Concessão polariza debate sobre futuro das rodovias

Pedágio no RS

Concessão polariza debate sobre futuro das rodovias

Entre a resistência pela cobrança e a ausência de investimentos públicos, líderes regionais reivindicam revisão no sistema para melhoria na infraestrutura viária regional

Concessão polariza debate sobre futuro das rodovias
Bloco 2 tem quase 415 quilômetros de estradas para concessão. Estado deseja atrair mais de R$ 6,4 bilhões em investimentos para o contrato de 30 anos. (Foto: FILIPE FALEIRO)
Vale do Taquari

A discussão sobre a concessão de 415 quilômetros de rodovias estaduais do Vale do Taquari é um dos principais assuntos do primeiro semestre de 2025. À medida em que o governo do Estado avança com a modelagem do Bloco 2 do programa de concessões, grupos ligados a deputados e vereadores encabeçam movimentos contrários aos pedágios.

Em contraponto, representantes dos setores produtivos da região argumentam que o importante é criar um sistema que combine justiça tarifária com investimentos para garantir segurança e trafegabilidade nas estradas gaúchas.

Neste confronto de posições, surgem dois questionamentos: quais as garantias de que, desta vez, as obras sairão do papel? E o que a população está disposta a pagar por isso

“O Vale já tem concessões. Na BR-386 e nas estaduais, com a EGR. O que a gente precisa são formas melhores para essa cobrança, para que possamos trafegar com melhores condições”, destaca a presidente do Conselho Regional de Desenvolvimento (Codevat), Cintia Agostini.

Movimentos como a Frente Parlamentar contra os Pedágios e o RS Contra os Pedágios vocalizam o desgaste popular com a cobrança de tarifas, devido ao histórico de concessões mal elaboradas. A insatisfação se sustenta em argumentos como o fato da população arcar com IPVA, impostos nos combustíveis e vê, há décadas, promessas de melhorias ficarem no papel.

“O benefício precisa ser maior que o custo. A tarifa tem de ser proporcional ao serviço entregue. Não dá para pagar por algo que não existe. Só aceitaremos um modelo que resolva os gargalos logísticos, com segurança, ambulância, guincho, manutenção e obras estruturantes. Caso contrário, o pedágio vira mais um imposto disfarçado”, resume Cíntia.

O pacote das concessões foi apresentado em dezembro do ano passado e agora está em reelaboração dentro da Secretaria da Reconstrução. A apresentação da proposta será agendada para o fim deste mês ou início de junho. O governo do RS pretende atrair investimentos de R$ 6,7 bilhões ao longo de 30 anos, com R$ 4,5 bilhões aplicados nos primeiros dez anos. Entre as prioridades estão a duplicação de 244 quilômetros e a construção de 103 km de terceiras faixas.

O que o setor produtivo espera?

O Rio Grande do Sul investiu, em média, R$ 463 milhões por ano em rodovias nos últimos seis governos. “É um valor muito abaixo da necessidade. O custo de não fazer é maior: estradas precárias encarecem o transporte em mais de 65%”, alerta o vice-presidente da Associação Comercial e Industrial de Lajeado, Nilto Scapin.

Para ele, as concessões proporcionam participação da iniciativa privada para obras estruturantes. “Já sabemos que esses recursos não virão do cofre do Estado e da União, independente de quem for o governo.”

Segundo ele, a preocupação deve ser mais em relação a obras. “Os novos modelos de concessão estão sendo implementados em diversos estados do Brasil e em países desenvolvidos. Ninguém gosta de pagar pedágio, mas é necessário.”

Diretor de Infraestrutura da Associação Comercial e Industrial de Encantado (Aci-E), Luciano Moresco, realça: “o Vale não precisa de concessões. Precisa de investimentos em rodovias. O que temos visto é que o Estado não tem condições de fazer esse aporte. Nem sequer consegue garantir as manutenções.”

Para ele, a região perde competitividade. “Precisamos de duplicações, viadutos, novos acessos para expansão industrial, acostamentos, ciclovias. Além do desenvolvimento econômico, qualificar nossas rodovias, representará mais segurança para todos os usuários.”

