A construção civil do Vale do Taquari sofre com um problema estrutural e que se intensificou nos últimos anos: a informalidade. Mais do que um entrave legal, o avanço do trabalho sem carteira assinada impacta na capacidade produtiva do setor, dificulta o planejamento das empresas e reduz a qualidade de vida dos trabalhadores.
Essas afirmações fazem parte do relatório prévio do Sindicato das Indústrias da Construção, Mobiliário, Marcenarias, Olarias, Cerâmicas, Artefatos e Produtos de Cimento (Sinduscom-VT). Pelo estudo em elaboração, o cenário atual é de apagão de mão de obra, com efeitos sobre obras públicas e privadas, cronogramas e segurança no canteiro.
“Estamos falando de um problema que se agravou. Já vínhamos discutindo isso há alguns anos, mas agora a dificuldade para encontrar trabalhadores dispostos a assinar carteira se tornou crítica”, afirma o presidente da entidade, Daniel Bergesch.
Em cima dessa constatação, o Sinduscom tem aprofundado o debate sobre o tema por meio de reuniões com construtoras, levantamentos internos e cruzamento de dados com a base de programas sociais do governo federal. De acordo com Bergesch, grande parte dos profissionais que atuam na construção civil já estão no mercado — porém, sem qualquer vínculo formal.
Diante da constatação, o Sinduscom estruturou uma campanha de valorização do trabalho formal. Em parceria com a Fiergs, a ação tem como foco os 36 municípios de abrangência do sindicato e atua por meio de rádios, redes sociais e veículos de imprensa local. A meta é resgatar a percepção de que trabalhar com carteira assinada é mais vantajoso — tanto para o presente quanto para o futuro do profissional.
“A campanha nasceu da necessidade de fazer um trabalho pedagógico com o próprio trabalhador. Mostrar que ele tem direito a férias, 13º, segurança no local de trabalho, apoio em caso de acidente, estabilidade mesmo em dias de chuva. É uma mudança de mentalidade”, afirma Bergesch.
A ação também procura sensibilizar as empresas para concentrarem suas vagas em uma base única, que permita dimensionar a real necessidade de profissionais. Isso inclui pedreiros, serventes, carpinteiros e armadores — categorias essenciais para o ritmo das obras.
Como mais uma etapa da campanha, o Sinduscom pretende criar um banco de empregos integrado ao portal do sindicato. O objetivo é ampliar a conscientização, dar visibilidade ao impacto da informalidade no setor e oferecer alternativas para recrutamento qualificado.
Análise sobre benefícios sociais
De acordo com Daniel Bergesch, a informalidade na construção civil é multifacetada. Um dos motivos que mais se repete entre os trabalhadores para recusar a formalização é a perda de benefícios sociais, como o Bolsa Família. “Tem gente que já está com uma renda mínima garantida por programas federais e complementa com um bico na construção. Quando se propõe o registro em carteira, a resposta é: ‘vou perder o benefício’”, afirma Bergesch.
Nas entrevistas para preencher vagas, diz o empresário Mateus Pedó, diretor da Dohka Empreendimentos, fica claro que os trabalhadores, em especial para funções operacionais, não querem atuar com carteira assinada. “É muito nítido. Isso acontece com cada vez mais frequência. Tem gente que não quer a formalidade porque está com benefício social. Preferem trabalhar por algumas horas, sem horário definido, fora do regramento de uma empresa”, relata e complementa: “tem pessoas que dizem, com todas as letras, que não querem assinar porque perderiam o benefício. E aí acabam aceitando trabalhos temporários ou informais, muitas vezes em equipes que fazem obras menores, como reformas e casas”, diz.
Além do aspecto financeiro, o empresário aponta o comportamento como um dos fatores por trás da informalidade. “É uma questão cultural das obras. Muitos preferem ter uma jornada flexível. Querem sair na sexta-feira depois do meio-dia, por exemplo, e não voltar mais até segunda. Isso é incompatível com a rotina de uma construtora que tem seus horários e normas.”
“O Bolsa Família precisa ser transitório”
No Congresso Nacional tramita uma proposta para proporcionar a continuidade temporária no programa social Bolsa Família para quem entra no mercado de trabalho formal. Funcionaria de maneira gradual, com redução no nível do repasse público enquanto o beneficiário se consolida no mercado.
