltaria a celebrar missas”, comenta.

“Acho que deveria deixar o padre casar”

Em Santa Cruz do Sul, existem apenas seis padres para atender mais de cem mil fiéis. Em Lajeado, na Paróquia Santo Inácio de Loyola, há dois padres para atender 16 comunidades e oito núcleos onde são realizadas missas.

Cada padre realiza em média 20 celebrações por mês. Esse déficit, segundo o padre Roque Hammes, vigário geral da Diocese de Santa Cruz do Sul, ocorre porque muitos jovens são indiferentes à religião ou então se assustam com o celibato. “Pessoalmente, acho que deveria deixar o padre casar.

De qualquer forma, quando nos consagramos assumimos um compromisso consciente, então temos que cumprir até o fim”, entende, admitindo que certamente teria casado, se fosse permitido.

Para Hammes, como inexiste previsão de ordenação para este ano, a prioridade será a formação de novas lideranças dentro das comunidades, para que as funções religiosas se tornem mais atraentes.

Roque explica que o ideal seria ter um padre para cada cinco mil fiéis. “Hoje, temos casos na nossa diocese onde um precisa atender 25 mil. Isso se torna inviável, por isso trabalhamos para formar novos diáconos e ministros para auxiliar nos trabalhos”, diz.

Segundo o sacerdote, a situação não é exclusiva da região. Ele afirmou que em todo o país e na Europa a igreja enfrenta essa dificuldade. “Onde a instituição é mais tradicional, é mais fácil haver padres. Agora, nos centros mais modernos, realmente é difícil. As famílias deixaram de ter muitos filhos, por isso poucos seguem a vocação”, diz.

Hammes afirma que o diaconato surge como uma tentativa de responder a falta de ministros ordenados. “Mas, o diácono não é um substituto do padre. Ele está ali para ajudar”, observa. A diferença é que ele é um homem comum, geralmente, casado, com filhos e profissão. “Ele tem se tornado uma figura fundamental para suprir essa falta de padres nas paróquias”, afirma.

65 anos dedicados à vida religiosa

Após mais de seis décadas de pregação, a batina é praticamente uma segunda pele para Miguel Ody, 88 anos. Pelo menos cinco vezes por semana, ele veste o traje sacro e sobe ao altar de várias igrejas da Paróquia São Francisco Xavier, em Santa Clara do Sul. Uma rotina renovada desde 1971, quando foi ordenado padre.

Ody frisa que ser sacerdote não é uma tarefa fácil. Deixar tudo e entregar-se completamente nas mãos do Senhor requer vocação, força e fé. “O padre é um ser humano, sujeito a tentações, a fraquezas, a emoções e aos sentimentos.

A graça divina e a oração constante são as melhores ajudas para os momentos de dificuldade”, afirma.

Ody explica que sente falta de participação dos jovens nas celebrações e nos projetos da igreja. Ele realizou mais de três mil casamentos, cerca de dez mil batismos, 18 mil missas e outras celebrações que a memória ainda consegue lembrar.

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