O Brasil patina no combate ao analfabetismo funcional. Para 29% da população entre 15 a 64 anos, falta capacidade de compreender textos simples, diferenciar informações do que são propaganda ou opinião, e fazer cálculos básicos de somar, dividir, subtrair ou multiplicar. É o que mostra a 10ª edição do estudo coordenado pela Ação Educativa e pela consultoria Conhecimento Social.
Chamado de Indicador de Alfabetismo Funcional (Inaf), o diagnóstico de 2025 repete o resultado de 2018. “Isso nos mostra que fracassamos, pois são pessoas em idade produtiva que não têm capacidade de aprender. Essa lacuna educacional atinge toda a sociedade, pois trata-se de uma parcela da população que está fadada a subempregos ou a ser sustentada por alguém”, analisa o consultor educacional, Juliano Colombo.
Para ele, o resultado do ensino está ligado de maneira direta com a perpetuação da desigualdade e, como consequência, a baixa produtividade nos postos de trabalho. “O modelo de educação ainda está no século 19, pois não prepara as pessoas com as habilidades necessárias.”
Os resultados foram divididos em cinco categorias: Analfabeto, Rudimentar, Elementar, Intermediário e Proficiente. Nos dois primeiros níveis, identifica-se a parcela daqueles que compreendem palavras isoladas, frases curtas e diretas, mas não entende textos mais complexos. Também tem uma baixa compreensão dos números, podendo apenas identificar dígitos familiares de alguma maneira.
No nível Elementar, o indivíduo tem uma compreensão maior do que a analfabeta funcional, mas ainda bastante limitada. Ela é capaz de selecionar uma ou mais informações em textos de extensão média, e consegue resolver problemas com operações básicas (somar, subtrair, multiplicar e dividir) e números da ordem do milhar.
Nos alfabetizados em nível intermediário e proficiente, a metodologia considera ser pessoas com conhecimento consolidado. Capazes de compreender textos especializados, interpretar tabelas e gráficos, resolver situações matemáticas de porcentagem, proporção. Neste patamar, o estudo indica que são 40% da população dos 15 aos 64 anos.
Adultos de volta à escola
A faixa etária com maior índice de analfabetos funcionais vai dos 40 aos 64 anos. Neste universo, o pior resultado é com os mais de 50 anos, onde 51% estão nos dois piores níveis de avaliação.
Para o diretor do Núcleo de Educação de Jovens e Adultos e Cultura Popular de Lajeado (Neeja), Joselito Brandão, o cenário atual é reflexo de negligência histórica. “O Brasil sempre teve déficit educacional. Até os anos 1980, bastava assinar o nome para ser considerado alfabetizado”, aponta.
Para ele, o esforço deve ser pela escola pública de qualidade, inclusive com fortalecimento da educação voltada para adultos. “O problema é que temos uma alfabetização que não contempla a realidade da sociedade hoje. A educação de jovens e adultos é a grande resposta para acelerarmos nosso processo de melhoria.”
Brandão realça: “é preciso formar leitores. Gente que consiga interpretar, compreender um texto. E isso hoje é raro. Temos um problema grave. Saímos de um país de analfabetos e fomos direto para a era digital. As pessoas estão diante da inteligência artificial sem terem aprendido a ler de fato.”
Hábito e habilidade
Professora da Univates e doutora em Letras, Kari Forneck aponta que o combate ao analfabetismo funcional exige mais do que saber juntar letras. “Não é suficiente codificar e decodificar o sistema linguístico. A literacia vai além disso. É a capacidade de interagir plenamente com a linguagem”, explica.
A especialista identifica três pilares para que esse processo se consolide: domínio das estruturas linguísticas, compreensão do contexto e ativação de saberes prévios. “Quanto mais você lê e escreve, melhor você faz isso. A prática alimenta e é alimentada pelo conhecimento. Quando não há leitura sistematizada, o circuito não se completa. Daí vem a dificuldade, o desinteresse e os altos índices de analfabetismo funcional.”
Para ela, a responsabilidade é compartilhada. De um lado, o poder público deve investir na formação de professores e no ensino de leitura crítica, desde a infância até a vida adulta. “Não se desenvolve literacia no piloto automático. É preciso intervenção explícita de educadores preparados.”
De outro, destaca-se a postura individual. “É fundamental abrir espaço para a leitura no cotidiano. Não falo posts em redes sociais. É necessário ler literatura, porque textos literários nos obrigam a pensar, a fazer inferências. Quem pouco lê, pouco entende. E se torna presa fácil à desinformação.”
Analfabetismo funcional por região
Método de análise
Analfabeto
- Rudimentar (Analfabetismo funcional)
Identifica palavras isoladas e frases curtas, mas tem dificuldade em compreender textos mais complexos. Possui baixa compreensão numérica, reconhecendo apenas dígitos familiares. - Elementar:
Compreende textos de extensão média e consegue extrair informações deles. Realiza operações matemáticas básicas com números até a ordem do milhar. - Intermediário:
Identifica informações em diversos tipos de textos e resolve problemas matemáticos que envolvem porcentagem e proporção. - Proficiente:
Além das capacidades intermediárias, elabora textos mais complexos e interpreta tabelas e gráficos detalhados. Consegue resolver problemas envolvendo múltiplas etapas.
Palavra dos professores
LEIA
Campanha regional
O Grupo A Hora lança na quinta-feira, 22 de maio, a partir das 19h, no Teatro da Univates, o projeto LEIA (Ler, Entender, Interpretar e Aprender). O objetivo é valorizar o pensamento crítico, o trabalho dos professores e propagar entre os estudantes a importância da leitura física, de livros, revistas e jornais impressos.
O LEIA terá como um dos projetos o caderno LEIA-ME, publicado duas vezes na semana, destinado aos estudantes. Estão previstas ainda caravanas em escolas, feiras do livro e concursos para professores.