O Rio Grande do Sul costuma figurar entre os maiores produtores de mel do país, com média de 9 mil toneladas por safra. Mas a enchente do ano passado e o excesso de chuva nos meses seguintes, somadas a forte estiagem nas regiões mais produtivas do estado desde o fim de 2024, devem reduzir este volume em até 60%. Os Vales do Rio Pardo e Taquari tendem a registrar uma produção mais estável neste período, pois foram menos impactados com a seca e estão tendo bom resultado na reta final da colheita, entre março e maio.
As temperaturas mais elevadas para o período tem favorecido para a colheita e a safra persiste em andamento. Em média, as abelhas levam uma semana para preencher as melgueiras e os apicultores têm aproveitado antes de começar o inverno. “Enquanto estiver quente podemos ir colhendo, porque os enxames guardam sua reserva de alimento na caixa e não prejudicamos eles”, avalia o presidente da Associação Teutoniense de Apicultores (ATA), Agenor Rührwiem.
Ele trabalha na atividade há 30 anos. São 350 caixas próprias de abelha africanizada, 160 a meia com o filho e outras 120 a meio com agricultores. Estão espalhadas nos municípios de Fazenda Vilanova, Westfália, Teutônia, Estrela, Colinas, Imigrante e Boa Vista do Sul. Ao todo, renderam 20 toneladas de mel. “O que salvou foi o período do outono, nas florações das aroeiras e do eucalipto. Em algumas regiões chegamos a colher em média mais de 60 quilos por caixa.”
A colheita geralmente começa em novembro com um mel claro, produto mais procurado pelos consumidores. Mas o início da safra frustrou os apicultores. “Aqui na região choveu muito na época da floração, especialmente da uva-japonesa. Não colhemos praticamente nada na primeira passada,” avalia Rührwiem.
Assim que as temperaturas baixarem os produtores passam a monitorar os enxames caso estes precisem receber alimentação extra para não morreram. Segundo o apicultor, ainda é preciso ficar atento ao excesso de chuva no inverno, pois também ocasiona mortandade de abelhas.
A venda de mel e outros produtos apícolas é regulamentada. A legislação visa garantir a segurança e a qualidade dos produtos para o consumidor final. Para a rotulação, os apicultores devem ter registro próprio ou podem se associar a casas de mel, entidades regulamentadas que podem revender os produtos.
É o caso de Rührwiem, que apesar a pouca disponibilidade de tempo, faz questão de ajudar a manter a associação para que ele e outros apicultores da região possam comercializar os produtos. Na região dos Vales, o mel é vendido entre R$ 15,00 a granel no apiário ou entre R$ 25,00 e R$ 30,00 após embalado e rotulado.
Perdas de enxames
Mapeamento da Embrapa estima que cerca de 21 mil colmeias foram perdidas durante as enchentes em 88 municípios, o que representa 4,55% do total no estado. Das colmeias destruídas, 8% se perderam após as chuvas, sendo que 57% destas em razão da ausência de alimento no campo para as abelhas.
A situação expôs a vulnerabilidade da apicultura e da meliponicultura diante das mudanças climáticas, com destaque para a escassez de floradas, que compromete a alimentação, e a dificuldade dos apicultores em acessar os apiários para adotarem as medidas emergenciais em colônias remanescentes e de insumos apícolas.

Na região dos Vales, o mel é vendido entre R$ 15,00 a granel no apiário ou entre R$ 25,00 e R$ 30,00 após embalado e rotulado. (Foto: BRUNO AZEVEDO)
Zootecnista da Emater/RS-Ascar, João Alfredo Sampaio, destaca que apesar das perdas, as remanescentes produziram bem neste outono, inclusive com enxameações. “Os apicultores que puderam dividiram enxames para aumentar o número de colmeias. Estas deverão ser alimentadas para passar o período de inverno evitando mortalidades.”
De acordo com Sampaio, não é possível precisar o volume da safra. “Temos produtores que irão colher bastante e alimentar as colmeias depois. Outros simplesmente vão deixar o mel para as abelhas apostando em uma saída forte do inverno e uma boa colheita de primavera com enxames fortes e produtivos.
RS estima colher um terço da média
A safra de mel 2024/25 foi pauta da Câmara Setorial da Apicultura e Meliponicultura da Secretaria da Agricultura do estado na semana passada. O Censo de 2022 indicou que o Rio Grande do Sul colheu 9 mil toneladas na época, liderando o ranking nacional. Agora, o grupo acredita que a produção gaúcha não deve passar de 30% deste volume.
