O cultivo de trigo tem gerado dúvidas entre os agricultores nos últimos anos e nesta safra a insatisfação com o mercado deve impactar no tamanho das áreas plantadas. Somado a isso, os altos custos e as incertezas sobre as condições climáticas farão com que a maioria dos produtores reduza os espaços destinados ao cereal e opte por investir em culturas de cobertura, preparando o solo para as safras de milho e soja que começam no segundo semestre. Líderes do setor comercial do Vale estimam queda de quase 50% nas vendas das sementes do cereal, número que vai refletir no campo.
A semeadura começou nos últimos dias, portanto ainda é prematuro quantificar o tamanho da safra. Na última quinta-feira, reunião estadual da Emater indicou o panorama no Rio Grande do Sul, maior produtor do cereal no país ao lado do Paraná. Algumas regiões gaúchas vão diminuir as áreas, enquanto outras manterão os patamares de 2024.
A entidade deve concluir o relatório de estimativas da safra no fim da próxima semana, com dados mais precisos. Mesmo assim tende a variar, na medida em que o calendário de cultivo avança, pois a semeadura persiste em julho. “Em Erechim, por exemplo, as empresas de semente venderam bem na última semana, contrariando o que se observada. Mas de modo geral, devemos ter redução”, considera o engenheiro agrônomo da regional de Lajeado, Alano Thiago Tonin.
O auge recente da cultura no estado foi em 2022, quando foram colhidas 5,2 milhões de toneladas – 52,6% de toda a produção nacional. Mas no ano seguinte o campo produziu apenas 2,5 milhões de toneladas, queda abrupta em decorrência do excesso de chuva provocada pelo fenômeno El Niño.
A condição gerou grande prejuízo para muitos produtores que, na maioria das situações, não conseguiram se recuperar com a safra de 2024, quando apesar de diminuição de 12,8% na área plantada a colheita aumentou para 3,7 milhões de toneladas no RS. Mesmo com aumento no volume, houve frustração quanto a produtividade por hectare e em relação a qualidade dos grãos.
Boa parte do cereal acabou sendo comercializado para triguilho, um subproduto do trigo e de menor valor comercial. O saco de 60kg do produto custa, em média, R$ 20 a menos do que aquele considerado de primeira linha e vendido para a produção de farinhas, por exemplo. No Vale do Taquari, a área plantada entre diminuiu drasticamente no período: 4,6 mil hectares para 1,8 mil.
Riscos afastam agricultores
A somatória entre a imprevisibilidade climática, os altos custos de produção e as incertezas sobre mercados futuros têm desestimulado agricultores a investir na cultura. Segundo avaliação de Tonin, os 3% de juros do Pronaf são considerados bons pelos produtores.
No entanto, para aderir ao ProAgro (alíquota) são 16,24% em quase todos os municípios. “O risco é grande e a alíquota (prêmio) aumenta proporcionalmente. Então somando o alto custo da lavoura mais o custo para contratar um custeio com amparo do ProAgro, fica alto. E fazer por conta, tendo em vista que a agricultura é uma empresa a céu aberto, fica muito arriscado também.”
De acordo com o engenheiro agrônomo, acontece que em muitos casos os agricultores estão fazendo por conta própria. Neste caso, com investimento bem abaixo pensando principalmente na cobertura de solo. “E se der um bom ano, ainda colher razoavelmente bem.”
Maior demanda por coberturas
Diretor administrativo e financeiro da Cooperagri, Licio João Sulzbach, percebe nas vendas a tendência de grande queda no cultivo de trigo na região. “Conversando com colegas de outras empresas podemos considerar uma diminuição de quase 50% em relação à safra do ano passado.”
Sulzbach lista possível motivos que estão desanimando agricultores a investir na cultura. Entre eles, o excesso de chuva que tem prejudicado as safras, a baixa expectativa em relação aos preços de venda e a descapitalização dos produtores. “Geralmente quem planta trigo aqui, depois planta soja na mesma área. Como ela está com os preços baixo, estão em dúvida de como proceder. Mas particularmente acho que a safra de trigo vai ser boa, pois o clima deve ser mais propício, com menos chuva e frio na época certa.”
Menor demanda por sementes de trigo, maior por forrageiras para cobertura vegetal. De acordo com Sulzbach, tem aumentado bastante na região a atividade de feno e pré secado com uso de forrageiras perenes. “Já tem vários produtores com áreas próprias para o consumo animal e outros que fazem para comercializar. Virou um bom negócio.”
