ONG é socorro dos presidiários

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ONG é socorro dos presidiários

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Gustavo Adolfo 1 - Lateral vertical - Final vertical

Há dois anos a ONG Drogas Tô Fora de Lajeado aceitou uma causa abandonada por clínicas de tra­tamento da região – o acolhimento de presidiários viciados no crack. Os presos recebem liberação judi­cial para saírem do confinamento penitenciário e internarem-se na comunidade terapêutica. Contudo, apenas oito das 14 vagas disponíveis estão preenchidas devido à falta de recursos da ONG que não recebe auxílio financeiro regular. Durante a internação (três a seis meses) o paciente colabora com o custo da alimentação – aproximadamente R$ 13 diários -, mas conforme o admi­nistrador, Dailor Gerhardt, poucos conseguem pagar. Todo o trabalho é voluntário e a cada mês é feita uma busca por recursos para pagar contas de água e luz, produtos de limpeza e higiene, além da própria conservação do prédio.

Geralmente quem participa do tratamento são detentos do regime semiaberto que precisam trabalhar durante o dia e à noite dormem no albergue da cadeia. No entanto, a maioria deles não recebe opor­tunidades pelo vício do crack. Gerhardt é o idealizador do projeto, voluntário, ex-usuário de drogas em recuperação e ajuda a tirar pes­soas da criminalidade, buscando a ressocialização delas com trabalho, disciplina e espiritualidade. Presidiários

Semanalmente, ele realiza reuniões no Presídio Estadual de Lajeado com presos do regime fechado. Nesse gru­po inscrevem-se pessoas interessadas em abandonar o consumo de drogas. Segundo o palestrante, cerca de 60 presos estão inscritos, mas devido ao espaço físico da penitenciária, apenas 30 podem participar das atividades internas. Nelas os apenados conversam sobre suas depen­dências e passam por avalia­ções de comportamento que definem aqueles com mais dedicação e necessidade para participarem do tratamento.

O Gerhardt relata que todo usuário deve aprender a conviver com a realidade de que a droga é “geográ­fica”, pois está em todo lugar. “De nada adiantará uma internação no meio do mato, se quando vier para a cidade sentir vontade de usar novamente.”

Cerca de 75% dos detentos da casa prisional de Lajeado são reincidentes no crime, e o fato está ligado ao con­sumo de drogas. Todos os internos da ONG são viciados em crack e alguns deles retornaram à prisão pela segun­da vez, porque furtaram ou roubaram para consumir a droga.

Como a ONG se mantém

A ONG Drogas Tô Fora recebe doações do Mesa Brasil e pagamento de três internações custeadas pelo Conselho da Comunidade Carcerária, porém passa por graves dificuldades financeiras para manter-se ativa, porque o município não auxilia no trabalho, alegando não ter recursos, e as empresas não querem um comprometimento mensal. A forma que o administrador Dailor encontrou como alternativa para manutenção da casa foi usar sua experiência de 12 anos como consultor de drogados e o trabalho que fazia antes de ter a ONG.

Dailor escreveu um livro Drogas Informa­ção Real e gravou um DVD. Neles constam informações de recuperação, prevenção, papel da família e a característica de cada droga que circula no município. As obras são vendidas semanalmente de porta em porta nas casas da cidade por R$ 10 cada.

Sua experiência é usada em sala de aula. Gerhardt conversa com turmas escolares em troca de alimentos para a ONG. Outros trabalhos do grupo é a venda de folhagens para jardins (antigo ramo de trabalho de Dailor) e a venda de lenha em talho, na qual os próprios internos fazem a preparação dos produtos para a venda.

“O Fórum tem muita conversa e pouca ação”

Na visão de Gerhardt, que tra­balha com pessoas que precisam do auxílio do Fórum da Drogadi­ção, o grupo de atuação é muito político. Ele conta que o promotor e um dos coordenadores, Sérgio Diefenbach, está comprometido e determinado a ajudar as pessoas que sofrem com drogas, mas que os apoiadores não ajudam nas ações. “A maioria é político e esses como sempre têm muita conversa e pouca ação”, diz.

Gerhardt sugere a Diefenbach,que procure pes­soas que estão no anonimato, que passaram pelo problema há cinco ou dez anos e conseguiram recuperar-se. Para ele, está comprovado que palestras de psiquiatras não ajudam. “O Sér­gio tem interesse e vontade, mas precisa trabalhar com uma equipe técnica para encontrar soluções. Os políticos devem apenas liberar recursos”, segure.