Para o diretor da C2B Imóveis, Sidinei Hunemeier, essa é uma alternativa para reduzir o déficit na Construção Civil. “O Bolsa Família precisa ser transitório”. Dentro da empresa, conta, são cerca de 100 funcionários que atuam em três grandes obras em andamento. Ainda há 15 vagas em aberto. “É cada vez mais difícil encontrar interessados.”
Junto com isso, há uma preocupação para evitar a rotatividade. “Precisamos fazer com que ambiente de trabalho seja o melhor possível. Investimentos em espaços de convívio, em climatização, para garantir bem-estar aos trabalhadores.”
No Vale, salário é 15% maior
Pelo estudo do Sinduscom-VT, os salários na construção civil da região é, em média, 15% superior ao da Região Metropolitana, mesmo com custo de vida menor. “Um pedreiro experiente pode alcançar remuneração de R$ 4 mil a R$ 5 mil mensais. Isso está acima de setores como comércio e serviços, mas ainda é pouco divulgado”, aponta Daniel Bergesch.
O presidente do Sinduscom-VT também reforça que, mesmo com avanços tecnológicos, o setor depende essencialmente da força de trabalho humana. “Você pode automatizar parte da indústria, mas ainda precisa do pedreiro, do carpinteiro, do pintor. São funções insubstituíveis. E se quisermos atrair bons profissionais, precisamos mostrar que esse é um setor que valoriza quem está lá dentro”, argumenta.
Formar no próprio canteiro
A base do aprendizado ainda ocorre no chão da obra, diz Mateus Pedó. Serventes ganham prática, tornam-se pedreiros ou mestres de obras. “É uma formação coletiva, onde os mais antigos ensinam os mais novos. Isso constrói vínculo e gera pertencimento”, acredita o empresário.
Mesmo assim, a dificuldade de renovação da mão de obra é um obstáculo. Muitos jovens evitam o setor, associando-o a trabalho exaustivo. “Os filhos dos mestres viram o esforço dos pais e não querem mais. Mas o cenário hoje é outro. Houve evolução, a obra tem tecnologia, tem equipamentos para reduzir o esforço humano e há espaço para crescer, para ter carreira e estabilidade”, afirma Sidinei Hunemeier.
Diagnóstico da falta de trabalhadores
- Informalidade: trabalhadores estão ocupados, mas em condições precárias: sem carteira assinada, pagamento por hora ou semana, sem garantias.
- Envelhecimento: tanto para mestre de obras e para pedreiros, há um aumento da faixa etária. Entre 2016 a 2024, o pedreiro passou de uma média de 38 para 41 anos. Já o mestre de obras, uma das funções mais disputadas pelas empresas do setor, tem uma média de 46 anos.
- Pouca renovação: filhos de trabalhadores da construção optam por outras carreiras. Muito por ver o desgaste dos pais. Empresas do setor afirmam que ambiente da construção tem evoluído, com tecnologias para reduzir o esforço excessivo.
Valorizar a formalidade
O Sinduscom elencou mais de 10 benefícios do emprego formal, alguns deles:
- Segurança social (aposentadoria, INSS, afastamento por doença)
- Estabilidade de renda, mesmo em períodos chuvosos
- Cobertura de acidentes de trabalho
- Direitos trabalhistas: férias, 13º salário, FGTS
- Benefícios adicionais: vale-alimentação, vale-transporte
- Ambiente seguro de trabalho: uso de EPIs, fiscalização, responsabilidade técnica
Realidade do Vale
- Melhor remuneração em comparação com outros locais: piso salarial 15% superior à média da Região Metropolitana
- Salários de pedreiros qualificados podem alcançar R$ 4 mil a R$ 5 mil.
- Formação se dá dentro da obra, com crescimento de servente a oficial (pedreiro, pintor, carpinteiro)
- Na negociação coletiva, foco em correção monetária e ganho real de salário.
Algumas soluções
- Redução da carga tributária e estímulo à formalização
- Ação institucional: sindicatos e conselhos setoriais têm buscado articulação política por meio de federações representativas para influenciar mudanças estruturais.
- Mudança cultural: é preciso conscientizar sobre as vantagens da carreira na construção civil formalizada, com estabilidade e progressão
- Transição gradual entre benefício social e trabalho formal com objetivo de incentivar a entrada no mercado, sem o corte imediato da assistência, permitindo adaptação e estruturação familiar.
- Investimento em tecnologia como resposta à escassez de processos para aumentar a produtividade com menos esforço físico.
- Capacitação contínua: formar e desenvolver trabalhadores para atuarem com novas tecnologias e entregarem mais com qualidade.