O que aconteceu com você para se tornar a pessoa que é hoje?
Com 17 anos eu acabei me acidentando de moto, eu era carona e o condutor acabou falecendo. Fiquei um ano e três meses na cama, com a possibilidade de não voltar com os movimentos, bem como a caminhar de novo. A retomada foi muito difícil por não conseguir praticar esportes como antes. Por muitas vezes me senti inútil por não poder carregar peso e com mobilidade reduzida. Nada mais fazia sentido para minha vida. Dei a volta por cima, pois ficar daquele jeito não me ajudaria a evoluir. Tomei uma atitude e me encontrei na bike.
Como foi enfrentar esse período tão delicado física e emocionalmente?
Eu estava prestes a completar 18 anos. Aquele sonho de todo adolescente em completar a maioridade, ser independente, fazer carteira de motorista e, de uma hora para outra, minha vida desandou. Quando acordei, estava em cima de uma cama, dependendo da ajuda dos outros para tudo. Não sabia se acordaria no dia seguinte. Fiquei ainda mais apavorado quando fui informado que havia grande possibilidade de ter a perna amputada. A coluna quebrada em dois pedaços, a C2 e C3 no encaixe do pescoço, cinco costelas quebradas, perdi o baço, quebrei a coxa duas vezes, tinha uma platina, seis parafusos. A canela estava esfarelada. Foi desesperador, mas vivi um dia após o outro. Tive ajuda da família e amigos que não me abandonaram e me deram energia para encarar aquele momento debilitado.
O que mais te ajudou a manter a esperança durante a recuperação?
Foi um processo lento e longo. Com o tempo, fui conseguindo me movimentar, fazendo fisioterapias, comecei a dobrar a perna, dando passos até chegar no ponto de andar sozinho. Pude sair da cadeira de rodas, largar as muletas. Fui tentar andar de bicicleta, minha grande aliada desde pequeno. Com os amigos, comecei a andar de bike, fomos para trajetos mais longos até ser convidado para participar de uma prova de audax, treinei e fui. Consegui fazer 200 km, isso foi muito emocionante, minha primeira medalha. Criei um grupo de ciclismo, grupo radicalizando Mato Leitão.
O que te motivou a continuar pedalando mesmo com os desafios?
A saúde, em primeiro lugar, porque conforme eu pedalava, a minha perna inchava menos. A minha respiração começou a melhorar, tive mais resistência física, mais força nas pernas e percebi que estava melhorando. Foi uma melhora significativa na minha vida em todos os sentidos.
Qual foi o momento mais marcante nesses 10 anos de ciclismo?
Dois momentos marcaram muito. O primeiro foi a oportunidade de atravessar a fronteira entre Brasil e Uruguai em uma prova de Audax noturna, 300km. Foi emocionante sair do Brasil com minha própria saúde, energia, sem estar dependendo de um motor de combustível, sendo que o meu combustível era minha alimentação e o motor era eu mesmo. Quando lembro, sem muita chance de andar novamente, poder participar de provas, impossível não chorar. Fazer o que gosto, me sinto realizado. A outra, foi durante uma prova que um colega quis desistir da prova, pois estava sentindo muita dor na perna por conta de um acidente e eu não permiti que ele desistisse. Conversei com ele, contei o que tinha acontecido comigo e ele encarou a prova até o final. Me abraçou e agradeceu por aquela atitude. Muitas pessoas me ajudaram quando precisei e hoje eu poder ajudar outras pessoas é gratificante para mim. A cada dia tento me superar, sei dos meus limites e sei que tenho a missão. Por conta disso, iniciei o curso de educação física para poder ajudar outras pessoas. Sou prova real de que quando a gente quer, a gente consegue.
O que o ciclismo representa na sua vida hoje?
O ciclismo foi a porta inicial para recomeçar a minha vida. Estava depressivo e a bicicleta me ajudou a superar tudo isso. O ciclismo me direcionou para a faculdade de Educação Física. Antes era visto como o rapaz que sofreu acidente, estava entre a vida e a morte e, hoje sou apontado como atleta da cidade, pois represento meu município nos eventos locais, nacionais e internacionais. A minha vida foi retomada a partir do ciclismo.
Olhando para trás, você imaginava que chegaria tão longe?
Eu não tinha muita esperança de voltar a ter uma vida normal. Naquela época, a única coisa que passava na cabeça era que a minha vida tinha acabado. Quando olho para meu passado, jamais imaginei que hoje pudesse estar fazendo o que estou fazendo. Fui recentemente pedalando até Torres. Muita gente vai de carro, moto para Torres e eu fui de bike. Me sinto realizado em vencer o limite com a minha saúde, força de vontade, conquistar mais de 60 medalhas, conhecer lugares e pessoas incríveis e não pretendo parar. Meu sonho é tirar férias, pegar a bike, fazer uma mochila com roupas e viajar, conhecer o mundo e voltar para casa, tudo isso na bike.