O cenário econômico, aliado ao alto custo de vida e ao endividamento recorde das famílias, pressiona o sistema financeiro e mexe em uma tradição do brasileiro, a caderneta de poupança.
De janeiro a março, os saques superaram os depósitos em R$ 45,7 bilhões, quase o triplo do saldo negativo registrado em todo o ano de 2024, quando a diferença foi de R$ 15,5 bilhões.
Em março, foram R$ 340 bilhões em depósitos e de R$ 351 bilhões nos saques, segundo relatório do Banco Central. O volume é 43% maior do que em fevereiro. No mesmo período do ano passado, o saldo foi positivo em US$ 1,3 bilhão.
Apesar do rendimento creditado em março, de R$ 5,8 bilhões, o saldo total da poupança segue na casa de R$ 1 trilhão – mesmo patamar registrado desde junho de 2024. A perda constante de atratividade da aplicação impacta o Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo (SBPE), que sustenta parte significativa do crédito habitacional no país.
Com isso, a Caixa Econômica Federal, responsável por quase 70% dos financiamentos de imóveis no país, mudou as regras. Hoje o banco financia até 70% do valor do imóvel pelo Sistema de Amortização Constante (SAC) e 50% pela Tabela Price. Antes, os percentuais eram de 80% e 70%.
Com isso, o valor da entrada sobe para até metade do valor do imóvel, conforme a modalidade. A medida também veta novos contratos para quem já tem financiamento ativo na instituição. O teto para o valor do imóvel foi mantido em R$ 1,5 milhão.
Menos poupança, menos crédito
Conforme análise da Fundação Getúlio Vargas (FGV), as constantes retiradas da poupança reduziram a participação no crédito habitacional. O sistema já chegou a representar 70% desse mercado. Hoje, não chega a 34%, calculam os especialistas. Com isso, os bancos perderam o acesso a um recurso mais barato, e a mudança nas regras da Caixa se tornou inevitável. A instituição também lida com a manutenção da taxa Selic em 13,25% ao ano, o que encarece o custo dos empréstimos.
A Caixa informa que entre 2014 e setembro de 2024, houve crescimento de 40,6% na execução do crédito imobiliário, passando de R$ 120,3 bilhões para R$ 169,24 bilhões. A carteira de crédito habitacional ultrapassou os R$ 800 bilhões, com mais de 7 milhões de contratos ativos. Só em 2024, foram concedidos R$ 175 bilhões em crédito imobiliário, alta de 28,6% na comparação com 2023.
Mudanças
Segundo relatório do JP Morgan, a caderneta registrou saídas também em 2022 (R$ 103 bilhões) e 2023 (R$ 88 bilhões). A queda persistente reflete a perda de atratividade da aplicação na poupança, diante de opções mais rentáveis no mercado de renda fixa.
A Selic alta impulsiona os títulos conservadores, como LCIs, LCAs e CDBs, que oferecem rendimentos superiores a 12% ao ano e, em alguns casos, isenção de Imposto de Renda, destaca a consultoria.
Como o brasileiro está lidando com o dinheiro em 2025?
Um raio-x das finanças da população
1. Poupança: mais saques do que depósitos
Em março de 2025, os brasileiros sacaram R$ 11 bilhões a mais do que depositaram na caderneta de poupança.
Nos três primeiros meses do ano, a diferença negativa soma R$ 45,7 bilhões, o triplo de todo 2024
O que isso significa?
A população está sacando para pagar dívidas, cobrir despesas do dia a dia ou fugir de investimentos com baixa rentabilidade real (a poupança perde para a inflação).
2. Inflação e rendimento: o poder de compra diminui
A inflação acumulada em 12 meses gira em torno de 4%, enquanto a poupança rende apenas 0,5% ao mês + TR (Taxa Referencial).
Isso significa que deixar dinheiro na poupança resulta em perda do poder de compra ao longo do tempo.
Muitos ainda escolhem a poupança pela segurança e liquidez, mas ela não compensa financeiramente.
3. Crédito imobiliário em queda
Os financiamentos habitacionais com recursos da poupança (SBPE) caíram 16% em 12 meses.
Em fevereiro de 2025 foram financiados R$ 10,2 bilhões em imóveis, bem abaixo do patamar de 2023 e 2022.
Por quê?
Juros ainda altos, incertezas econômicas e queda no saldo da poupança, que é a principal fonte de crédito imobiliário.