Perseverança, resignação e esperança. Três palavras basilares no dicionário dos empreendedores do Vale do Taquari após a sequência de inundações de 2023 e, em especial, de maio de 2024.
Na maior tragédia natural da história do país, ficou claro o quanto estratégias e planos podem ruir sem aviso prévio. Apesar do cenário dramático, a identidade do empreendedor regional, voltada a superar desafios, encontrar soluções nas dificuldades e trabalhar por dias melhores, faz com que negócios prejudicados comecem a recuperar o mercado perdido.
“Tivemos grandes prejuízos. Nem gosto de falar. Primeiro com a inundação de setembro. Tentamos voltar para o mesmo endereço, quando tivemos a de novembro, já sabíamos que não dava mais. A de maio do ano passado veio para confirmar. Hoje, estamos com 30% da nossa capacidade produtiva em um pavilhão alugado em Estrela”, conta o diretor da Lajeadense Vidros, Renato Arenhart.
Marca reconhecida em todo o Estado, a Lajeadense investe em uma nova sede. A fábrica ficava na rua Bento Rosa, próxima ao Rio Taquari. Agora, tanto a manufatura de vidros quanto a administração vão para o prédio no bairro Imigrante, próximo a BR-386. “Mantemos a empresa na nossa cidade. Temos vinculação com Lajeado, não só pelo nome, mas pelos nossos colaboradores.”
Conforme estimativa em relatório da Câmara da Indústria e Comércio (CIC-VT), a empresa teve mais de R$ 20 milhões em prejuízos. Estoques, equipamentos, máquinas e matéria-prima foram levados pela força da correnteza. “Na nova sede, teremos o dobro da capacidade produtiva”, conta Arenhart. O investimento na construção supera os R$ 5,5 milhões. A empresa emprega cerca de 120 funcionários.
Mudança de endereço
Vizinha da Lajeadense antes das inundações, a STW Automação antecipou a mudança. A decisão veio depois de setembro de 2023. A construção avança no 386 Business Park, em Estrela.
O complexo administrativo e fabril terá cerca de 7,5 mil metros quadrados, com investimento estimado em R$ 20 milhões, entre construção, infraestrutura e aquisição de maquinários.
Mudança quase um século depois
A indústria com quase 100 anos de história, a Vinagres Prinz deixa Lajeado. Vai para Estrela. A perspectiva é que a mudança ocorra ainda neste ano. Por enquanto, segue a produção na rua Osvaldo Aranha, próximo ao Rio Taquari. A nova sede será em Delfina, em uma área com mais de 8,7 metros quadrados.
Segundo o diretor, Walter Horst Koller, a agilidade técnica da empresa foi fundamental para o processo de conclusão e liberação da licença ambiental da Fepam. A capacidade produtiva da empresa deverá chegar a 30 mil frascos de produto por hora, quando todas as linhas estiverem a pleno. A Vinagres Prinz investirá R$ 30 milhões em todo o projeto.
Recuperar clientes
Entre os negócios impactados, a Sucata Wiebelling, de Lajeado, ainda tenta recuperar o espaço perdido. O proprietário, Leandro Wiebbeling, mantém o negócio aberto, na espera de apoio de políticas públicas para transferir a empresa para uma área mais segura.
A sucata foi fundada há 50 anos pelo pai de Leandro, hoje com 82 anos. Além da empresa, o aposentado também perdeu a casa na tragédia. A família também se esforça para manter o quadro de funcionários, tentando evitar demissões.
Leandro tem investido recursos próprios para manter a empresa. Foram quatro enchentes de grande porte. De acordo com ele, agora é a situação mais crítica. “Não tem nem cerca mais. Estou aqui, vou fazer o que? Estamos segurando as pontas do jeito que dá”, relata Leandro. A clientela da sucata diminuiu 70%, reflexo da devastação da área onde o negócio está localizado.
Troca de endereço impacta nos empregos
Outra empresa histórica da região, a Fontana S.A, de Encantado, transfere parte da produção para Teutônia. “Estamos com uma dificuldade em termos de trabalhadores. Muitos são de Encantado, e preferem mudar de empresa do que fazer viagens para atuar em Teutônia”, conta um dos sócios, Angelo Fontana.
“Temos processos seletivos, mas tem sido bastante difícil conseguir interessados. Vemos que toda a região está com carência de mão de obra”, realça. A fase de implantação das linhas começou neste mês. A indústria voltada a produtos de higiene foi uma das 13 empresas de médio e grande porte da região mais prejudicadas pelas inundações. “Fomos a que mais demorou a retornar. Além dos prejuízos, agora temos uma grande dificuldade em reconquistar espaço nas prateleiras dos supermercados”.
Permanência para fortalecer o Vale
“A continuidade das empresas na região é fundamental. São elas que vão contribuir com a retomada do Vale. Quanto mais rápido o trabalho voltar, melhor. Assim a nossa região vai conseguir superar as dificuldades”, acredita a economista, doutora em Desenvolvimento Regional e presidente do Conselho de Desenvolvimento (Codevat), Cintia Agostini.
Muito desse movimento de continuar com vínculos locais, diz, se deve à característica dos negócios. “Se tivéssemos grandes corporações, menos comprometidas com o território e com as comunidades, talvez a história seria diferente.”
Para Cintia, indiferente de alguma mudança de endereço, o importante é que as atividades produtivas permaneçam dentro da região.
Conforme o contador e consultor empresarial, Valmor Kapler, a migração entre cidades do Vale desloca a arrecadação de um município para outro, mas a riqueza continua na região. “Esse deve ser o nosso propósito maior, o desenvolvimento regional”, frisa.
Nestes termos, realça que os municípios que dispõe de áreas para instalar as empresas serão favorecidas no aspecto econômico e social pelo deslocamento das pessoas em busca de oportunidades de trabalho. Junto com isso, orienta: “construir ou reconstruir as empresas fora das áreas de risco agrega valor e solidez aos negócios.”