Cristo Protetor ajuda a formar a identidade do turismo regional

turismo e economia

Cristo Protetor ajuda a formar a identidade do turismo regional

Além de atrair visitantes, o monumento também exige preparação de rede para atendimento de visitantes, com investimentos em serviços e abertura de postos de trabalho. Turismo regional tenta se restabelecer após tragédias climáticas

Cristo Protetor ajuda a formar a identidade do turismo regional
Encantado

A experiência da Serra Gaúcha pode servir de referência, ainda assim, é preciso encontrar a identidade para o Vale do Taquari. O Cristo Protetor tem esse potencial, afirma o presidente da Associação dos Municípios de Turismo da Região dos Vales (Amturvales), Rafael Fontana. “Temos de ter a nossa marca”, frisa.

Pesquisa feita pelo governo do Estado aponta preferências dos turistas. Pelo Mapa do Comportamento do Turista há 12 perfis, com subdivisões divididas entre prioridades e motivações.

Conforme a Secretaria Estadual de Turismo (Setur-RS), 4% do Produto Interno Bruto (PIB) do RS provém do Turismo. Para se ter uma ideia, o estado vizinho de Santa Catarina alcança 12%. Entre 2019 e 2020, o setor representou R$ 14,3 bilhões à economia gaúcha.

Conjunção de esforços

Para criar um turismo forte, é necessário infraestrutura e segurança, diz a presidente da Associação Comercial e Industrial de Encantado (Aci-E), Raquel Cadore. O crescimento acelerado do fluxo de visitantes no Vale do Taquari, impulsionado pelo Cristo Protetor, revela desafios que vão além da atração turística em si.

“O aumento da demanda trouxe à tona gargalos logísticos e de mobilidade urbana que precisam ser enfrentados com planejamento”, afirma Cadore. A entidade criou uma diretoria específica para tratar dessas questões, sob o comando de Luciano Moresco, que atua em conjunto com o poder público na busca por soluções.

A articulação inclui diálogo permanente com órgãos de segurança pública, como Polícia Civil e Brigada Militar, além da participação ativa no Conselho Municipal de Turismo (COMTUR). “A sinalização turística e a segurança nos acessos são prioridades”, ressalta a presidente.

Parcerias público-privadas têm sido fundamentais para viabilizar melhorias. “O projeto SOS Habitar Vale do Taquari e a reconstrução de pontes mostram como essa colaboração traz resultados”, exemplifica Cadore. A Aci-E também trabalha na formatação de roteiros turísticos integrados que possam distribuir os visitantes por diferentes atrativos da região.

Para garantir a sustentabilidade do turismo, a entidade aposta na qualificação dos empreendedores locais. “Temos um Núcleo de Turismo ativo, onde os empresários trocam experiências e se profissionalizam”, explica. O objetivo é transformar o entusiasmo inicial em desenvolvimento econômico permanente, com geração de emprego e renda para a comunidade.

“O Cristo Protetor nos colocou no mapa do turismo nacional. Agora precisamos estruturar essa atividade para que seus benefícios sejam duradouros”, destaca Raquel.

Fazer o turista conhecer mais do Vale

Proprietário da agência RS Turismo, ex-presidente da Associação dos Municípios de Turismo da Região dos Vales (Amturvaes), Charles Rossner, realça o marco da inauguração do Cristo. No entanto, é necessário mais. “Temos de fazer com que o turista fique mais tempo na região. Que permaneça mais do que um dia, um sábado, ou domingo. Para isso, é necessário unir atrativos.”

Para ele, o trem turístico pode cumprir essa tarefa. “O trem vai virar a chave. O Cristo é importante, sem dúvida, mas é preciso mais. E os passeios mobilizam o setor de hospedagem e alimentação, pois complementam a oferta da visitação.”

Na avaliação de Rossner, o impacto da abertura do monumento em Encantado ainda não é mensurável em termos de quantos turistas farão as visitas todos os dias. Em cima disso, o Cristo cumpre o papel de expandir a visibilidade regional para além das fronteiras do RS. “O monumento nos coloca na vitrine e, sim, pode gerar mais demanda e oportunidade de negócios.”

O baque das inundações

A região alta congrega a maior parte das atrações, com ofertas para diversos perfis de turistas, do aventureiro, em busca de belezas naturais, gastronômico e, agora, religioso.

Antes de setembro de 2023, havia um “boom” de empreendimentos e de projetos.

Entre eles, a criação de uma rota religiosa, entre municípios como Sério, Santa Clara do Sul, Muçum, Anta Gorda e Arroio do Meio. Com as tragédias climáticas, houve uma retração.

“Tivemos pontos que ficaram por muito tempo fechados. O impacto foi muito grande, tanto nas estruturas turísticas, temos campings fechados, cascatas, pontos de hospedagens”, frisa Rossner.

Junto com isso, os prejuízos nas estradas. “Precisamos ter condições de trânsito. O visitante não vai vir para cá, para relaxar, se tiver de ficar horas em filas para atravessar a ponte do Taquari e a sobre o Rio Forqueta. Mobilidade é fundamental.”

