Cardeal de Estrela recusou indicação para ser papa

HÁ 47 ANOS

Cardeal de Estrela recusou indicação para ser papa

Em 1978, Dom Aloísio Lorscheider recebeu a maioria dos votos no conclave, mas teria recusado o cargo por motivos de saúde. Quase meio século depois, seu nome volta à tona com a escolha do novo pontífice

Cardeal de Estrela recusou indicação para ser papa
Na foto, Dom Aloísio Alberto Dilli está usando a casula que recebeu do Cardeal Aloísio Lorscheider, da mesma forma o anel que usa na mão direita. (Foto: Karine Pinheiro)
Estrela

Em um túmulo do Convento São Boaventura, em Daltro Filho, Imigrante, uma história de quase cinco décadas vem à tona, reforçada pelo recente conclave que nomeou o americano Robert Francis Prevost como papa. Há 47 anos, o estrelense Dom Aloísio Lorscheider entrou para a história ao ter sido um dos favoritos a pontífice da Igreja Católica que, naquele ano, elegeu João Paulo II. Segundo relatos de religiosos e pesquisadores, o cardeal teria recebido a maioria dos votos para ser papa naquele conclave, mas recusou por problemas de saúde.

Lorscheider participou das duas escolhas daquele ano, após a morte de João Paulo I, apenas 33 dias depois de ser nomeado como líder máximo da Igreja. Ao recusar o cargo, o então arcebispo de Fortaleza teria aberto caminho para a escolha de João Paulo II. À época, Lorscheider tinha oito pontes de safena. O detalhe dos bastidores do conclave de 1978 foi descrito em artigo publicado pelo escritor e teólogo Frei Betto em abril deste ano.

A história, pouco conhecida, ganhou destaque com a escolha do novo papa no Vaticano. O Brasil, apesar de ter a maior população católica do mundo, jamais teve um papa. Aloísio Lorscheider morreu em 23 de dezembro de 2007, em Porto Alegre, aos 83 anos, por falência múltipla dos órgãos.

O Convento São Boaventura guarda um memorial para Lorscheider que pode ser visitado pela comunidade. (Foto: Karine Pinheiro)

Amigo próximo

Bispo emérito da Diocese de Santa Cruz do Sul, Dom Aloísio Alberto Dilli era amigo próximo de Aloísio Lorscheider, pelo período em que os dois viveram na província franciscana de Porto Alegre, entre 2004 e 2006.

Depois disso, Dilli foi transferido para Daltro Filho, em Imigrante, até ser chamado para ser bispo. “Na conversa para dar a minha resposta, eu podia conversar com um diretor espiritual. Eu fui a Porto Alegre conversar com ele”.

Dilli afirma que o cardeal o ajudou a tomar a decisão de ser bispo, em 2007, na Diocese de Uruguaiana. Mais tarde, em 2026, foi nomeado para a Diocese de Santa Cruz do Sul.

Na foto, Dom Aloísio Alberto Dilli está usando a casula que recebeu do Cardeal Aloísio Lorscheider, da mesma forma o anel que usa na mão direita. (Foto: arquivo)

Logo após a primeira nomeação, o bispo emérito visitou Lorscheider outra vez. No encontro, o cardeal afirmou que ele precisava pensar nos seus símbolos. “Ele disse ‘eu tenho uma porção dessas coisas aqui que posso dar a você’. Ele abriu o armário e disse ‘aqui estão as minhas coisas, pode escolher’”.

Dilli relembra o momento: “Eu estava diante de um cardeal e pude escolher uma veste, ele me deu um anel de bispo e a cruz pastoral. Ainda ganhei uma casula. Tive diante de mim essa graça”.

Com as peças e objetos guardados ainda hoje, eles são utilizados apenas em momentos especiais, como quando Dilli foi nomeado bispo, por exemplo. Dom Aloísio diz que se ouviam relatos de que Lorscheider teria sido um dos mais indicados a papa no conclave de 1978, mas o assunto nunca foi abordado com o cardeal.

Marco na cidade

Natural da comunidade de Linha Geraldo, no município de Estrela, o cardeal Aloísio Lorscheider era reconhecido por sua capacidade de liderança desde muito jovem. Segundo o pesquisador e historiador estrelense, Airton Engster dos Santos, Lorscheider foi uma figura importante do Concílio Vaticano II, tendo sido escolhido secretário de uma das comissões centrais do evento que redesenhou o papel da Igreja no mundo moderno.

