Árvore símbolo da região sul brasileira e protegida por leis, a araucária angustifolia carrega tradição e claro, um dos alimentos mais típicos da cultura sulista: o pinhão. A safra avança nos três estados (PR, SC e RS) e o consumo ainda segue enfraquecido em virtude dos consecutivos dias de calor no outono. Mas a chegada do inverno e a previsão de temperaturas mais amenas na reta final de maio têm aumentado a demanda. O Rio Grande do Sul estima colher 860 toneladas neste ano, mantendo-se como o menor em volume produtivo, atrás de Santa Catarina e do líder Paraná.
A colheita começou em 1º de abril, dia da abertura do calendário estipulado pela legislação para a preservação da espécie, e deve avançar até o fim do mês de junho na maioria das regiões. De acordo com o extensionista rural estadual da Emater/RS-Ascar, Antônio Carlos Leite de Borba, 52, a maior colheita ocorre na Serra Gaúcha, Hortênsias e Campos de Cima da Serra, onde deve se concentrar quase 70% da safra (600 t.). Na Serra do Botucaraí, 17,45% (150 t.) e o restante no Planalto (110 t.). “É uma cultura extrativista, onde os pequenos produtores adentram as matas para coletar. Então não temos como precisar estes números. Eles foram construídos com visitas a campo e com estimativas junto ao mercado.”
Sócio-proprietário de uma tradicional cerealista de Lajeado, Milton Manfroi, 53, vende o produto a granel no estabelecimento situado no bairro Montanha e também faz a distribuição para diversos comércios da região. No mercado de pinhão há 30 anos, estima vender duas toneladas nesta safra e aguarda ansioso pela queda nas temperaturas. “O consumo dele é sazonal e depende muito do clima. Só vendemos quando faz frio.”
O produto vendido por Manfroi vem de São Francisco de Paula, onde os pinhões costumam maturar mais cedo do que no Vale do Taquari, especialmente em virtude das variedades presentes em cada região. Assim, além de aproveitar a logística para comprar outros alimentos para a distribuição, consegue entregar aos mercados logo na abertura da safra. “Aqui a oferta de produtores começa a ocorrer a partir de agora, especialmente nas cidades mais altas como Pouso Novo e Fontoura Xavier. Depende muito das variedades.”
Manfroi faz algumas orientações em relação a preservação da qualidade dos pinhões. De acordo com ele, os melhores exemplares são encontrados nos mercados entre 20 de abril e meados de maio. Neste período, o consumidor terá acesso a produtos saudáveis, novos e livres de parasitas, como larvas. “Não faz mal se for guardar para consumir depois. O segredo está na época e na forma de armazenamento.”
Neste caso, o comerciante orienta a guardá-los na geladeira por até um mês ou então mantê-los congelados por até quatro meses. “Vai manter a qualidade e não pega bicho”. E durante a colheita, destaca, os melhores produtos são aqueles ainda em pinha (fruto original do pinheiro em formato circular). Diferente dos pinhões coletados avulsos no chão, estes ficam protegidos da umidade, sujeira e de parasitas.

Desenvolvimento das pinhas até a maturação pode levar mais de 24 meses e cada uma, em média, pode render entre 100 e 150 pinhões. Extração é proibida antes de 1º de abril, quando sementes tendem a estar prontas para germinar e gerar novas plantas. (Foto: Rogério Fernandes/Emater)
Tradição enfraquecendo
O consumo de pinhão, assim como ocorre em outras culturas típicas da região sul, perpassa gerações. O fruto das araucárias, inclusive, servia de alimento para indígenas há milhares de anos. Mas a atividade enfrenta desafios para manter o hábito entre os mais jovens.
“Muito do que ainda vendemos é por causa de pessoas mais idosas ou daqueles que aprenderam a comer com seus pais ou avós. Percebemos que as gerações mais novas não tem esse hábito”, observa Manfroi ao contextualizar sua avaliação com os números em vendas. Há três décadas, quando a família começou na atividade, chegou-se a vender entre 8 e 10 toneladas por semana. “Nem comparar com Uma das formas de fomentar o consumo, observa o extensionista Borba, é ampliar o uso do produto em diferentes pratos e assim atrair a atenção de diferentes públicos. Tradicionalmente o pinhão é feito na chapa ou cozido apenas com sal. “Mas a culinária têm se reinventado e produzido diversos pratos e derivados. Penso que este é um dos principais caminhos.”
