Os impactos das telas e a busca por um novo jeito de educar

Os impactos das telas

Os impactos das telas e a busca por um novo jeito de educar

Estudos apontam efeitos neurológicos graves do uso precoce de celulares e jogos digitais em crianças. Em resposta, iniciativas como o Projeto “LEIA” resgatam a leitura no papel como caminho para o equilíbrio

Os impactos das telas e a busca por um novo jeito de educar
Brasileiros passam, em média, 56% do tempo acordado conectados, e os prejuízos são percebidos na medicina. (FOTOS: BIBIANA FALEIRO)

Tédio constante, dificuldade de concentração, explosões de irritação e até mesmo necessidade de internação. Esses são sintomas cada vez mais comuns nos consultórios pediátricos. A origem é definida e se torna um alerta: o uso excessivo de telas na infância.

Especialistas discutem o fenômeno e afirmam que o impacto das telas vai muito além da distração. Estudos recentes e relatos clínicos revelam que o uso excessivo de celulares, tablets e videogames pode alterar profundamente o funcionamento do cérebro, em especial, em crianças e adolescentes.

Para a médica Gabriela Crestani Pedó, especialista em clínica médica, os efeitos já podem ser comparados, em alguns casos, aos causados por substâncias químicas como a nicotina. “O excesso de tela pode ativar o sistema de recompensa cerebral de forma tão intensa que leva à liberação exagerada de dopamina, o mesmo neurotransmissor envolvido na dependência química”, alerta.

Gabriela Crestani, médica

Segundo a médica, essa “superestimulação” do cérebro, alimentada por conteúdos rápidos e coloridos, pode tornar as experiências do dia a dia, como uma refeição em família ou uma caminhada ao ar livre, desinteressantes. “A criança começa a achar tudo sem graça, sente tédio com facilidade e isso é um sinal de desregulação. Muitas vezes o que está por trás da ansiedade ou da irritabilidade não é um transtorno em si, mas um uso abusivo da tela”, explica.

Alerta

Nos consultórios, os casos preocupam: crianças que passam até 9 horas por dia em frente às telas e pais que, muitas vezes, sequer reconhecem o problema. Em algumas situações, Gabriela relata a necessidade de internação pediátrica para desintoxicação digital.

A médica defende que o uso das telas seja guiado pelos marcos do desenvolvimento infantil. Abaixo dos 2 anos, o ideal é que a criança não tenha contato com nenhum tipo de tela, nem mesmo a televisão. “O cérebro, nessa fase, está em pleno desenvolvimento. Dar informação pronta demais para a criança é como cortar caminho”, alerta.

O grande desafio, segundo Gabriela, não está no tempo de exposição, mas na qualidade da interação familiar. “Não é só sobre proibir o celular. É sobre estar presente. Criança precisa de presença, de olho no olho, de alguém que jogue bola, que cozinhe junto. Isso exige esforço, mas é um investimento que vale muito a pena.”

Na educação

Paulo Gustavo Senna, mestre em educação

A escola é onde os primeiros sinais do uso excessivo de telas é percebido. O professor Paulo Gustavo Senna, doutor em Memória Social e mestre em Educação, tem observado esse fenômeno de perto nas salas de aula e alerta para o que classifica como um “dano silencioso”. “O uso excessivo das telas causa inúmeros transtornos. E, muitas vezes, esses impactos não são percebidos pelas famílias, mas se tornam evidentes na escola”, afirma.

Segundo o professor, um dos pontos mais críticos está no prejuízo ao córtex pré-frontal, região do cérebro responsável por funções como tomada de decisão, controle da ansiedade e julgamento. “Quando há exposição precoce e frequente às telas, especialmente na primeira infância, esse desenvolvimento pode ser comprometido. Percebemos isso no aumento de casos de agitação, dificuldade de foco e até dependência de estímulos constantes”, relata.