Mais tarde, atuou como presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) durante os anos mais duros da ditadura militar no país. “Com coragem e diplomacia, estabeleceu pontes com o regime para garantir que direitos humanitários básicos fossem reconhecidos, sempre com uma postura firme e conciliadora”, destaca o pesquisador.

Sua atuação rendeu-lhe o título de cardeal, e sua influência fez com que recebesse votos no conclave de 1978. “A humildade dele foi o que mais repercutiu”, relembra Santos. “Ele sempre teve saúde frágil, e por isso acreditava não ter condições de assumir os desafios de ser papa. O próprio João Paulo II teria reconhecido, mais tarde, que o eleito deveria ter sido dom Aloísio.”

Apesar da projeção internacional, Lorscheider não perdeu o vínculo com a terra natal. Visitava com frequência o município de Estrela, onde ainda viviam familiares e amigos. O afeto pela região também fez com fosse sepultado no Convento São Boaventura, em Daltro Filho, local onde estudou e celebrou sua primeira missa.

Após a morte, em 2007, sua história foi homenageada em documentários exibidos pela TV Aparecida e pela TV do Vaticano. Em 2018, parte de seus restos mortais foi transladada para outras localidades onde também atuou, como Santo Ângelo, Fortaleza e Aparecida.

Canonização

O Convento São Boaventura guarda um memorial para Lorscheider que pode ser visitado pela comunidade. Coordenador da Casa de Encontros da Fraternidade do convento, Frei Blásio Kummer destaca a trajetória do religioso e afirma também saber dos rumores sobre o conclave de 1978. “Ele entrou no conclave como forte candidato a ser eleito. Nunca se soube ao certo, porque isso não é divulgado, ninguém revela”.

O sigilo que envolve os conclaves impede a confirmação oficial, mas o prestígio do cardeal alimenta há décadas essa especulação. Segundo o frei, a memória de Dom Aloísio também segue no debate sobre sua possível canonização.

Para ser reconhecido como santo, a Igreja exige sinais concretos, como milagres. Até o momento, não há registros de milagres oficialmente atribuídos a Lorscheider, mas o frei acredita que a história do religioso ainda pode revelar novos fatos. “Pode ser que esses fatos ainda venham à tona. Às vezes, esse é um processo demorado”, afirma.

Curiosidades

  • Foi o único cardeal brasileiro até hoje a receber votos em um conclave, em 1978.
  • No filme “O Poderoso Chefão parte 3”, ele é citado durante a votação para eleição do novo papa, em 1978, em que foi eleito o papa João Paulo I.
  • Esteve presente na Inauguração do primeiro Centro de Evangelização da Comunidade Católica Shalom, em 9 de Julho de 1982, em Fortaleza-CE.
  • Em 15 de março de 1994, foi tomado como refém por detentos do Instituto Penal Paulo Sarasate, em Fortaleza, enquanto acompanhava uma visita da Pastoral Carcerária. Dom Aloísio pediu que fosse o último dos reféns a ser libertado, o que aconteceu 20 horas depois.
  • Enquanto estudava no Pontifício Ateneo Antoniano, tinha como hábito assumir a limpeza dos corredores e lavatórios. A prática, dizia, servia para exercitar a humildade de um bom discípulo de São Francisco de Assis.

A vida do cardeal

  • 1924 – Aloísio Lorscheider nasceu em 8 de outubro, em Picada Geraldo, Estrela, neto de imigrantes alemães
  • 1934 – Entra no Seminário Franciscano em Taquari, com apenas 10 anos
  • 1942–1948 Estuda Filosofia e Teologia em Daltro Filho, Garibaldi, e Divinópolis (MG)
  • Adota o nome religioso Frei Aloísio
  • Em 22 de agosto é ordenado sacerdote
  • 1949–1952 Doutorado em Roma
  • 1962 – Se torna Bispo de Santo Ângelo, nomeado por João XXIII. Em 20 de maio é ordenado bispo em Porto Alegre, onde atuou por 11 anos
  • 1968–1978 Integra a direção da CNBB como secretário e depois presidente por dois mandatos
  • 1970 – É preso pelo DOPS durante o regime militar
  • 1973 – É nomeado Arcebispo de Fortaleza
  • 1976 – É nomeado cardeal por Paulo VI
  • 1978 – Participa dos conclaves que elegem João Paulo I e João Paulo II
  • 1995 – Toma posse como Arcebispo de Aparecida
  • 2004 – Pede renúncia e passa a ser arcebispo emérito de Aparecida
  • 2007 – Morre em Porto Alegre, aos 83 anos

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