Com a filha Bella, de 45 dias, no colo, Rita Marasca vive os desafios de ser mãe. Entre a mudança do corpo, a nova rotina e a incerteza de como cuidar da pequena, ela busca se conectar com o presente, aproveitar o momento e encarar a maternidade com leveza.
Para a moradora de Lajeado, a rede de apoio familiar tem sido importante para se manter saudável, assim como o cuidado que recebe do marido. Tem dias mais difíceis do que outros, e ela alerta para o autocuidado da mulher nesse período de transformações.
“Entre os maiores desafios, está você se enxergar e se aceitar em um novo corpo, que está mudando. Sua identidade começa a ser atualizada para um novo tempo”. Rita acredita ser importante, sempre que possível, a mulher se preparar para ser mãe. “Se autoconhecer. Saber de suas crenças, limitações, sua história. Assim como estar espiritualmente forte, isso muda tudo”.
Um mês e meio depois do parto, os dias ainda são de descobertas e de construção do próprio papel dela como mãe. E, em meio aos cuidados de Bella, Rita busca transformar a rotina em momentos prazerosos. Costuma ouvir música e assistir a programas que gosta. Quando recebe visita da família, ainda consegue organizar a casa e ter momentos com ela mesma, como fazer uma massagem ou colocar as unhas em dia.
“Por mais que a mãe tenha dias difíceis, desafiadores, por mais que a maternidade exige um amor, uma entrega, temos que cuidar muito para não nos anularmos como mulher”.
Maio furta-cor
Mais do que um mês para relembrar a importância do papel materno, maio é também chamado de furta-cor, marcado pela campanha que busca ampliar o debate sobre a saúde mental materna. A escolha pela furta-cor simboliza a multiplicidade de sentimentos vividos por mulheres durante a gestação, o parto e o puerpério, períodos de transformações físicas, emocionais e sociais.
Para Taila Anschau, enfermeira e gerente assistencial do Hospital Ouro Branco, de Teutônia, é fundamental reconhecer essas nuances no cuidado à mulher. “É um momento de muitas expectativas, muitas cobranças, e que, infelizmente, ainda vem acompanhado de julgamentos. A mulher se pergunta: ‘vou conseguir?’, e quando não consegue, sente a pressão da sociedade”.
Taila ressalta que nem todos os desfechos são favoráveis, e isso exige sensibilidade no olhar profissional. “Tem bebês que nascem prematuros, mães que enfrentam um diagnóstico difícil. São situações de extrema vulnerabilidade emocional. Precisamos identificar onde essa mulher precisa de suporte.”
Outro ponto importante, segundo a enfermeira, é o enfrentamento da solidão materna. “A mulher precisa saber que não está sozinha. A rede de apoio, companheiro, família, amigos, faz toda a diferença.” Ela observa mudanças culturais importantes. “Hoje vemos pais mais participativos, indo aos grupos de gestantes, querendo entender como ajudar. Isso deve ser incentivado. O cuidado com o bebê não é só responsabilidade da mãe.”
Taila também chama atenção para o excesso de informações e julgamentos que cercam a maternidade atual. “Tem mães que se sentem culpadas porque o filho comeu doce. Outras se comparam com padrões irreais das redes sociais. Isso afeta diretamente o bem-estar emocional.”

Rede de apoio e autocuidado se tornam essenciais para a saúde da mãe e do bebê
Após o parto
A maternidade também exige espaço para diálogo, acolhimento e informação. É o que defende a médica Bárbara Zen Fraga, especialista em saúde mental. Ela afirma que, muitas vezes, o romantismo com que muitas pessoas tratam a maternidade esconde os desafios do período gestacional e, principalmente, do pós-parto.
Nesse cenário, destaca que, a cada cinco mulheres, uma desenvolverá algum tipo de transtorno mental durante a gestação ou no primeiro ano de vida do bebê. “É uma incidência muito alta e está, em muitos casos, relacionada ao transtorno de adaptação. A mulher precisa se ajustar à nova rotina, à dinâmica familiar, à vida conjugal. Isso leva tempo, e nem sempre esse processo ocorre com leveza.”
A profissional afirma também ser comum as mães apresentarem cansaço extremo no período, que podem se associar ao chamado burnout materno. Embora ainda não seja um diagnóstico formal como o burnout ocupacional, ele se manifesta como um estado de esgotamento. “É um conjunto de sentimentos e sintomas ligados à exaustão física e emocional. A mãe se vê sobrecarregada, seja por uma criança que chora muito, pela privação de sono ou pela divisão desigual das tarefas em casa.”
Essa sobrecarga pode, inclusive, fazer com que a mãe perca o interesse em cuidar do próprio filho. Na maioria dos casos, são profissionais de saúde ou alguém da rede de apoio próxima que percebe que a mãe precisa de ajuda.
Essa rede de apoio, conforme Bárbara, é um dos pilares do cuidado. “Às vezes, é alguém que segura o bebê por meia hora para a mãe tomar banho ou ir à pracinha com o filho mais velho. Esses pequenos gestos curam.”
Atenção aos sinais
Confundir o papel de mãe com a identidade da mulher é um dos principais gatilhos do adoecimento materno, conforme afirma a psicóloga perinatal Lauren Minuzzi. “Mãe e mulher não são a mesma coisa. Quando essa fusão acontece, muitas mulheres deixam de se reconhecer.”
Lauren atua com gestantes e puérperas e tem percebido um aumento significativo de mães adoecidas. Para ela, essa realidade exige que a saúde mental materna ganhe atenção, com políticas públicas, suporte clínico e uma rede de apoio real.
“A maternidade já é, por si só, um processo ansiogênico. Mesmo uma mulher com saúde mental estável se sente mais ansiosa durante a gestação, porque lida com o imprevisível.”
Essa ansiedade, muitas vezes, se intensifica no pós-parto, quando o excesso de informações sobre criação, alimentação e desenvolvimento infantil pode mais confundir do que ajudar. Nesse período, ainda podem ocorrer alguns episódios como o baby blues ou a depressão pós-parto.
O primeiro é um estado emocional de instabilidade comum nos primeiros 40 a 45 dias após o parto. “A mulher pode chorar sem motivo, estar sensível, mas continua cuidando do bebê. Quando isso se prolonga ou afeta o vínculo e o cuidado, aí sim podemos estar diante de uma depressão”, explica Lauren.
O futuro da carreira é outro fator que preocupa a mulher e exige entendimento de que o período é passageiro. A profissional afirma que cada mãe lida com a maternidade de forma diferente e a individualidade deve ser respeitada.
Cuidados essenciais
– Acompanhamento pré-natal;
– Participação ativa do parceiro e da família;
– Apoio de profissionais especializados;
– Grupos de apoio e educação perinatal;
– Autocuidado e respeito à individualidade;
– Informação de qualidade.
Números no RS
– Estima-se que entre 10% e 20% das mulheres desenvolvem depressão ou ansiedade durante a gestação ou no pós-parto;
– A depressão pós-parto afeta cerca de 15% das mulheres no período pós-parto;
– O baby blues, estado transitório de melancolia, acomete entre 50% e 80% das mulheres nos primeiros dias após o parto.
Fatores de risco
– Mulheres com antecedentes de depressão, transtorno bipolar ou outras condições;
– A ausência de uma rede de apoio sólida pode agravar o sofrimento psicológico;
– Expectativas irreais sobre a maternidade;
– Privação de sono e exaustão física;