Mais vão pagar

Dentro do grupo de trabalho formado para estudar a proposta de concessão do Estado, é unânime a avaliação de que a tarifa média tem de ser no máximo de R$ 0,14 por quilômetro rodado. Como se trata de um formato com cobrança automática (o chamado free flow), trechos onde não havia pagamento, agora terão a cobrança.

“Quem é contra, muitas vezes, é quem sempre usou as rodovias e nunca pagou. É preciso construir um modelo mais justo, com tarifa proporcional e que preveja isenções de ICMS e ISS para reduzir o valor ao usuário”, defende o diretor de Infraestrutura da Câmara da Indústria e Comércio do Vale (CIC-VT), Leandro Eckert.

Luciano Moresco acrescenta: “as principais resistências quando a implantação do sistema free flow partem de regiões que não vivem com a experiência que moradores de algumas cidades, como Encantado e Cruzeiro do Sul. São 27 anos de cobrança física. Ou seja, poucos pagam, mas todos exigem obras.”

Em cima disso, é direto ao apontar o problema: o Estado não tem recursos para investir. “O IPVA arrecada quase R$ 5 bilhões por ano, mas apenas 10% disso é investido na infraestrutura viária. Sem obras, perdemos empresas, empregos e aumentamos a pobreza”, sustenta Eckert.

“Investimos ou estaremos limitados”

Para o vice-presidente da CIC-VT, coordenador do grupo de estudos sobre concessões, Adelar Steffler, a escolha é “investimos ou estaremos limitados na capacidade de crescer e atrair investimentos”. Para ele, a concessão das estradas estaduais é uma necessidade, e não uma escolha política ou ideológica.

“Nós não temos hidrovia ou ferrovia. Nada. Só temos o modal rodoviário, e mesmo assim, precário. Qual empresa vai se instalar em uma região sem estrutura? Não tem como crescer sem infraestrutura”, afirma.

“Não adianta dizer que paga IPVA ou imposto. Também pagamos plano de saúde e segurança privada. Infelizmente, é assim. É preciso encontrar alternativas”, diz.

Um dos pontos relevantes, está na atualização do Volume Diário Médio (VDM), ou seja, o número de veículos que circulam nas rodovias. “Sem um VDM correto e atualizado, nunca vamos chegar a uma tarifa justa. Precisamos saber exatamente quantos veículos trafegam na região. Esse é o nosso maior desafio”, afirma.

A favor da concessão

  • Infraestrutura é essencial para o crescimento. Grupo de estudos afirma que rodovias em condições garante segurança e desenvolvimento econômico.
  • Falta de recursos públicos. Pela lei do IPVA, arrecadação é usada em: 20% vai para o Fundeb, 80% restante dividido entre Estado e município da placa. Estima-se que 5% vão para as rodovias.
  • Modelo é aplicado no mundo todo. Concessões são comuns no Brasil e no exterior para viabilizar infraestrutura.
  • Busca por tarifa justa e proporcional. Cobrança automática amplia arrecadação. Com mais motoristas pagando, defesa regional é por tarifa de no máximo R$ 0,14 por km.
  • Sem infraestrutura, perde-se competitividade. Rodovias ruins encarecem o transporte e dificultam o escoamento da produção local.

Críticas e receios

  • Pedágio é mais um custo ao cidadão. Movimentos de parlamentares alegam que a população paga IPVA e impostos sobre combustíveis, mas não vê retorno em obras.
  • Histórico de promessas não cumpridas. Desconfiança com modelos anteriores gera resistência popular à cobrança.
  • Cobrança em trechos que antes eram gratuitos. Com o sistema free flow, usuários de curtas distâncias também pagarão pedágio.
  • Tarifa depende de dados confiáveis. Modelagem feita por técnicos do BNDES desconsidera a realidade local e o perfil das cidades.
  • Falta de garantias de que obras serão feitas. Receio de que a concessão vire apenas mais uma fonte de arrecadação, sem contrapartidas.

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