Logo que acorda, Maira Gisele Nonnemacher, 38, vai checar os filhos. Ajuda a se vestirem, e prepara os pequenos para a escola antes de começar o dia. A lajeadense descobriu o diagnóstico de Transtorno do Espectro Autista (TEA) de Arthur Miguel Stein, 8, e João Miguel Stein, 7, quando os dois ainda eram bebês e, desde então, lida com os desafios e as conquistas diárias dos pequenos.
A empresária já tinha duas filhas, Bruna Gisele Bastos, 17, e Rafaela Gisele Stein, 11. Assim que Arthur nasceu, Maira percebeu que o desenvolvimento do pequeno era diferente das meninas. Com fala tardia e alguns comportamentos como irritação, ela foi procurar ajuda.
“Os médicos falavam que o menino se desenvolveria mais tarde. Mas eu sempre ficava com a dúvida. Quando ele fez um ano, ainda não falava, só algumas palavrinhas e daí comecei a ir atrás”.
Em seguida, nasceu João Miguel. E os dois meninos começaram a apresentar comportamentos semelhantes. Foram diferentes exames até o diagnóstico. Segundo Maira, na época, as pessoas tinham receio de falar sobre o autismo.
Quando recebeu o diagnóstico, ela conta ter sido prática e procurou entender o que precisava fazer em seguida. O primeiro passo foram as terapias. Mas ela também aprendeu que o estímulo deve vir de casa.
Acolhimento
Maira entende a inclusão muito mais como empatia pelas famílias de crianças autistas. Ela afirma nem sempre ser o ideal colocar um pequeno com o transtorno em uma escola regular. Por isso, destaca o trabalho da Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (Apae), local onde os dois filhos frequentam, como um espaço próprio para o desenvolvimento deles.
Ela também acredita que pessoas com autismo devam ser estimuladas à autonomia e não tratadas como crianças para a vida toda. “O preconceito começa em casa. A partir do momento que tu tratar o teu filho igual, tu vai ver o quanto ele vai evoluir. Tu tem que pôr limite, tem que ensinar o que é certo e o que é errado e, acima de tudo, não ter preconceito”.
Para os pais, ela ainda sugere terapias e união. “A criança autista sem o pai e sem a mãe, fica perdida. Então, se os dois não estiverem vivendo em harmonia, a criança não vai evoluir”. Nesse processo, destaca o apoio do companheiro Lennon Ismael da Rosa, 35.
Os desafios são diários. Mas o amor dela pelos pequenos faz com que ela também priorize a sua saúde para poder cuidar dos dois. O maior desejo de Maira é vê-los crescer felizes e com autonomia.
Consciência
Marcado pela cor azul, o mês de abril serve para trazer consciência sobre o autismo. E, neste ano, o tema é “informação gera empatia, e empatia gera respeito”. A neuropediatra Fernanda Gabriel reforça a longa caminhada de inclusão necessária sobre o assunto e destaca os desafios de quem convive com o transtorno. “É uma batalha diária. A gente busca trazer informação para as pessoas terem mais conhecimento e, com isso, a gente almeja ter mais respeito”.
A profissional destaca o maior número de diagnósticos nos últimos anos e afirma que essa realidade está relacionada ao maior acesso às características do transtorno, além de modifi cações desse processo.
Segundo Fernanda, o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, chamado DSM, auxilia nessa identificação, já que não existem exames específicos para detectar essa condição dos pacientes.
“O autismo não é uma doença, é um comportamento, e daí temos esse manual que nos orienta sobre os critérios para essa identifi cação”. A profi ssional ainda observa uma mudança importante nesse documento, que facilita o diagnóstico. “Antes era transtorno global do desenvolvimento. Para enquadrar o autismo nesse diagnóstico era muito mais difícil. Hoje, a gente tem o espectro, que mostra variabilidade, que mostra que cada ser é único, individual e que vamos ter diferenças”.
A evolução também veio nos consultórios. Conforme comenta Fernanda, há 10 anos, não se falava no transtorno. Essa realidade também mostra adultos com diagnósticos tardios.
