O setor agrícola do Vale do Taquari enfrenta um processo de retomada um ano após a maior catástrofe natural da história do país. Esse caminho passa pela recuperação de áreas produtivas e busca condições econômicas para as famílias continuarem nas atividades.
As enxurradas desde setembro de 2023 danificaram o solo, cobriram locais de produção com detritos e lama, e causaram perdas em cerca de 45% das áreas produtivas, conforme levantamento da Emater em conjunto com o Conselho de Desenvolvimento (Codevat).
O perfil agropastoril da região baseia-se na suinocultura, avicultura e pecuária leiteira. Lavouras de soja, milho e pastagens servem de base alimentar para as criações e complementam a renda das famílias. As propriedades locais têm uma média de 14 hectares de área, tamanho que se enquadra no perfil da agricultura familiar.
Há três preocupações do setor: renegociação ou perdão das dívidas; acesso a crédito (tanto para equipamentos quanto para custeio); e recuperação do solo. A presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Teutônia, Westfália e Poço das Antas, Liane Brackmann, realça que os financiamentos do Plano Safra precisam ser pensados para atender produtores que estão negativados frente aos prejuízos dos anos anteriores.
“Nos preocupa as taxas de juros, que podem registrar novo aumento. Também temos o Proagro. Para nós, quem perdeu tudo tem que ter o perdão da dívida”, defende.
Em termos de governo federal, o Ministério do Desenvolvimento Agrário e da Agricultura Familiar (MDA) autorizou o perdão proporcional das dívidas, de acordo com o nível de perda. “Em casos de perda total, o perdão é integral”, afirma o ministro Paulo Teixeira.
No Vale do Taquari, foram 40 mil laudos. Pela regra do programa, quem perdeu até 30%, poderia fazer a autodeclaração para acessar os descontos, conta o engenheiro agrônomo da Emater\Ascar-RS, Alano Tonin. Acima disso, é necessário a oficialização por meio de relatório técnico. “Estamos no fechamento dos dados, mas vamos passar de 2 mil laudos para acesso ao Proagro.”
Pelos dados do MDA, em torno de 290 mil famílias campesinas gaúchas acessaram as políticas públicas de crédito e renegociação das dívidas. Pelo relatório, foram investidos R$ 2,5 bilhões no setor primário do RS após a tragédia de maio.

Os 26 hectares de lavoura que ficaram submersos foram totalmente recuperados. Já a produção leiteira reduziu. Hoje, são 70 vacas em lactação. Antes eram 180. (MAIO/2025)
Dez anos para recuperar o solo
O processo para retomada produtiva nas pastagens e grãos depende da qualidade do solo. Em muitas propriedades, a camada fértil foi levada pelas enxurradas ou coberta por detritos, areia e lama. A estimativa da Emater/Ascar-RS é que a retomada da capacidade produtiva leve até dez anos.
Segundo o superintendente adjunto da Emater, Carlos Lagemann, houve locais de acúmulo de detritos orgânicos, onde houve uma boa fertilidade. Já outros, todos os nutrientes se perderam. “É uma condição desuniforme. Muitas lavouras foram perdidas e o próprio solo deixou de ser produtivo.”
Ainda assim, afirma que há um processo de retomada. “O nosso produtor é muito resiliente. Houve ações emergenciais, tanto dos governos quanto da iniciativa privada e das próprias famílias. Em Estrela, por exemplo, mutirões comunitários com apoio de empresas garantiram horas-máquina para drenagem e descompactação do solo.
A Emater apresenta entre os dias 8 e 10 de maio o fechamento das safras. “Com o término dos levantamentos, poderemos saber o real impacto das enchentes no nível produtivo da nossa região”, antecipa Lagemann.
Medidas de amparo
De acordo com o ministro do MDA, Paulo Teixeira, entre os principais mecanismos para auxiliar a retomada produtiva do RS foram as linhas de crédito de R$ 1,2 bilhão. A operação oferece carência de três anos, prazo de pagamento de até dez anos e desconto de 30% no valor total.
“O apoio envolveu também a criação de três fundos de aval, o que permitiu a agricultores negativados contratarem novos financiamentos, inclusive sem a necessidade de regularizar débitos anteriores”, afirma e complementa: “nenhum banco pode negar crédito com base no histórico do agricultor gaúcho atingido pelas cheias. Essa foi uma orientação direta do presidente Lula.”
