As famílias da região ainda vivem o luto e buscam o recomeço, um ano depois da tragédia. Em maio de 2024, as enchentes deixaram entre as marcas, 50 óbitos e 14 pessoas desaparecidas. Outras centenas ainda aguardam moradias e tentam reestruturar suas vidas.
Ademar Boaro enterrou sete pessoas de sua família nas últimas duas enchentes. Ele aponta para o deslizamento em Linha Fernando Abott, em Roca Sales. “Aqui foi a pior tragédia, perdi seis familiares”. Outra vítima foi de um soterramento próximo. Ele passeia pelo local diariamente, na companhia de dois cães.
Boaro precisou de ajuda psicológica. Mas manteve-se forte nas horas cruciais. “Eu ajudei a distribuir cestas básicas durante as tragédias”, relembra. A participação ativa, no entanto, não o livrou do trauma. Durante 30 dias, a comunidade ficou ilhada, sem acesso à luz, água ou comida.
Boaro abrigou em casa, dez pessoas que perderam os lares. E nos momentos mais tensos, o grupo se revezava na vigília noturna. No tempo chuvoso, uns observavam os morros com a ajuda de lanternas e outros dormiam. Todos atentos aos movimentos de terra. Era um sono obrigatório, não reparador.

Ademar Boaro perdeu a família em deslizamento na Linha Fernando Abott, em Roca Sales. (Foto: ANDRÉIA RABAIOLLI)
Dormir de verdade, apenas nestas últimas semanas, quando a vida volta ao ritmo. “Com a ponte e os acessos liberados, nossa situação começa a se normalizar”, relata Boaro. Na voz, um forte apelo.“Desejo que isso nunca mais aconteça. Nunca mais”.
Sem respostas
No dia 30 de abril, completou um ano que os moradores de Linha Jacarezinho, em Encantado, César Gilmar das Chagas, 53, e Bernardete Marques da Silva, 49, estão desaparecidos. Uma das filhas, Gicele Andressa Das Chagas, 23, conta que o último contato com o casal foi pelo WhatsApp.
“Não consegui contato no dia 30 e no dia 1° de maio consegui entrar em um grupo de moradores de Encantado e região. No dia 2, eu comecei a assistir as lives feitas pelos veículos de comunicação e consegui anunciar o nome dos meus pais ao vivo”, conta.
Gicele diz que a polícia informou à irmã, Vanessa Aparecida Das Chagas, 38, sobre o relato de um vizinho, confirmando que César e Bernardete estavam na casa, que ficava próxima ao posto do Pedrão e ao lado da residência de Josiane Machado, que morreu durante um deslizamento de terras na localidade durante os temporais. A casa dos pais também foi levada pelos deslizamentos.
A jovem diz ter sido um momento difícil de buscas. “É uma tormenta pra não saber onde eles estão ou onde estão os corpos”.
Depois de um ano do ocorrido, ela conta ter se aproximado dos avós, e também manteve contato com a irmã. “Minha avó me incentiva a seguir em frente. Fiz três viagens a passeio, uma fora do estado. Mesmo assim, é quase inevitável não pensar na falta que sinto todos os dias”.
Gicele passou o primeiro aniversário da mãe e do pai sem eles e afirma que o local onde viviam ainda está soterrado. “Não nos informam se vão ser feitas ainda buscas. Não ter mais nenhuma informação é a pior parte”.
Com esperança

A última vez que Paulo viu a mãe, Diana Alvez Meireles, foi no dia 30 de abril de 2024, no Passo de Estrela
A última vez que Paulo Everton Fiel viu a mãe, Diana Alvez Meireles, também foi no dia 30 de abril de 2024. O encontro foi na casa da família, no Passo de Estrela, em Cruzeiro do Sul. “Almocei com ela e arrumamos as coisas. Ela me disse para ir a Lajeado e ajeitar o meu apartamento, que tinha sido atingido pela enchente em 2023”.
Diana ficou em Cruzeiro com o caseiro, o Ninja. “Até aquele momento, a enchente não tinha previsão de ser maior que a de setembro”, lembra. Em Lajeado, a água começou a invadir o prédio de Paulo, no Hidráulica.
“A água começou a subir e a previsão da cheia mudou. Minha mãe disse que estava tranquila, que conversaríamos na sexta”. Paulo ligou para a Defesa Civil e pediu resgate para a mãe.
“Só tive noção do que aconteceu no sábado, quando vim até a divisa entre Cruzeiro do Sul e Lajeado”. Diana e o caseiro nunca foram encontrados. “Eu procurei pela mãe em todos os abrigos do Vale do Taquari e até na Região Metropolitana. O corpo também não foi encontrado. Costumo dizer que tenho 1% de esperança dela estar viva. Ela sofria com Alzheimer, então talvez esteja em algum lugar. Ainda pago a conta do telefone dela, talvez alguém ligue um dia.”