Saúde emocional

Senna defende que as famílias criem rotinas com limites e ofereçam alternativas ao entretenimento digital. Ele dá o exemplo da própria casa: sua filha, de cinco anos e meio, não usa celular. “Ela já entendeu que só terá acesso quando for mais velha. Em vez disso, nós lemos, jogamos, inventamos brinquedos. Ela participa, cria, imagina.”

O professor também se mostra preocupado com os impactos emocionais do universo digital. “As redes sociais mostram só os dias bons. Crianças que ainda não têm maturidade emocional pensam que só elas vivem momentos difíceis. Isso gera ansiedade e baixa autoestima.”

O educador acredita que há caminhos acessíveis para resgatar o equilíbrio. “É possível criar momentos de interação e afeto. Brincar, conversar, pedalar junto. Tudo isso libera dopamina, que é o mesmo neurotransmissor associado ao prazer que as telas ativam, só que de maneira saudável”, afirma.

Longe das telas

Fernanda Monteiro é mãe da Valentina e do Benício, e acredita nos benefícios das brincadeiras para o desenvolvimento dos filhos

Esse meio termo é buscado por muitas famílias da região, que encontram alternativas para garantir o desenvolvimento saudável dos filhos. É o caso de Fernanda Monteiro, 37, empresária do ramo infantil e mãe de dois filhos, Valentina, de 9 anos, e Benício, de 3.

A moradora de Teutônia conta que a família faz um esforço consciente para reduzir o tempo de tela das crianças. A aposta é em atividades ao ar livre e momentos de convivência. “Sempre que temos um tempo livre, como nos feriados ou finais de semana, buscamos estar fora de casa, ir ao parque, dar uma volta de bicicleta no bairro, visitar os dindos”.

A rotina inclui passeios simples, mas também se estende para dentro de casa. Jogos de tabuleiro e brincadeiras tradicionais ajudam a manter o engajamento das crianças de forma criativa. “Hoje, muitas crianças perdem esse tempo com a família, por estarem sempre em frente às telas. Lá em casa não é perfeito, mas fazemos o possível para evitar isso.”

Limites

Para o publicitário e escritor Gilberto Soares, o problema não é a ferramenta em si, mas a ausência de limites. Ele cita, ainda, os impactos negativos das redes sociais, como a passividade do usuário e a perda da capacidade crítica.

“As redes sociais nos tratam como consumidores passivos. Não somos protagonistas do conteúdo. Não criamos, apenas consumimos, e isso é grave”, alerta. Ele cita a diferença entre interagir com uma tela e com um livro, por exemplo. “Ao ler, somos desafiados a imaginar cenários, a interpretar, a participar da criação.”

Programa Leia

Dentro desse cenário, o publicitário integra o novo projeto do Grupo A Hora: o programa “LEIA” (Ler, Entender, Interpretar e Aprender). Um projeto educacional que visa estimular o hábito da leitura entre estudantes por meio do uso do papel, como jornais, revistas e livros, em contraponto ao uso das telas.

A proposta é levar conteúdos lúdicos, informativos e pedagógicos para dentro das escolas, por meio de um caderno impresso periódico, que terá início em maio. O objetivo é complementar o trabalho dos professores, valorizar a leitura impressa e fortalecer a relação entre imprensa, escola e família.

Alertas dos especialistas

  • Brasileiros passam, em média, 56% do tempo acordado conectados;
  • Os impactos do uso excessivo das tecnologias incluem desregulação da dopamina, sobrecarga cognitiva, efeitos comparáveis ao uso de nicotina e álcool;
  • Para as crianças e adolescentes, os riscos também são percebidos com prejuízos no desenvolvimento de competências, aumento da ansiedade e do comportamento impulsivo, e no comprometimento das relações familiares e sociais;
  • Caminhos para uma infância saudável: reforço dos laços familiares, atividades físicas e convívio social sem telas, informação e conscientização dos adultos.

Confira o programa Saúde em Dia

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