Em paralelo, o governo criou uma política de comercialização para produtos com selo de inspeção municipal, permitindo a venda em todo o território nacional. Em relação ao Plano Safra, o ministro afirma que os juros foram reduzidos e são considerados os mais baixos do país. Cita taxas de 3% ao ano para alimentos convencionais e 2% para produção agroecológica, em contraste com a Selic de 14,5%.
Contexto regional
Perfil Econômico:
• Estima-se que 80% da geração de renda no Vale do Taquari provenha do setor primário e do beneficiamento. A avicultura, suinocultura e pecuária de leite representam a maior parcela dessa produção.
• Eventos Climáticos: A região registrou inconstância climática nos últimos cinco anos, com secas extremas e chuvas acima da média. Entre setembro de 2023 e maio de 2024, ocorreram três grandes inundações, entre as cinco maiores do século.
Impactos:
• Aproximadamente 45% das áreas produtivas foram comprometidas, afetando diretamente mais de 40 mil propriedades.
• O solo agrícola foi degradado: em algumas áreas, a camada fértil foi arrastada pelas enxurradas; em outras, ficou coberto por lama, areia e detritos.
• Aproximadamente 2 mil laudos com prejuízos acima de 30% foram encaminhados pela Emater para acesso ao Proagro.
• Autodeclarações permitidas em casos de perdas de até 30% facilitaram o acesso aos programas emergenciais.
Perspectivas:
• O setor demonstra resiliência com a retomada parcial da produção, especialmente nas áreas que receberam ações emergenciais de descompactação e drenagem.
• O governo federal aposta em práticas sustentáveis, agricultura regenerativa e integração de cadeias produtivas como caminhos para a recuperação.
• A região poderá reconquistar os patamares produtivos anteriores se houver continuidade nas políticas públicas, investimento em inovação e cooperação entre esferas governamentais, cooperativas e produtores.
Entrevista
Paulo Teixeira • ministro do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar
“Sabemos que muito ainda precisa ser feito”
A Hora – A agricultura familiar, predominante na região, sofreu impactos severos. Estima-se que 45% das áreas produtivas foram atingidas. Qual a análise que o senhor faz deste ano subsequente à tragédia?
Ministro Paulo Teixeira – É com tristeza que lembramos esse período tão duro da vida gaúcha. Foi um acidente climático de grandes proporções. Nosso papel agora é reconstruir. E isso exige uma nova base: uma agricultura regenerativa. Precisamos recuperar áreas de proteção ambiental, as matas ciliares, repensar práticas e avançar para uma agricultura mais adequada do ponto de vista ambiental.
– E em termos práticos, quais medidas foram adotadas desde então?
Ministro Teixeira – Primeiro, nos concentramos no socorro, com apoio das Forças Armadas. Em seguida, suspendemos o pagamento de todos os contratos dos agricultores do Rio Grande do Sul. Todos, sem exceção, tiveram os compromissos financeiros paralisados.
Depois, liberamos R$ 1,2 bilhão em crédito para reconstrução. Esse recurso tem condições especiais: o produtor pega o valor e paga apenas 70%. Ou seja, há um desconto de 30%. Se o crédito for de R$ 100 mil, por exemplo, ele vai pagar R$ 70 mil, com três anos de carência e dez para quitar.
O governo federal também autorizou o perdão proporcional das dívidas, de acordo com o nível de perda. Foi uma mobilização impressionante. Quero agradecer a todos os integrantes dos movimentos dos produtores, ao MPA, que atuou junto com peritos e bancos para viabilizar esse processo. Em algumas situações, o agricultor precisou apresentar laudo técnico, especialmente quando as perdas eram elevadas. Já nos casos de perdas menores, foi aceito o modelo de autodeclaração.
– Como o Ministério pensa o futuro? Como incentivar a agregação de valor, alternativas produtivas e integração de cadeias?
Ministro Teixeira – Estamos retomando os colegiados dos territórios rurais. Também vamos enviar ao Congresso o projeto do Sistema Único de Assistência Técnica e Extensão Rural. A agregação de valor exige assistência técnica, e vamos fortalecer os serviços estaduais, estimular a extensão rural pelas universidades e levar o conhecimento da Embrapa para o agricultor. Esse é o caminho.
Sabemos que muito ainda tem que ser feito, mas quero assumir o compromisso com os agricultores do Vale do Taquari, pois o governo do presidente Lula está com vocês. O trabalho de vocês é muito importante para o Brasil. A agricultura gaúcha sempre foi sofisticada, com forte cultura cooperativa e, não tenho dúvidas, vamos alcançar os patamares produtivos de antes e recolocar a produção do estado em destaque nacional.