Encantado vive um novo ritmo desde a abertura do complexo do Cristo Protetor no dia 6 de abril. Passado o primeiro mês da inauguração, mais de 42 mil pessoas se deslocaram até o Morro das Antenas, movimento que consolida o monumento como um dos principais atrativos do Rio Grande do Sul. “O mês de abril de 2025 ficará para sempre marcado na história. O Cristo Protetor se consolida como um símbolo de fé e desenvolvimento, um presente para nossa cidade e região”, comemora a diretora do complexo, Vanessa Goldoni Gonzatti. “Todos sentem esse novo tempo. Há um Encantado antes e um Encantado depois do Cristo.”
O fluxo intenso já reflete na cidade e arredores, com restaurantes lotados, hotéis com alta ocupação, maior procura pelos postos de combustíveis e expectativa de crescimento nas vendas do comércio. Segundo levantamento da Secretaria Municipal de Turismo, o município conta com 400 vagas na rede hoteleira e de pousadas e cerca de três mil cadeiras nos restaurantes e estabelecimentos gastronômicos.
“A gente vê uma cidade diferente, muito movimentada, principalmente aos finais de semana, embora o Cristo Protetor esteja aberto de terça a domingo”, comenta a secretária Karina Mezzomo, que percebe ainda a circulação de grupos na área central durante a semana em visitas à Igreja Matriz, à Casa de Cultura e à Escadaria de Azulejos. “Isso é muito novo. Não estávamos acostumados”, admite. Conforme Karina, embora o turismo esteja aquecido, as estratégias do governo se voltam para ações macro, com olhar para o desenvolvimento de todas as áreas. “Trabalhamos para ter um município cada vez mais próspero, em condições de atender os encantadenses e a todos que vêm nos visitar”.
Morador de Encantado e presidente da Associação dos Municípios de Turismo da Região dos Vales (Amturvales), Rafael Fontana acompanha de perto esse cenário. “Percebemos que existem alguns empreendedores que são rápidos na resposta e conseguem atender esse aumento do fluxo. E outros demoram um pouco mais. Evidente que tivemos um acúmulo em alguns restaurantes, por exemplo, uma espera de até 30 minutos para a pessoa ser atendida, mas é normal para esse momento”, comenta.
Com a lotação dos espaços gastronômicos de Encantado, cidades próximas como Muçum e Lajeado viram alternativas. Situação semelhante vive o setor hoteleiro. Sem vagas em Encantado, Lajeado, Muçum, Vespasiano Corrêa e até Guaporé se beneficiam. Além disso, ganha força a locação de espaços de residências particulares por meio de plataformas digitais como o Airbnb.
Proprietária do Hotel Rizzi, Adriana Rizzi revela que a rotina mudou drasticamente. “Foi um aumento considerável, ocupamos 100% dos leitos, a maioria de casais e famílias do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná e até do Uruguai. Mesmo com a nossa capacidade, estamos com cinco trabalhadores a mais, além de contar com free-lancers nos finais de semana. Estamos comprando mais em mercados, padarias, produtos de limpeza e lavanderias devido à demanda”, salienta a empresária. “O turismo gera uma cadeia grande de fornecedores. Estamos muito felizes, por nós, que já estamos no ramo há mais de 35 anos, e por colegas que estão iniciando agora.”
Permanência do turista por mais dias desafia o setor
Os quatro contêineres da pousada Jardim Encantado, na Linha Santa Teresinha, receberam hóspedes nos últimos finais de semana. Porém, uma das preocupações da proprietária Vanderleia Draghetti Cardoso
está na queda de movimento de segunda a sexta-feira. “Se o ramo de hotelaria for depender só do movimento de sábado e domingo, não paga as despesas, porque conta só uma diária”, ressalta. Para a empresária que já possuía investimentos em Gramado, a cidade precisa oferecer outros atrativos além do Cristo Protetor para que as pessoas se sintam atraídas a ficar em Encantado mais tempo e aquecer a economia. Embora as incertezas, Vanderleia acredita no potencial da região e confirma a ampliação da pousada com a instalação de mais duas suítes com capacidade para abrigar casais com filhos.
Transformar a visita em permanência, aliás, é uma das principais metas da Amturvales. Porém, exige planejamento, estrutura e principalmente informação de qualidade, avalia o presidente Rafael Fontana. “Estamos trabalhando, e não é rápido, na questão de termos mais informações. Quais estabelecimentos estão abertos, os horários, o cardápio. É importante ter informações disponíveis a todo instante para o visitante. Porque a principal pergunta que os turistas fazem ao chegar é direta: ‘O que eu faço agora?’
