A morte do Papa Francisco encerra um capítulo singular na história da Igreja Católica. Mesmo para quem não compartilha da religião, o pontífice deixou um legado de humanidade em tempos de radicalismos. Em um mundo onde líderes religiosos e políticos muitas vezes alimentam divisões, Francisco fez do afeto uma linguagem universal.
Sua mensagem mais simples – “fazer o bem todos os dias” – pode parecer óbvia, mas representou uma revolução silenciosa. Em vez de dogmas inflexíveis, ele pregou a empatia como prática cotidiana: acolher imigrantes como irmãos, estender a mão aos marginalizados e, acima de tudo, não julgar. Neste planeta onde guerras e intolerância se multiplicam, a insistência em “combater a guerra com paz” soou quase como um ato de rebeldia.
Um dos seus ensinamentos mais subestimados foi a defesa do bom humor como virtude espiritual. “Rezo para não perder a alegria”, confessou certa vez. Neste cotidiano de redes sociais inflamadas e discussões estéreis, essa capacidade de sorrir diante da vida – sem perder a seriedade das causas – foi um antídoto contra o veneno do sectarismo. Sob seu comando, a Igreja redescobriu que santidade e humanidade permanecem compatíveis.
Agora, o desafio é evitar o retrocesso. Francisco desagradou conservadores ao abrir diálogos sobre divorciados, sobre união de pessoas do mesmo sexo e sobre a crise climática.
Mostrou que uma fé relevante não pode virar as costas aos dramas reais das pessoas. Seu sucessor herdará uma Igreja menos temerosa do mundo moderno – e mais consciente de que, como ele mesmo dizia: “Deus não cansa de perdoar; somos nós que cansamos de pedir perdão”.
Francisco lembrou que o amor não é fraqueza, mas a única força capaz de mudar histórias. Seu maior milagre talvez tenha sido fazer milhões – dentro e fora da Igreja – acreditarem nisso.
Samba de 1998 mais atual do que nunca
Bezerra da Silva, imortal da cultura brasileira, o sambista que uniu os morros do Rio de Janeiro. Em 1998, lançou “Pobre Aposentado”. A poesia, cercada de ironia com os rumos da previdência social, 26 anos depois soa menos como uma lembrança do passado e mais como um retrato do presente – ou, pior, como uma profecia que teima em se cumprir.
A queda do presidente do INSS, Alessandro Stefanutto, após a Operação “Sem Desconto” da Polícia Federal, escancara um esquema de R$ 6,3 bilhões em dinheiro desviado das aposentadorias. O caso, que atravessa os governos Bolsonaro e Lula, prova que o “jeitinho” de torcer o sistema em prejuízo dos mais vulneráveis não tem ideologia. Na verdade, tem endereço certo: o bolso de quem já vive no fio da navalha.
“Socorro, está pedindo o pobre aposentado, pra receber seus trocados ele tem que brigar, com os homens da lei. Se é isso que eles chamam, de um grande Brasil novo, o que será do meu povo, meu Deus, na verdade juro que não sei.”
O verso ganha nova camada, pois o dinheiro some antes de chegar. A PF investiga um esquema que, por cinco anos, sugou recursos de beneficiários sem que ninguém notasse (ou fingisse não notar).
Se vivo, o sambista repetiria o refrão, pois “do jeito que as coisas estão indo, já passou da hora do bicho pegar”. Por isso, não se pode permitir tamanha corrupção, ainda mais na previdência, algo que a quatro ventos se repete que está “quebrada”.
Enquanto isso, o samba de Bezerra segue atual. Porque no Brasil, algumas coisas nunca mudam – a criatividade dos corruptos, a resistência dos pobres e a necessidade de rir para não chorar. Ou, como ele dizia: “se o dinheiro não vem / Pega um violão e bota pra fora a dor”. O INSS pode até esquecer do aposentado, mas o samba não.
Quem lucra com a briga ideológica?
A polarização política no Brasil virou um espetáculo cansativo. A esquerda se perde em narrativas ultrapassadas e discursos que não ecoam na sociedade. A direita abraça um liberalismo de fachada e que na prática mantém uma relação de servidão ao grande capital. Neste ringue, o mercado especulativo segue intocado, acumulando lucros em meio ao caos institucional.