O coordenador da Câmara, Patric Luderitz, observou que o setor já vinha sofrente com as secas há dois anos e ficou ainda mais prejudicado com a tragédia climática de maio de 2024. “Nos dois anos anteriores só houve colheita em alguns locais pontuais. Também não houve safrinha no ano passado. Em setembro as plantas não responderam, então a colheita foi muito abaixo do esperado. No verão também.”
Agora na safrinha de outono, observou, a colheita está melhor em relação aos demais anos. Mas, segundo ele, por causa das noites com temperaturas mais amenas, os eucaliptos não estão com todo vigor. “Também a questão das chuvas que ocorreram na região da fronteira, mais especificamente em Santana do Livramento, dificultaram a colheita, porque os eucaliptos não foram bem.”
O zootecnista Sampaio participou do encontro. À Câmara, informou a qualidade da produção de mel na região dos Vales neste outono. “Temos uma safra bem boa, bem cheia, o pessoal está produzindo bastante. Dá para ver a natureza se recuperando. O que não acontece em outras regiões, com outras condições climáticas.”
Para o presidente da Federação Apícola e de Meliponicultura do Rio Grande do Sul (Fargs), David Vicenço, o setor necessita de mais investimentos em laboratórios. “Há muita homogeneização de méis que não possuem uma boa qualidade. E não temos como separá-los, por isso precisamos de laboratórios que possam fazer esse trabalho, para podermos melhorar a qualidade.”
Geleia real
A rainha é indispensável para a colmeia, pois apenas ela fertiliza novas larvas. Toda vez que morre ou as abelhas promovem outro enxame, o grupo cria uma nova. Para isso, as abelhas selecionam um embrião e o alimentam por toda a vida com geleia real, o que desenvolve no inseto mais longevidade e a capacidade reprodutiva.
Tal produto difere do mel e é produzido exclusivamente por abelhas jovens entre 8 e 12 dias de vida. Com textura cremosa, cor esbranquiçada e sabor ácido, também é alimento das larvas nos primeiros 3 dias de vida. A geleia real possui proteínas, açúcares, lipídeos, todas as vitaminas do completo B, D, E, além de pequenas quantidades de hormônios como estradiol, testosterona e progesterona. É amplamente utilizada para fins medicinais, especialmente na área da fertilidade.
Mel preservado por 3 mil anos
A utilização do mel ultrapassa registros de 10 mil anos. Antigas civilizações o usavam como alimento, medicamento e também para fins religiosos. Durante a escavação da tumba do faraó Tutancâmon, em 1922, no Egito, arqueólogos encontraram jarros com o produto perfeitamente preservado após 3 mil anos, apto para o consumo.
Em teoria, ele não tem validade. Mas para preservação de suas características, a determinação técnica é consumi-lo em até dois anos. Ele não estraga pelo teor muito baixo em água (17 a 20%), o que impede crescimento de bactérias e fungos. O alto teor de açúcar cria um ambiente inóspito para microrganismos. Também tem pH baixo (3 a 4,5), o que contribui para a resistência a bactérias.
Passo a passo da caixa ao pote
- Época: a colheita deve ser feita entre novembro e maio. A primavera tem o melhor mel comercial, mais claro e as melgueiras tendem a estar cheias.
- EPIs: roupas de proteção são indispensáveis. É necessário uso de fumigador com combustível vegetal, apenas braseando internamente. A fumaça tranquiliza as abelhas e deve ser aplicada a distância segura para não queimá-las.
- Colheita: coletar apenas das melgueiras (sobrecaixas) quadros com favos maduros (mais de 80% preenchidos). Na reposição dos quadros, estes precisam ser limpos e moldados para incentivar as abelhas a construírem favos alinhados.
- Desoperculação: os favos coletados devem ser levados para local fechado, livre de abelhas. O mel fica retido dentro de pequenas bolsas (alvéolos) e estas precisam ser abertas para escorrer.
- Centrifugação: os quadros desoperculados então são colocados verticalmente em uma centrífuga. Após cheia, a máquina acelera aos poucos para os favos não quebrarem. O mel e detritos são escoados a baldes. Para finalizar, o produto é peneirado. Deve ser conservado fechado, em local fresco e escuro.