A rotina três meses  depois da catástrofe

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A rotina três meses depois da catástrofe

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Gustavo Adolfo 1 - Lateral vertical - Final vertical

Não será fácil esque­cer. A catástrofe que atingiu parte do Vale do Taquari no fa­tídico dia 4 de janeiro de 2010 ainda abala morado­res, comerciantes e empre­sários da região. O medo de novas enxurradas e a dificuldade para recomeçar são os maiores obstáculos enfrentados pelas pessoas. Patrícia Schuster, moradora do bairro das Laranjeiras, em Marques de Souza, é o reflexo do pânico que se instalou na pequena cidade de pouco mais de quatro mil habitantes. No dia da tragédia, ela viu sete casas vizinhas sumirem com a força das águas, enquanto a sua se manteve em pé, o que ela considera um milagre. Entretanto, tudo que havia dentro se perdeu causandoum prejuízo estimado em aproximadamente R$ 4 mil. “Mesmo assim, resolvemos trocar de casa, pois a antiga não está mais em condições seguras”, afirma. Atualmente Patrícia e o marido moram em uma residência próxima, mas ela garante que se pudesse iria para outro município. “O medo é permanente. Sempre que se inicia uma chuva maisforte as lembranças daquele dia retornam”, alega. marques1

Ainda mais impressionante é o relato de Elir Rogério Bauer. Ele mora no mesmo local, no entanto só conseguiu voltar para sua casa nesta semana. No total, gastou mais de R$ 2 mil em aluguel duran­te esse período, pois sua casa, que resistiu às correntezas, estava interditada. “Mesmo sabendo que as condições ainda não são de segurança, tive de voltar para me ver livre do aluguel e das demais despesas”, afirma. Segundo ele, com a economia come­çará a reaver os equipamentos e móveis levados pela água e iniciará a reconstrução da casa de sua mãe, Iara Bauer, que era sua vizinha e perdeu quase tudo. “Foi muito ligei­ro, só consegui salvar algumas cadeiras. E tudo aconteceu duas semanas depois do meu marido falecer, ainda está sendo muito difícil”, diz ela, contendo as lágrimas. Bauer afirma que não pensa em deixar a antiga casa e iniciou algumas reformas. Hoje, vive com a mulher, os dois filhos e a mãe, mas garante que não desistirá da cidade. “Passou. Agora é levantar a poeira e dar a volta por cima. Este é nosso terreno e aqui ficare­mos”, assegura.

Cidade D´água tenta voltar ao normal

Um dos locais mais atingidos pela enchente foi o bairro Cidade D´água. No dia 4 de janeiro, quase todas as casas ficaram submer­sas e sofreram consequências graves em função da tragédia. Carine Martini mora há cinco anos no bairro e estava em casa, quando a água atingiu sua resi­dência. “Quando me dei conta, a água estava passando da cintura. Tive de deixar tudo para trás e correr pela minha vida”, lembra. De acordo com ela, o prejuízo foi ainda maior, pois atingiu o carro da família que teve de ser reformado, custando mais de R$ 6 mil. “Estamos nos recuperando aos poucos, acredito que até o fim do ano poderemos ter de volta tudo que perdemos.”

Administrações ainda aguardam recursos

Com prejuízos avaliados em quase R$ 20 milhões, Marques de Souza ainda espera por recursos federais e estaduais. Segundo o prefeito Rubem Kremer, foram repassados pelo governo estadual, até o momento, R$ 330 mil para investi­mentos em reformas e reconstruções. Do governo federal, Kremer afirma que há quase R$ 2 milhões a receber. “Grada­tivamente estamos voltando ao normal, mas o problema maior é na agricultura que não deve demorar menos de três anos até se recompor”, avalia. O prefeito adianta que a câmara de vereadores aprovou a planta padrão para reconstrução de casas que terão 59,5 metros quadrados, e a cota d´água já foi definida, possibilitando aos moradores a ocupação dos terrenos. “Temos de ter calma, pois a destruição foi muito maior se comparado aos recursos do município”, salienta.

