A região tem clima, relevo e recursos hídricos favoráveis à produção de peixes. Água abundante, produção diversificada nas propriedades e mercado consumidor. Mesmo assim, a piscicultura permanece restrita a experiências pontuais, na maioria das vezes voltadas à subsistência, sem escala, tecnologia ou cadeia organizada.
É o que afirma o engenheiro agrônomo da Emater/RS-Ascar, Diego de Oliveira. Para ele, a piscicultura tem um enorme potencial produtivo e de geração de renda que ainda não deslanchou por falta de organização setorial, incentivo público e cultura empreendedora. “O produtor aqui tem recursos naturais, tem demanda, mas ainda não acredita no peixe como uma alternativa de renda. Ele prefere investir R$ 2 milhões em um aviário do que R$ 100 mil em um viveiro de peixes”, afirma.
Em termos de país, o comércio de pescado cresce de forma escalonada nas últimas décadas. Hoje, cada brasileiro consome em média 9,5 quilos de peixe por ano, segundo a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). É menos do que frango (45,3 kg per capita) e carne bovina (24,8 kg), mas mostra um mercado com demanda crescente e espaço para novos produtores.
“O Vale tem um público, especialmente de tilápia. Mas falta peixe. O que chega no supermercado vem de fora, principalmente do Paraná, que lidera a produção nacional”, aponta Oliveira.
A ausência de uma cadeia estruturada compromete a competitividade regional. O RS produziu 14 mil toneladas de peixe em 2021, segundo o IBGE. Enquanto isso, o Paraná ultrapassou as 170 mil toneladas, com cooperativas organizadas, assistência técnica contínua e frigoríficos integrados à produção.

Diego de Oliveira, engenheiro agrônomo da Emater, se especializou em piscicultura e ajuda produtores da região com assistência técnica. (Foto: Daniély Schwambach)
“Aqui a maioria ainda cria para consumo próprio. É uma piscicultura de quintal. Poucos fazem manejo adequado, monitoram a qualidade da água ou pensam em logística de venda. Falta profissionalismo e apoio técnico. E também falta coragem do setor público de assumir que o peixe pode ser estratégico”, avalia o técnico da Emater.
Conforme a Associação Brasileira da Piscicultura (Peixe BR), em 2023, a produção nacional passou das 887 mil toneladas e gerou uma receita de R$ 9 bilhões. A cadeia emprega cerca de 3 milhões de empregos diretos e indiretos. O Brasil ocupa a quarta posição no mundo em produção de tilápia, espécie que representa 65% da produção do país. Na última década, a produção de peixes cresceu 53,2%.
Cadeia fragmentada
A inexistência de políticas públicas específicas para o setor, aliada à descontinuidade de programas anteriores, travou o avanço da piscicultura. Nos últimos anos, iniciativas de frigoríficos em Venâncio Aires, ou de unidades familiares em Progresso foram desativadas ou operam em baixa escala.
Hoje, há apenas um frigorífico em vias de ser regularizado no Vale do Taquari, localizado em Bom Retiro do Sul. Uma segunda unidade está em construção no mesmo município, com expectativa de operação ainda neste ano. “Sem frigorífico, não tem como garantir padrão, escala e qualidade. E sem garantia de escoamento, o produtor não entra no ramo”, diz Oliveira.
Mesmo com as limitações, experiências pontuais demonstram que é possível obter renda com peixe, afirma. “Em Cruzeiro do Sul, um produtor familiar adaptou três açudes, com um ciclo de tilápia por ano. Com manejo e venda direta, obtém renda bruta de até R$ 18 mil anuais, com investimento inicial de R$ 40 mil.”
Em Progresso, conta Oliveira, outro produtor investiu em tanques-rede e faz manejo com base técnica, controlando pH, temperatura e densidade. “Quando há assistência, o produtor vê resultado. Mas isso ainda é exceção. Falta escala e estrutura para replicar”.
Do hobby aos negócios
O que começou como um lazer de fim de semana em uma propriedade rural no interior de Bom Retiro do Sul se transformou em uma proposta de cadeia produtiva completa, com foco em piscicultura estruturada, frigorífico e, em breve, uma feira para fortalecer a aquicultura regional. Essa é a trajetória do advogado Mauro Hauschild.
Ao comprar uma propriedade em Sanga Funda, distrito do município, pensava apenas em um lugar para descanso. Durante os dois primeiros anos, a área com açudes foi usada de forma esporádica. “Contratamos um funcionário que tinha experiência com peixes e nos alertou que o espaço tinha potencial produtivo”, lembra. A primeira fase foi amadora: transformaram o lago principal em seis tanques, de uma forma empírica e sem conhecimento técnico. “Percebemos que não bastava colocar peixe na água”, relembra.
Foi quando buscaram apoio da Emater e de consultores técnicos para profissionalizar o sistema. Firmaram parceria com a Univates, por meio de uma empresa incubada no Tecnovates.
A consultoria pesquisou o mercado local de consumo. “Vimos que o potencial é muito grande. Não há políticas para merenda escolar ou para refeições que são oferecidas em refeitórios das empresas. Há muito espaço para crescer.”
Produção de 70 toneladas
Entre 2017 e 2019, Hauschild ainda morava em Brasília. Mesmo à distância, a produção se manteve. “Foram dois anos produzindo 70 toneladas de peixe vivo para frigoríficos.” Com o retorno definitivo ao Vale do Taquari em 2022, o projeto ganhou nova escala. “Percebemos que não bastava produzir. Era preciso pensar a cadeia como um todo.”
O projeto evoluiu. A propriedade recebeu melhorias com uso de tanques com geomembrana e testes de piscicultura indoor, com aquecimento solar da água. Está em andamento a estruturação de um frigorífico com inspeção sanitária adequada, considerado essencial para que o peixe da região tenha valor agregado.
Para Hauschild, é preciso pensar a piscicultura de maneira completa. “É necessário ter alevinos, ração, abate com inspeção, produtores engajados. Não adianta só colocar peixe na água. Tem que pensar da porteira para fora também.”
Primeira feira regional sobre aquicultura
Despertar o interesse dos produtores e ajudar na organização da cadeia. Essa é a proposta da 1ª Feira Regional da Aquicultura (Aquibom). O evento está marcado para os dias 7 a 9 de novembro de 2025, no Parque Municipal de Bom Retiro do Sul.
A iniciativa surge no momento em que o agronegócio regional busca alternativas para diversificar a produção e enfrentar os impactos das mudanças climáticas. A aquicultura — atividade que envolve a criação de organismos aquáticos, como peixes, moluscos e crustáceos — tem se mostrado uma opção viável e rentável.
Com expositores de equipamentos, painéis técnicos, tanques demonstrativos e experiências gastronômicas, o evento quer atrair produtores, estudantes, gestores públicos e investidores. Entre os temas estarão o uso de energia solar na piscicultura, a produção sustentável, o consumo na merenda escolar e a necessidade de políticas públicas permanentes.
O diferencial da feira, segundo Hauschild, é a abordagem integrada: “Queremos discutir a cadeia completa, envolver desde o produtor até o consumidor final. Estamos em um ponto de virada. Se organizarmos a cadeia, investirmos em tecnologia e envolvermos o poder público, a aquicultura pode ocupar um espaço importante na economia do Vale”, conclui Hauschild.
Consumo por pessoa de proteína animal
- 24,8 kg
- 45,3 kg
- 15,7 kg
- 9,5 kg