“O presídio é uma bomba prestes a explodir”

A soltura de presos de menor periculosidade por excesso de detentos nas celas, na opinião do administrador da comunidade terapêutica, foi uma decisão se­rena e criteriosa do juiz criminal Rudolf Reitz. “O que o juiz está fazendo é correto porque o presí­dio é como um copo cheio de água que está quase transbordando”, compara. Dailor uma vez por se­mana conversa com os presos nas reuniões para drogados e acredita que se a situação de superlotação perdurar haverá uma tragédia a curto prazo, visto que faltam funcionários, materiais e agentes no local. Plantas

As causas do uso de drogas

O palestrante explica algumas causas comuns na cidade para novas pessoas serem vítimas do crack. Ele aponta que vê ação referente à prevenção, mas alega que está abordando a faixa etária. Na sua visão, muitas das crianças de 8 e 9 anos que estão sendo atingidas pelos projetos nos bairros mais carentes estão usando a droga. Analisa que devem ser feitos traba­lhos com crianças menores de 2 e 3 anos, “idade em que aprendem que colocar o dedo no fogo queima ou quando mexemos com cobra somos mordidos”.

Para Gerhardt, outro pro­blema crescente é a tercei­rização da criação e educa­ção dos filhos. “Os pais só pensam em procriar e não lembram das consequên­cias.” Para ele, as crianças não têm mais um convívio com os pais e família e sentem-se carentes.

Juiz confirma dificuldade de internar presos

O juiz de Direito da 2ª Vara Crimi­nal de Lajeado, Rudolf Reitz, conta que é muito difícil conseguir internar um dependente de drogas da casa prisional. As clínicas de tratamento e até mesmo do Centro de Atendi­mento Psicossocial (Caps) da cidade apresentam resistência, quando solicitado por Reitz, e a alternativa, hoje é a ONG Drogas Tô Fora.

O juiz explica que nessa comuni­dade terapêutica não há um convênio com o município e surge outro em­pecilho – para se tratar um usuário é preciso de recursos. O conselho da comunidade consegue auxiliar com apenas três vagas, mas há mais de 60 inscritos.

Os pais sempre lhes deram tudo

Dois jovens de Lajeado, um de 20 anos e outro de 27 anos, também buscaram o tratamento contra drogas depois de serem presos duas vezes por crimes influenciados pelo vício.

Ambos tinham o consumo como rotina e alegam que os pais sempre lhes deram tudo o que precisavam. “Eu nunca precisei trabalhar”, diz um deles. O outro cabisbaixo lembra que roubava cartões de crédito dos pais, “traía minha própria família”.

O rapaz de 20 anos conta que há um ano parou de usar drogas, porque quando saiu da cadeia procurou ajuda de uma igreja. No entanto, em poucos meses, foi preso novamente por alguns crimes antigos e teve a recaída.

Presos voltam a sonhar e criam metas

Maurício Monteiro, 27 anos, e Lauro Severo de Moura, 30 anos, não têm mais medo ou vergonha de identi­ficarem-se perante a sociedade. Antes do tratamento eles nunca tinham se visto, pois são de cidades diferentes, mas suas histórias se assemelham, porque possuem os mesmos reflexos – as de um refém do crack.

Presos e rotula­dos de drogados e ladrões na suas comunidades, Mau­rício e Lauro, ima­ginavam que apenas o crack os estimulava a viver e que morreriam viciados pela droga. Os dois são dependentes há mais de 15 anos e hoje se definem “limpos mais um dia”.

Maurício diz que sua casa era a cadeia e imaginava que ao estar em liberdade logo retornaria. Preso por roubo perdeu todas as perspectivas de vida, quando soube da sua pena de dois anos de reclusão. Depois de quatro meses de tratamento planeja voltar limpo para a cidade de sua família e fazer uma carteira de motorista. Hoje, ele acredita que é possível ter uma nova vida.

Lauro está preso há um ano e dez meses por assalto. Na cadeia planejava morrer com a droga, além de encontrar uma forma de cometer mais crimes e nunca mais ser preso.

“Tinha pensamentos bobos e só me preocupava em sustentar meu vício”, conta. Quando foi para o regime semiaberto, começou a trabalhar durante o dia e percorria de bicicleta mais de 30 quilômetros para chegar ao trabalho. “Não me alimentava, andava muito de bicicleta, tinha que trabalhar e de noite passava o tempo me drogando”, lembra. Lauro emagreceu 40 quilos e não suportava mais a penitenciária, por isso procurou ajuda. Ele está no tratamento há dois meses e diz que sua ressocialização poderá demorar o mesmo tempo que levou para procurar ajuda – 16 anos -, mas não se importa com o tempo, pois quer o amor da família de volta. “Perdi muito tempo me drogando, agora quero trabalhar, conseguir as minhas coisas e ter uma família”, relata.

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