marques2Em Travesseiro, os valores que che­garam aos cofres públicos são um pouco menores em relação aos de Marques de Souza. Segundo o prefeito Ricardo Ro­ckembach, o governo estadual enviou R$ 175 mil, enquanto que o governo federal deverá enviar cerca de R$ 1,1 milhão. “Meu sentimento é de missão cumprida, mas não estou satisfeito. Fizemos tudo que estava ao nosso alcance, mas não foi suficiente”, lamenta. De acordo com Rockembach, a preocupação maior gira em torno dos agricultores que perderam muito da safra e dos animais. “Infelizmen­te a defesa civil e o Mapa apoiam com recursos para máquinas e reconstrução de casas, nada para ressarcir os nossos agricultores”, observa.

Empresas reabrem lentamente em Marques de Souza

Aos poucos as empresas e indústrias atingidas começam a retomar suas atividades, com isso funcionários que estavam parados voltam ao trabalho, recuperando suas rendas fixas. É o caso da floricultura da família Eckert, que no dia da enxurrada perdeu mais de 50 mil mudas prontas para a venda, num prejuízo calculado em R$ 70 mil. Segundo Jeraci Eckert, foram destruídas todas as estufas, maquinários e vasos. “Desde então, não recebemos ajuda de ninguém”, lamenta. Ela diz que o marido pen­sou em vender o terreno e trocar de cidade, mas que com o tempo o pensamento mudou. “Esta é nossa terra, não queremos deixá-la”, diz, acrescentando que alguns locais da estrutura já foram recuperados, e a produção se reiniciou. “Vamos começar tudo de novo, mas não vamos parar ”, salienta.

Maior empresa de Travesseiro será reconstruída

Durante a semana pas­sada, o vice-prefeito Sér­gio Nied, o vereador Sidnei Fussiger(PTB) e o empresário da Granja Kunz, Vernei Kunz, estiveram em Brasília em busca de financiamento para reconstrução da empresa, na comunidade de Picada Felipe Essig, destruída pela enxurra­da de janeiro. Com 14 funcio­nários e 28 anos de atividade, a empresa foi responsável por 6,8% do setor primário e 5,94% do valor total de retorno de ICMS. No dia 4 de janeiro, as instalações da unidade produtora de leitões, avaliada em R$ 3,5 milhões, os 2,5 mil leitões e 1,1 mil matrizes foram levadas pela correnteza do rio Forqueta. O projeto para as novas instalações da Unidade de Produção de Leitões (UPL), apresentado no Ministério da Agricultura e encaminhado no BNDS, visa à construção de 5 mil metros quadrados, com capacidade de alojamento de 1,2 mil matrizes e geração de 12 empregos.

Para o investimento de aproximadamente R$ 3,5 mi­lhões, o empresário aguarda liberação de um financia­mento especial, com juros reduzidos e maior prazo de pagamento. O Departamen­to do Meio Ambiente fez a liberação para a construção da nova unidade, na mesma propriedade, em local mais distante do rio para evitar alagamento. “Não vamos desistir. Se conseguirmos a liberação dos recursos, inicia­remos a construção do novo complexo”, afirma Kunz.

Perdas irreparáveis

Um monte de entulhos em meio a uma lavoura de soja e milho foi o que sobrou da safra na propriedade da família Lamm, em Picada Felipe Essig. Marino, 55 anos, lamenta as perdas e diz que para recuperar os estragos levará mais de um ano. marques 3“Receber dinheiro não serve como consolo. Não queria nada, apenas não ter presenciado essa tragédia que deixou nossa vida arrasada”, lamenta. Lamm calcula que perdeu R$ 50 mil com a enchente. A produção de leite caiu 60% pela falta de pasto. Toda silagem para ali­mentar o gado no inverno foi levada para o leito do rio. “Não podemos desanimar, a luta continua. Vamos reconstruir tudo e voltar a ter uma vida normal, mesmo que isso leve alguns anos”, comenta.

Liberação de verbas

Na última semana o município recebeu a confirmação do Ministério da Integração que serão liberados R$ 621,7 mil para reconstruir as 14 casas que foram dani­ficadas pela força das águas, recuperar pontes e as estradas. Os projetos técnicos começam a ser elaborados esta semana.

Fotos Rodrigo Martini

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