Equilíbrio
O autismo possui tratamentos, que incluem uma equipe multidisciplinar, a fim de fornecer os principais estímulos ou necessidades de cada paciente. Fernanda alerta para a importância da intervenção precoce para o desenvolvimento das crianças, mas também reforça o cuidado para que a infância não seja perdida nesse processo. “Ter esse meio termo entre uma agenda cheia de terapias e o tempo para ser criança”.
O psicopedagogo Ezequiel Marques Junior reforça que, logo após o diagnóstico, a preocupação dos pais é sobre o nível de desenvolvimento da criança. Ele destaca diferentes níveis de suporte necessários a um paciente com autismo e reforça sempre a possibilidade de evolução e certa autonomia.
“A criança vai precisar de mais ou menos estímulo, dependendo do nível de funcionalidade, para conseguir ler, escrever, por exemplo”. O profissional afirma que as terapias são importantes nesse caminho.
Espaço qualificado
Desde o ano passado, a Apae de Lajeado tem um espaço ainda mais qualificado e preparado para os diagnósticos de pessoas com autismo, entre outros transtornos. Chamado de clínica de saúde “Espaço A”, o serviço conta com equipe de neuropsicólogos, neuropsicopedagoga e psicopedagoga, para as avaliações cognitivas.
Entre os profissionais, está a neuropsicóloga Camila Mendes Vieira da Silva. “A gente acolhe muitas famílias que vem com a hipótese desse diagnóstico, além de outros transtornos do desenvolvimento. A gente visualiza hoje uma demanda maior, pela facilidade de ter acesso ao entendimento do que é o autismo, e do diagnóstico”.
No espaço, é traçado um perfil cognitivo e desenvolvidas estratégias de acordo com a demanda. A profissional afirma que os sintomas podem variar de um bebê para outro, e a presença de um ou mais deles não significa automaticamente que a criança tenha autismo. Camila percebe que com bom acolhimento e escuta sensível é possível fazer um bom acolhimento das famílias.
Exemplo aos mais novos
No tatame, Eduardo Friedrich, 40, ensina mais do que os movimentos do jiu jitsu. Ele também ensina sobre empatia e inclusão. Diagnosticado com autismo e Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH) já adulto, o arroiomeense aprende a lidar com a condição e ensina outras famílias a fazerem o mesmo, incluindo o filho, que também apresenta a neuro divergência.
Ele conta que não iniciou no esporte pelo autismo, mas o jiu jitsu o auxiliou nesse processo de autoconhecimento e é por isso que se dedica, hoje, a ser professor. “Entre as características do autismo, está a baixa autoestima, a falta de coragem, a falta de confiança. O jiu jitsu mudou a minha vida”, afirma.
Friedrich começou a se destacar no esporte, com o primeiro lugar em campeonatos, e as medalhas significaram confiança e impulso para ele. Hoje, o profissional também organiza um dos maiores campeonatos gaúchos.
O professor percebe, hoje, uma sociedade mais adequada às diferenças. “Eu vejo que daqui a 10 anos, a sociedade vai ter mais padrões estabelecidos na saúde, para as pessoas saberem lidar com o autismo”.
Saiba mais
Autismo não é doença: o autismo é um transtorno relacionado a um atraso no desenvolvimento do indivíduo. Por se tratar de uma condição e não uma enfermidade, desde a década de 90 não se usa mais o termo “autista”, mas sim “pessoa com autismo” ou “pessoa com transtorno de espectro autista”.
O Transtorno não tem características específicas: possui diferentes graus e se manifesta de diversas maneiras.
A interação social ajuda na melhoria dos sintomas: algumas pesquisas já comprovam que o meio ambiente contribui bastante para o desenvolvimento da criança com autismo.
Na maioria dos casos, os sintomas se atenuam com a idade: pessoas com autismo conseguem desenvolver mecanismos de adaptação, fazendo com que os sintomas sejam atenuados.