“Já escalei pinheiro de 15 metros”
A colheita de pinhões ocorre de forma manual. Na grande maioria dos casos, os agricultores recolhem as sementes espalhadas na base das árvores depois que as pinhas caem. Este é o caso do agricultor Celso Groff, 65, de Cabeceira de Tocas, em Progresso. Já foram coletados 300 quilos do produto, garantindo uma boa renda extra, sendo que o quili é vendido por R$ 10,00.
Mas há quem ainda mantém a tradição histórica de escalar os pinheiros. Este é o caso de Renato Spilier, 34, de Vila Tropeiro, em Pouso Novo.
“Já escalei pinheiro de 15 metros, mas prefiro os menores e com o tronco mais fino. É mais fácil e seguro”, observa ao ressaltar os cuidados que adota para evitar acidentes e a utilização de equipamentos específicos para escalada.
Coletar pinhões é um hobby que sempre costumou fazer ao lado do seu pai, Antônio, hoje com 57 anos, e faz questão de preservar o habito. “Desde que eu era criança íamos juntos. Caminhávamos quilômetros de estrada de chão.”
A família não cultiva pinheiros e a coleta é feita em propriedades vizinhas. Parte do arrecadado, fica em contrapartida com os proprietários.
Diversos benefícios à saúde
O pinhão é um alimento que fornece energia de forma gradual, pois é rico em carboidratos complexos. Contém antioxidantes e minerais como o potássio, que ajudam no controle da pressão arterial, sendo bom o consumo para a saúde cardiovascular. Além disso, possui bastante fibras, o que ajuda no controle da saciedade.
De acordo com a nutricionista Juliette Carvalho, 35 anos, para manter os benefícios do alimento, o cozimento não deve ultrapassar 40 minutos na pressão. Entre 20 a 30 minutos é o suficiente, devendo ser acompanhada a maciez ao longo do preparo.
Pode ser usado em receitas que substituam farinhas refinadas (como em massas, pães ou bolos) ou como base de purês, sempre mantendo o cozimento simples para preservar os nutrientes, principalmente as vitaminas do complexo B.
Ela observa que o sintoma de se sentir “pesado” após o consumo ocorre por conta dos carboidratos completos que demandam mais tempo de digestão.
Você sabia que os pinhões faziam parte do cardápio dos dinossauros? Confira esta e outras curiosidades
- Fóssil vivo: as araucárias são encontradas em regiões serranas, montanhosas, pois precisam do frio e umidade e estão presentes na América do Sul e Oceania. São 19 espécies diferentes, oriundas do período da pangeia há 200 milhões de anos. A espécie coexistia com os dinossauros.
- Longevidade: as araucárias vivem séculos, em média entre 300 e 400 anos. A mais antiga do Brasil tinha 750 anos e 42 metros de altura. No entanto, caiu com um vendaval em 2023. A produção de pinhões pode passar de cem anos.
- Herança cultural: o hábito de comer pinhão foi herdado da cultura indígena. Pinturas rupestres com cerca de 4 mil anos com representações da planta foram encontradas em uma caverna, em 2021, na região de Campos Gerais no Paraná.
- Reprodução: é comum encontrar pinhas secas, com apenas cascas e sem preenchimento. Isso ocorro porque é necessária a polinização natural entre machos e fêmeas. A planta feminina produz a pinha e a macho o pólen (estróbilo). Se não tiver os dois gêneros na mesma área, não produzirá.
- Enxertia: em média as araucárias nativas levam entre 15 e 20 anos para produzir as primeiras pinhas. Mas esse processo pode ser acelerado por meio da técnica de enxertia, passando a produzir a partir de 6 anos do plantio.
- Ameaçada de extinção: a araucária é protegida por leis federais e estaduais visando sua preservação pois está ameaçada de extinção. O corte é crime e a colheita dos pinhões só pode ocorrer a partir de 1º de abril para que as sementes possam se desenvolver a ponto de brotar em contato com o solo.