O aprendizado nos serviços básicos e nos abrigos

Um ano depois

O aprendizado nos serviços básicos e nos abrigos

Em 30 de abril do ano passado, o acumulado de chuva passava dos 500 milímetros e comprometia o abastecimento de água, a distribuição de energia e forçava as assistências sociais dos municípios a preparar ginásios, salões e albergues para receber os flagelados

O aprendizado nos serviços básicos e nos abrigos
Em Lajeado, onde a Corsan atende cerca de 50 mil economias, a situação é parcialmente resolvida. (Foto: Filipe Faleiro)
Vale do Taquari

“Foi um pesadelo. Não gosto nem de lembrar. Saí de casa entre o dia 29 ou 30 de abril. Fiquei até 22 de maio no abrigo”. Maria Liana Matias da Silva, foi uma das 1.336 pessoas que estavam nos ginásios destinados pelo governo de Lajeado durante a tragédia de maio do ano passado.

Naqueles dias de 2024, a região começava a entender a magnitude da inundação. Em 30 de abril, o Rio Taquari se aproximava dos 28 metros, número que indica uma cheia de grande porte.

Como a chuva não parava, os serviços públicos estavam em alerta, com a missão de retirar as pessoas das áreas de risco. “Não consegui salvar quase nada. Foi só a televisão. O resto perdi tudo”, relembra a aposentada de Lajeado, Leda dos Santos,70.

“Estávamos preparados para aquelas enchentes corriqueiras. Não para o que aconteceu no ano passado”, relembra o coordenador da Defesa Civil do município, Marcelo Maia. Mesmo em Lajeado, maior município da região, com mais poder aquisitivo e um plano de contingência estabelecido para crises, os abrigos não estavam preparados.

Houve problemas na logística para entregas de roupas e cobertores. O centro de distribuição estava no bairro Montanha. Havia problemas no deslocamento de veículos, tudo demorava, pois a interrupção do trânsito chegava nas ruas centrais. “Lembro que fiquei uns dois dias com a mesma roupa. Estava molhada, com frio e muito assustada”, emociona-se Rosilene Cardoso, que na época morava na rua Marechal Deodoro.

Um ano depois, as respostas ainda estão em formulação. “Estamos reestruturando todas as etapas da nossa atuação na gestão dos abrigos. As equipes passam por formações e, para o básico, alimentação, higiene e roupas, passa por credenciamento das empresas fornecedoras e organização dos donativos”, destaca a secretária de Desenvolvimento Social, Eliana Heberle.

Em termos regionais, a Consulta Popular do ano passado escolheu como um dos projetos prioritários o investimento de quase R$ 750 mil para desenvolver um software gratuito para os municípios capaz de fazer a gestão e monitoramento de abrigos, doações, necessidades de alimentação, higiene e limpeza para famílias atingidas por eventos climáticos extremos.

Maria da Silva ficou mais de 20 dias no abrigo e hoje está em uma casa pelo aluguel social. (Foto: Filipe Faleiro)

Cidade ilhada

Cruzeiro do Sul não tinha acesso. Na secundária, por Lajeado, pela Av. Beira Rio, ou pela ERS-130. “Nenhum de nós estava preparado. Não havia rota entre bairros, todas as ligações estavam bloqueadas. Se alguém precisasse ser removido do hospital, não tinha como”, diz o prefeito, César Marmitt.

Na época, estava fora da administração. Assumiu em janeiro. “Eu fui um dos atingidos. Minha casa foi invadida pela água. Sai com a roupa do corpo. Fiquei três dias nas ruas tentando ajudar a socorrer as pessoas.”

Os abrigos funcionavam de forma improvisada. “Quando assumimos a administração, percebemos que não se tinha cadastro de quem estava onde nos abrigos, nem controle de entrada e saída. As famílias ficaram espalhadas entre ginásios, salões, igrejas, sem registro formal”, reafirma.