No caso da cobertura de solo por meio da adubação verde e palhada, o produtor está optando neste ano por variedades mais em conta, como aveias, azevém e nabo forrageiro. “Essa prática está em alta, pois muitos solos foram muito afetados pelas chuvas do ano passado, em especial em áreas costeiras de rios e elevações.”
Segundo Sulzbach, a cobertura de solo vai auxiliar na adubação e na diminuição da erosão do solo, mas sugere que o produtor faça também análises do solo para ver qual correção a mais tem que ser feito. “Para isso deveria haver mais incentivos aos agricultores”.
“Não tem porque investir naquilo que não dá certo”
Muitos produtores apostam no trigo para, além de vender os grãos e faturar na safra, aproveitar a palhada e fazer o pré controle de ervas daninhas, deixando o campo preparado para as culturas seguintes. Esta sempre foi a estratégia da família de Rafael Guilherme Kich, de Linha Novo Paraíso, em Estrela.
No entanto, nesta safra, vão diminuir a lavoura do cereal em um terço. No ano passado foram cultivados 120 hectares e agora serão apenas 80. A aposta de Kich foi investir em mix de cobertura, que além de ser quase 90% mais barato resulta em benefícios semelhantes ao campo. “Nos últimos seis, sete anos, o trigo vem dando prejuízo. Um ano em cima do outro. Não tem porque investir naquilo que não dá certo.”
Kich destaca que o custo por hectare de cobertura custa entre R$ 250,00 e R$ 300,00, enquanto o do trigo começa em R$ 2,4 mil. A estratégia de inverno está associada à do verão. A família vai aumentar a área cultivada de milho, reduzindo o espaço tradicionalmente dedicado à soja.
Expectativa positiva sobre o clima
Os prognósticos indicam que o tempo deve trabalhar a favor na safra de inverno no Rio Grande do Sul. A chuva tende a vir na medida, sem excessos, e a temperatura tende a manter-se dentro das médias da estação. É nisto que se apega o agricultor Daniel Wickert, de Santa Clara do Sul. “Estão falando que é para ser um inverno seco. Então vamos tentar plantar um pouco mais, para ver se lá no fim a gente tira um lucro maior”, aponta ao detalhar a necessidade de recuperar os valores investidos nas safras anteriores.
No ano passado ele plantou cerca de 120 hectares na região e colheu, em média, 35 sacas por hectares. O volume seria o suficiente para empatar com o custo da lavoura, se não fosse a baixa qualidade. Relata que boa parte foi enquadrada para triguilho, cujo valor da saca é de apenas R$ 50,00. “Nós recebemos R$ 71,00 pelo trigo bom. Então se fosse tudo assim, dava pra pagar os custos. Mas nos últimos anos sempre foi ruim, então sempre tivemos que botar dinheiro em cima.”
Apesar disto, projeta plantar pelo menos a mesma quantidade da safra passada, cogitando ampliar para 150 hectares. “Se for pensar só pelo lado ruim, então milho e soja a gente também não podia ter plantado no último ano. Estamos nesse ramo e temos que encontrar uma maneira de melhorar.”
Pressão nos preços
O mercado internacional de grãos gera tendência de queda nos valores do trigo. Os contratos futuros na Bolsa de Chicago operaram em baixa nesta semana, com julho/25 cotado a US$ 531,0 (-1,75) e o dezembro/25 a US$ 566,0 (-2,00). A retração é reflexo da aproximação da colheita de inverno nos EUA e da boa expectativa de safra na União Europeia, o que aumenta a concorrência global.
O mercado de trigo apresenta leves oscilações nos preços, de acordo com levantamento do Cepea. Em abril, os valores médios registrados foram os mais elevados desde o último trimestre de 2024. No entanto, em maio, os compradores começaram a mostrar resistência em aceitar novos reajustes positivos nas negociações de novos lotes.
Com a aproximação da nova safra e as recentes desvalorizações no mercado internacional, os demandantes do cereal passaram a ser mais cautelosos. Essa mudança na postura dos compradores reflete um cenário de atenção redobrada com os preços, diante de possíveis impactos externos e da expectativa de maior oferta no curto prazo. A tendência é que os preços do trigo continuem a oscilar, influenciados pelas condições de mercado e pela oferta e demanda do cereal.