O fato de um terço da população brasileira ser de analfabetos funcionais revive feridas do passado e abre debates sobre de quem é a responsabilidade. Entre os comentários após a reportagem publicada no fim de semana (veja abaixo), leitores dos quais tenho muita consideração e respeito, pessoas cultas, com formação, inclusive que gosto de conversar, apontaram como culpado por essa derrocada da educação nacional o construtivismo crítico de Paulo Freire.
Sim, Paulo Freire, patrono da educação brasileira. Ele seria o grande responsável pelo analfabetismo funcional quase três décadas após sua morte (28 anos para ser exato, completados em 2 de maio).
Me antecipei em tentar entender este pensamento. Ouvi e ponderei, na tentativa de desconstruir, de alguma forma, uma sentença tão taxativa. Não foi uma, nem duas e nem três pessoas que me interpelaram em diferentes espaços, nas redes sociais, frente a frente e em mensagens.
A principal experiência de Paulo Freire foi instituída quando o Brasil tinha metade da população analfabeta. Ele foi revolucionário ao levar as letras para um público adulto, que pouco ou nada tinha frequentado uma sala de aula. Naqueles anos, não havia universalização do acesso à escola.
O conceito do pedagogo foi usar a experiência de vida de cada indivíduo para facilitar o aprendizado. Uma ferramenta para aproximar conhecimentos. Não é uma receita de bolo, em que mistura ingredientes e pronto.
Tendo uma parcela da população vinculada a uma ideologia política que defenestra o legado de Paulo Freire, acredito que essa tentativa de revisionismo seja mais uma das fórmulas de simplificar o debate.
Como alguém que acredita na educação como ferramenta de transformação do país, não posso aceitar essa lógica. Entendo que possam não gostar. Porém, discordo que ele seja Judas.
Conjunção de fatores coletivos e subjetivos
O processo de ensino-aprendizagem é muito complexo. Pode ser visto pelo conjunto macro, das estruturas das escolas; a base curricular nacional; a metodologia de determinada instituição; o quadro de professores; o acesso a bibliotecas e a outros métodos de pesquisa.
Também no campo individual, este subjetivo na essência; da rede de apoio que o aluno tem disponível; a prioridade dada pelo grupo familiar aos estudos; a facilidade ou dificuldade em relação aos conteúdos; e, até mesmo a relação do aprendiz com colegas e docentes.
Então, sim, cada um tem o seu tempo de aprendizado. Aprender não é uma bala mágica em que basta o acesso à uma leitura e Ban – entendi tudo. Agora sei diferenciar o Realismo de Machado de Assis, do Parnasianismo de Olavo Bilac.
Ou da disputa filosófica de Kant, com sua moralidade pela razão, como se fosse uma estrutura mental a partir da realidade em que se vive; ao empirismo radical de David Hume, de que todo o conhecimento vem da experiência.
Para encerrar o papo
Por mais que eu discorde da ideia de que Paulo Freire é o responsável pelo analfabetismo funcional no país, entendo e respeito quem pensa o contrário. Não vejo por que discutir ideias se tornou uma briga de “quem pode mais chora menos”. Lamento que falte entendimento para grande parcela da população.
Como jornalista, sei bem que a interpretação de texto está atrelada a forma com que o leitor entende, muitas vezes, não do que está escrito, mas do que gostaria de ler. En passant, isso é uma forma de analfabetismo funcional.