O Senado Federal voltou a debater um tema que impacta diretamente o dia a dia de quem vive o transporte: o tempo de descanso dos motoristas profissionais. Realizada no dia 01 de abril, a audiência pública desenvolvida pela Comissão de Infraestrutura reacendeu a discussão sobre as recentes alterações promovidas pela decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) na Lei do Motorista (Lei nº 13.103/2015), que agora exige o cumprimento ininterrupto de 11 horas de repouso a cada 24 horas, sem possibilidade de fracionamento ou acúmulo semanal, como antes permitido.
A justificativa, em tese, é nobre: proteger o trabalhador, preservar vidas e promover segurança nas estradas. No entanto, como ressaltado por representantes do próprio setor e até por senadores presentes na audiência, o problema não está na intenção da lei, mas sim na distância entre a norma e a realidade brasileira.
A realidade, na minha visão, é que não existem pontos de parada suficientes, muito menos estruturados, para atender à exigência legal em grande parte das rodovias do país. E aqui não estamos falando de comodidade, mas do mínimo necessário: segurança, higiene, descanso digno. O próprio secretário nacional de Transportes, Adrualdo Catão, reconheceu essa deficiência e admitiu que os contratos de concessão não contemplam, em sua maioria, esses pontos de apoio.
Enquanto isso, a fiscalização avança. A Polícia Rodoviária Federal (PRF) intensificou a operação “Descanso Legal”, aplicando autuações a empresas e profissionais que não cumprem a nova regra. Mas como cumprir uma norma que não considera o cenário real das estradas brasileiras?
Do meu ponto de vista, à frente de empresas de transporte, as consequências são profundas. A impossibilidade de fracionar o descanso ou acumular os repousos semanais inviabiliza boa parte das programações logísticas, exige a contratação de mais motoristas, aumenta os custos operacionais e torna ainda mais difícil manter a pontualidade das entregas. Não se trata de má vontade, mas de um desafio prático gigantesco.
Acredito que a consequência disso é previsível: aumento no custo do frete, risco de inflação em cadeia, retração da produtividade e mais um obstáculo ao crescimento de um setor que, sozinho, movimenta cerca de 65% de tudo o que é produzido no Brasil. E o mais preocupante: até mesmo os próprios motoristas têm se manifestado contrários à nova configuração da lei, pois também se veem prejudicados pela rigidez imposta, que nem sempre dialoga com suas preferências ou necessidades.
É evidente que a segurança deve ser prioridade. Mas segurança se constrói com diálogo, estrutura e planejamento, não apenas com penalidades. Como disse o senador Esperidião Amin, é preciso pensar em soluções que equilibrem a proteção ao trabalhador com a realidade logística nacional. A proposta da Confederação Nacional do Transporte (CNT) de permitir maior flexibilidade por meio de instrumentos coletivos de trabalho com repouso mínimo de 8 horas parece um bom caminho, desde que pactuado com responsabilidade entre empresas e trabalhadores.
O que o setor precisa, mais uma vez, é de uma política pública coerente com a realidade. A norma, por si só, não muda o cenário. É necessário garantir infraestrutura, estimular boas práticas, investir em tecnologia e, principalmente, ouvir quem está na ponta da operação: os empresários e os motoristas. Só assim vamos conseguir avançar de forma segura, eficiente e economicamente viável.