Qual a primeira lembrança que vem à sua mente quando lembra daquele dia?
São tantas, diversos fatos marcantes ocorreram. A situação da qual mais me recordo e que vem à minha mente é do momento em que meus sobrinhos mais velhos nos ajudaram a sair de casa. Minhas sobrinhas de 3 e 13 anos estavam comigo naquele dia, eram duas da tarde e, ao chegarmos na rua, a água já batia em nossa cintura. Os meninos nos acompanharam até uma parte do caminho e decidiram retornar, pois acreditavam que a enchente seria pequena. Naquele momento, nos despedimos com um abraço e pedi a Deus que os protegesse. Foi a última vez que vi um deles. Ali eu ainda não tinha ideia de que o pior estava por vir.
Qual a sensação de precisar recomeçar?
A sensação de precisar recomeçar do zero depois de ter tudo levado embora dessa forma é desgastante. Investi todos esses anos de trabalho naquela casa. Havia acabado de fazer uma reforma, ainda estavam faltando alguns retoques para finalizar. É triste e desanimador, sinto em muitos momentos como se minhas forças tivessem se esgotado. Nada sobrou além das roupas do corpo. Os móveis que tanto batalhei para ter, as roupas que comprei mas nunca havia usado, as cartas e presentes que recebi de amigos e familiares ao longo dos anos, tudo foi levado em poucos segundos.
Como você recebeu a notícia sobre seu sobrinho?
Quando consegui ir até um lugar alto para ver como estavam as casas do meu bairro e ter notícias, percebi que não havia mais nada além de água. Foi desesperador não saber se eles tinham sido resgatados, se haviam saído a tempo, se estavam vivos ou mortos. Às 17h do mesmo dia, recebi a notícia do seu desaparecimento, ele havia sido levado pela correnteza. Um mês depois, seu corpo foi encontrado em Estrela.
Quais os seus planos daqui para frente?
No momento, meus planos envolvem trabalho, continuar batalhando como sempre fiz para conseguir comprar o básico e necessário. Estou torcendo para que eu seja uma das contempladas pelo programa Compra Assistida, assim poderei ter uma casa novamente para chamar de minha.
Há alguma reflexão que tenha feito mediante todos esses acontecimentos? É possível tirar algum aprendizado diante de uma tragédia tão grande?
Tudo que aconteceu em minha vida faz com que eu reflita, por mais difícil que seja recomeçar, os bens materiais conseguiremos repor com o passar do tempo, mas a vida do meu amado sobrinho não tem preço, não há como comprar isso, não há como trazê-lo de volta. É possível viver com menos coisas, mas não há como aprender e nem aceitar a viver sem as pessoas que perdemos na tragédia. O principal ensinamento que fica é valorizar a vida que nosso criador deu a nós e a nossa família, amigos, vizinhos. Se amamos alguém, não devemos ter vergonha ou orgulho em admitir. Ali, sem eu saber, foi a última vez em que disse “eu te amo” ao meu sobrinho.