Por que a Central está ameaçada

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Por que a Central está ameaçada

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Lajeado -Com mais de 16,1 mil pacientes atendidos em 24 anos, uma das clínicas mais bem-conceituadas do estado pode estar com seus dias con­tados. Isso porque, segundo a Portaria 433 da Secretaria Es­tadual de Saúde, o Centro Tera­pêutico de Tratamento do Alco­olismo (Central) – que atendeu pacientes de 400 municípios de 17 estados, não se enquadra em alguns itens exigidos pela nova regulamentação, como a estrutura do local, as formas de tratamento e a especialização dos profissionais responsáveis. Na última semana, uma equipe formada por representantes das secretarias municipal e estadual de Saúde, da Vigilância Sanitá­ria, do Conselho Municipal de Entorpecentes e do Ministério Público visitou o local, dando início a um relatório sobre as condições do espaço. De acordo com o presidente da instituição, Roque Lopes, as exigências são ineficazes e podem fazer com que a Central feche suas portas por não ter condições financeiras para os ajustes. Entre as novas nor­mas citadas por Lopes, estão a contratação de um segun­do médico-clínico pediatra; a diminuição dos leitos nos quartos; e a especialização dos terapeutas responsáveis pelo tratamento dos internos. central

Segundo Elizete Alves da Silva, da Secretaria de Saúde de Lajeado, a vistoria realizada no local diagnosticou algumas irregularidades, no entanto o relatório não foi finalizado. “Não podemos divulgar essas irregularidades até o término do relatório”, explica. Ela diz que a administração municipal sempre foi parceira da Central, e que o objetivo é ajudar para que não se perca essa referência no tratamento de drogas. “Não se trata de uma lei criada pelo município, mas temos de fazer valer. Acredito que, juntos, encontraremos uma solução para que os problemas sejam resolvidos”, afirma, acrescen­tando que não há prazos iniciais para essas readequações. Questionado sobre o assunto, o coordenador do Fórum de Enfrentamento à Drogadição, promotor Sérgio Diefenbach, diz que o Ministério Público também visitará o local com o objetivo de orientar e darassistência à instituição, para adequar o que eventualmente não esteja de acordo com a legislação. “Não cogitamos o fechamento, principal­mente por sabermos dos bons resultados apresentados pela clínica. Vamos apenas analisar o grau de descum­primento das normas para avaliarmos o que precisa ser feito”, afirma.

Possíveis irregularidades na estrutura

Com 114 leitos construí­dos em uma área de 1,5 mil metros quadrados, a insti­tuição deverá se adequar para ter no máximo 90 leitos. Esse também é o número de pacientes que poderão ser atendidos no mesmo período. A equipe técnica da Central é hoje formada por um médico-clínico psi­quiatra, dois psicólogos, duas assistentes sociais, cinco consultores, quatro enfermeiros, um monitor e mais a equipe administrativa e de apoio. De acordo com a Portaria 433, são neces­sários dois médicos-clínicos, e os consultores devem ser formados pelo Conselho Estadual de Entorpecentes (Conen). Segundo Lopes, os consultores são ex-de­pendentes que estão há mais de dez anos “limpos” e aptos para tratar novos de­pendentes. “Eles andaram na contramão e sabem os caminhos para voltar. Foi assim que sempre funcio­nou aqui”, afirma.

A lei exige também que os quartos tenham apenas seis leitos, enquanto na ins­tituição são nove para cada espaço. Lopes diz que hoje quem lava as roupas são os próprios internos, mas que a nova lei exige que isso seja responsabilidade da instituição. “Quando esta­vam na rua não davam valor para a roupa lavada. Agora, eles mesmo devem lavar, pois isso é terapêutico”, defende. A mesma opinião serve para a questão da ali­mentação. A Portaria exige que seja oferecido cardápio, exigência rebatida com vee­mência por Lopes. “Quando mamãe e papai preparavam o almoço, o cara chegava 3h embriagado ou drogado e nem comia. Agora terão que comer o que for servi­do”, afirma, acrescentando que ninguém morreu de fome no local, ao contrário, a maioria costuma deixar a Central com o peso acima do momento da chegada.

Estrutura atual


A Central tem hoje uma Unidade de Desintoxica­ção (UD) com capacidade para 33 pessoas. São 27 leitos masculinos, e seis femininos. No total, são 114 leitos com as enfermarias. No local há um refeitório para cem pessoas que serve tanto para os pa­cientes como familiares. O auditório tem 196 lugares e serve para as reuniões de Alcoólicos Anônimos (AA), terapias de grupo, seminá­rios e programas familiares. Existem ainda quatro salas de terapia, quiosque, aca­demia de musculação e de ginástica, biblioteca, sala de palestras, espaços para leitura e cancha de bocha. Hoje, são atendidos 81 pacientes, dos quais 35% por motivo de dependência alcoólica, e o restante por drogas ilícitas.

Desintoxicação em hospitais

A principal adequação reba­tida por Lopes é a questão da de­sintoxicação do paciente. Hoje, na Central, existe a Unidade de Desintoxicação (UD), em que o interno passa um período de até 15 dias, para então dar início ao tratamento terapêutico. A lei exige que esse primeiro passo seja realizado em um hospital de referência, com exames de sangue e de urina que comprovem a necessidade de internação. “Isso nunca fun­cionará. Os exames devem ser feitos olho no olho, na conversa se percebe a necessidade ou não de internamento”, garante. Ele afirma que dificilmente o paciente aceitará o tratamento após se desintoxicar sozinho em um leito de hospital, diferente do que ocorre na UD da Central. “Nela iniciamos o tratamento, convencendo o paciente de que ele tem um problema e precisa se tratar”, diz.

“Quem não ajuda não pode atrapalhar”


Lopes lembra que iniciou sozinho o trabalho há 30 anos, quando ele venceu o vício da bebida. Diz que no início não havia ninguém para ajudá-lo. “Agora, pessoas que na época não fizeram nada querem atrapalhar nosso trabalho. Nos deixem em paz”, desabafa. Ele afirma que as adequações da Central foram feitas ao longo dos anos, de acordo com as carências da comuni­dade. “Inicialmente, tratávamos apenas problemas com a bebida. Hoje, tratamos dependentes de maconha, cocaína e crack, sem que ninguém tivesse exigido tal adequações”, salienta. Lopes lamenta o fato da lei determinar a redução dos leitos, o que se­gundo ele, contrapõe com o aumento da demanda. “Desde 2000, atendemos mais de quatro mil usuários de crack”, informa.

Exemplo de recuperação


Há um ano e meio “limpo”, Marcos Henrique Mügge, 37 anos, mais conhecido como Micão, conta que bebeu durante 12 anos ininterrupta­mente e que a internação na Clínica Central salvou sua vida. “Os três últimos anos foram os piores. Não via a hora de sair do trabalho para sentar no bar”, lembra, acrescentando que a falta da bebida lhe deixava agitado e nervoso, e que gastava de R$ 1 mil a R$ 1,5 mil por mês em cerveja. Ele diz que o tratamento da Central é eficaz, e que na época um médico sugeriu apenas um trabalho de desintoxicação, que não funcionou. “Por isso resolvi encarar o tratamen­to completo da clínica”, afirma. Sobre o pos­sível fechamento da Central, conclui que seria uma perda enorme para o vale, pois se trata de uma clínica de grande referência. “Todas as prefeituras deveriam se mobilizar para que isso não acontecesse”, opina.

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