Hoje, a administração projeta a construção de um pavilhão fixo, anexo ao ginásio no futuro novo bairro de Passo de Estrela. “Estimamos que até 30% da população possa precisar de remoção num próximo evento. Mas ainda não temos área definida nem recursos. Estamos buscando apoio no Estado e em Brasília.”

Entre as medidas em curso, estão um plano de logística para remoção com caminhões terceirizados, reestruturação do fornecimento emergencial de alimentação e kits de limpeza, e um protocolo de resposta por setores. “Tudo precisa estar pronto antes do próximo período crítico”, diz o prefeito.

Energia e abastecimento

A chuva começou em um sábado, dia 27 de abril de 2024. Na segunda, 29 de abril, o alerta de enchente foi feito. No outro dia, serviços básicos, como abastecimento de água e distribuição de energia elétrica começaram a falhar.

“A inundação escancarou a fragilidade das estruturas básicas. Energia, água, saneamento: nada disso suportou o impacto”, avalia a presidente do Conselho de Desenvolvimento (Codevat), Cintia Agostini.

A concessionária mais impactada foi a Certel, com danos estruturais em postes, cabos e linhas de transmissão. “Estamos acostumados com temporais que quebram de 70 a 80 postes. Neste último foram quebrados 1,2 mil postes”, relembra o vice-presidente, Daniel Sechi. No ápice da inundação, passou dos 40 mil associados sem luz.

Um ponto crucial nas ações da Certel para a reconexão da região, foi o investimento em tecnologias de redundância de rede e em inteligência artificial (IA), a fim de garantir a continuidade do fornecimento em situações adversas. Também foi ampliado o uso de religadores automáticos, dispositivos que permitem à equipe monitorar e restabelecer o fornecimento de energia de maneira remota.

Na área da RGE, o investimento para tornar a rede mais resiliente às intempéries passou dos R$ 7 milhões. Foram trocas de postes, religadores telecomandados. Segundo o consultor de negócios da RGE, Cristiano Guedes, estas obras são importantes investimentos para as regiões beneficiadas, pois “são focadas na qualidade do fornecimento e para tornar a rede mais moderna e mais robusta.”

Corsan: 95% das obras corretivas foram feitas

A Corsan admite os impactos da tragédia e apresenta avanços na reestruturação dos sistemas de abastecimento de água na região. Segundo o superintendente Regional de Relações Institucionais, Lutero Cassol, houve dificuldades e aprendizado.

“Foi uma catástrofe. Perdemos muitas vidas. A natureza respondeu com força às agressões humanas. A principal lição é que precisamos de estruturas robustas, mesmo que nem sempre isso seja suficiente diante de eventos extremos”, afirma.

Cassol reconhece que, em várias cidades, a água invadiu pontos de captação que nunca haviam sido atingidos antes. “Corrigimos entradas, redesenhamos estruturas, realocamos equipamentos. Hoje, tudo está em funcionamento com proteção elétrica e hidráulica em níveis mais altos.”

Em Lajeado, onde a Corsan atende cerca de 50 mil economias, a situação é parcialmente resolvida. “Todas as entradas de água na linha da inundação foram elevadas. Reestruturamos a casa de bombas, mas ainda falta a nova subestação e a plataforma de geradores.”

Lista de obras da Corsan

  • Bom Retiro do Sul todo o sistema foi refeito, com equipamentos elevados e nove poços perfurados para suprir emergências;
  • Taquari nova adutora sob o arroio, para garantir o abastecimento em caso de alagamentos;
  • Estrela perfuração de poços fora da área de risco, com vazão suficiente para manter a cidade em caso de cheia;
  • Cruzeiro do Sul nova adutora e nove poços, dos quais três foram aproveitados;
  • Roca Sales reconstrução completa das tubulações e perfuração de poços em locais seguros;
  • Encantado três poços artesianos estratégicos para manter o abastecimento quando a estação de tratamento parar;
  • Arroio do Meio adequação no sistema elétrico e adoção de um modelo misto de operação.

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