Fontana comemora a entrada de Encantado e do Vale do Taquari na rota das grandes agências de turismo, o que impulsiona o fluxo de visitantes. “As agências colocaram o Cristo Protetor e o Vale do Taquari no portfólio. Mas querem oferecer outros atrativos para que o turista permaneça mais dias”, salienta.
Acréscimo de 30%
“O fluxo de pessoas aumentou significativamente, cerca de 30%, sobretudo aos finais de semana”, revela a empresária Diana Lorenzon, do Restaurante e Churrascaria Lorenzon. O estabelecimento reforçou o quadro de colaboradores e free-lancers e projeta investimentos em melhorias na estrutura. “Sempre nos preocupamos em atender bem o turista, pois a gastronomia é parte muito importante de qualquer passeio”. Um dos desafios é ajustar o horário de atendimento, em função de que muitos turistas costumam almoçar mais tarde, se comparado à rotina dos clientes tradicionais.
“Esse é um desafio que estamos enfrentando. Nossos colaboradores não estão acostumados com outro horário”, diz Diana, que observa ainda a necessidade de engajamento maior de todos os elos da cadeia turística.
A proprietária do restaurante do Pórtico Encantado (antigo Clover), Juliana Cavalheiro Souza, salienta que o aumento de clientes no último mês foi expressivo, oriundos de cidades como Porto Alegre, Cachoeirinha e Tramandaí. “Foi uma mudança grande, principalmente nos finais de semana, melhorou muito”, conta. Com a demanda elevada, novos colaboradores foram contratados. “Não havíamos planejado, mas foi necessário. Nos finais de semana chegamos a ter 15 pessoas em serviço”, revela.
Integrar o centro com o Cristo
A loja de roupas de Diogo Spessatto fica no centro e, nos últimos dias, recebeu clientes de São Francisco de Paula, Canoas, Porto Alegre, Ivoti e até do Espírito Santo. “Em sextas e sábados, a circulação de pessoas é maior no comércio”, comenta. Spessatto, que integra as diretorias da ACI-E e CDL, entende que Encantado ainda está em fase de adaptação à nova realidade turística.
O empresário acredita que o comércio terá retorno maior quando os hotéis estiveram com a ocupação permanente na faixa de 80%. Ele também reconhece a necessidade de integrar mais o centro com o Morro das Antenas. “Precisamos encontrar uma forma saudável de estreitar a parceria entre Associação Amigos de Cristo e as lojas do centro. Penso que os próprios lojistas e atendentes poderiam vestir a camisa do Cristo para divulgar mais”, exemplifica. O projeto de revitalização das ruas Júlio de Castilhos e Padre Anchieta, proposto pelo governo de Encantado, é outra iniciativa que deve contribuir para atrair os turistas, acredita Spessatto.
O encantadense Luiz Carlos Bagatini, 72, atua como frentista no Posto Ipiranga há 46 anos. Mesmo tendo presenciado a rotina do município em quase meio século, Bagatini se surpreende com o número de novos clientes oriundos de todo o Estado desde a inauguração do monumento. “De segunda a sexta aumentou também, mas o movimento mesmo é fim de semana. Percebemos ser pessoas de fora visitando a cidade. Comparando com a rotina de antes, foi um aumento bem expressivo”, comenta.
Nova realidade e carências
Para a guia de turismo Ruti Tramontini, Encantado vive um momento de consolidação no setor. “Chegou a tão esperada ‘nova realidade’ que trabalhamos há anos para acontecer”, afirma. Ruti acredita que essa nova fase exigirá um esforço contínuo de qualificação por parte dos empreendimentos e dos profissionais do setor.
Ao mesmo tempo, enxerga na comunidade encantadense um papel fundamental nesse processo. “O sentimento de pertencimento e de acolhimento será fortificado diariamente e tornará Encantado uma cidade que deixará marcas positivas nas pessoas que por aqui passarem”, projeta.
O espaço M Container Café Com Arte, localizado às margens da rodovia ERS 129, a 500 metros do pórtico de acesso a Encantado, virou ponto de informação ao turista que se desloca pela região alta do Vale. Além de souvenirs e artesanatos produzidos pela proprietária Márcia Finatto, o estabelecimento oferece lanches e bebidas preparados na hora. Ao mesmo tempo que percebe a grande movimentação de turistas, Márcia alerta que Encantado ainda está se descobrindo como cidade turística. “Eu fico com um percentual pequeno desse público, mas consigo coletar muitas informações de pessoas que chegam de vários municípios e Estados. As maiores necessidades relatadas por elas ainda são falta de informação, de orientação, de sinalização e de locais para hospedagem. Saber receber, tratar bem, acolher também são carências apontadas. Realmente ainda carecemos de infraestrutura para tantos turistas”, constata Márcia. “Tento compensar com meu bem receber e servir.”