O baque atingiu também os trabalhadores. “Regredimos depois de maio. Profissionais qualificados deixaram a região. Agora, com a retomada dos acessos, melhorias nas estradas e pontes, esperamos que o turista volte.”

“A inauguração é uma injeção de ânimo”

Quando Fernanda Dalmoro começou a investir no Morro das Antenas, a estátua estava em construção. O ano era 2021 quando o Cristo Protetor começou a tomar forma. “Quando vimos a imponência do monumento, resolvemos tirar o nosso projeto do papel”.

A ideia de negócio se sustenta em oferecer cabanas de alto padrão para aluguel em meio a mata nativa. “Estamos no terceiro ano de segunda a segunda. Recebemos pessoas de diversos estados e de outros países também.”

Isso até maio de 2024. Com a grande inundação, veio o baque. As reservas ficaram escassas. “Nosso visitante não é daqui. Então, a logística ficou muito difícil. Sem ponte, com problemas de acesso. Antes tínhamos agendas para seis meses de antecedência.”

Para o fim de semana da cerimônia de abertura do Cristo, as duas cabanas estão locadas. “Agora não sabemos como vai ser a outra semana. Ainda assim, com a reconstrução da ponte e o Cristo aberto todos os dias, temos esperança que os visitantes vão retornar. A inauguração é uma injeção de ânimo.”

Como se trata de um local em meio a natureza, não havia eletricidade, internet, nem água potável. Todo o investimento em infraestrutura foi feito pela família. Segundo Fernanda, cada cabana custou R$ 500 mil. “Acredito que investimos algo perto dos R$ 2 milhões neste projeto.”

Entre prestadores de serviço e funcionários, seis pessoas trabalham nas cabanas. Hoje, a Cabana Gariba tem cerca de 100 mil seguidores. “Temos um grande público, muitas pessoas nos contatam para saber o que tem para se fazer na região. Todas se mostram preocupadas em como estão as cidades após as inundações.”

Boulevard Encantado

Enquanto o Cristo Protetor se consolida como principal atrativo religioso, um ambicioso projeto surge no entorno para transformar a experiência turística no Vale do Taquari. O Boulevard Encantado, complexo multiexperiências entre a Lagoa da Garibaldi e o monumento, representa um investimento de R$ 25 milhões e promete gerar 480 empregos diretos e indiretos quando estiver em pleno funcionamento.

O empresário Fábio Victória revela que a ideia nasceu da observação do crescente fluxo de visitantes. “Percebemos que faltava infraestrutura qualificada para receber esses turistas e oferecer experiências complementares”, explica. O projeto foi desenvolvido em paralelo à construção do Cristo Protetor, com estudos que mapearam o comportamento de 15 mil visitantes antes do início das obras.

A localização estratégica é um dos diferenciais. “Posicionamos o Boulevard como ponte natural entre o turismo religioso e outras vocações regionais: gastronomia, natureza e cultura”, detalha Victória.

O complexo ocupa uma área de 7,2 mil metros quadrados, incluindo uma Área de Preservação Permanente (APP) com trilha de 600 metros que resgata a história da antiga hidrelétrica local.

“Em 131 dias de operação piloto, fizemos 276 atrações culturais gratuitas”, comemora Victória. A programação noturna inclui shows e festivais temáticos que já atraíram mais de 15 mil pessoas.

“Será vitrine para negócios locais”

Proprietário de uma das lancherias mais tradicionais de Encantado, Charles Calvi, vê no Cristo Protetor mais que um monumento religioso, enxerga uma oportunidade estratégica para fortalecer a empresa e os negócios locais. O empresário prepara a abertura de um novo ponto no complexo turístico, que se somará às cinco unidades já existentes na região.

“Identificamos no Cristo Protetor a melhor vitrine possível para nossa marca”, afirma Calvi. O empreendimento funcionará como loja fixa no complexo, com previsão de abertura para o segundo semestre. O cardápio manterá o carro-chefe da casa, os tradicionais cachorros-quentes, mas ganhará itens especiais como crepe suíço, churros gourmet, fondue de morango com chocolate e pizza em fatias, pensando no perfil dos visitantes.

O empresário projeta gerar cinco empregos diretos na primeira fase, com potencial para dobrar o quadro em 12 meses. Junto com isso, um aumento de 30% no faturamento da rede. “Esse fluxo turístico vai beneficiar toda a cadeia produtiva da região, não apenas nosso negócio”, avalia Calvi.

Dados do governo de Encantado indicam que o complexo deve receber cerca de 580 mil visitantes por ano, número que coloca a cidade no mapa do turismo religioso nacional.

A aposta de Calvi reflete um movimento maior na região. Foram 12 novos empreendimentos gastronômicos abertos no entorno do monumento, segundo levantamento da Associação Comercial e Industrial de Encantado (Aci-E).

“Estamos diante de uma chance única de transformar Encantado em destino turístico completo, não apenas de passagem”, destaca o empresário, que já estuda a possibilidade de expandir para outros segmentos do trade turístico.

História e sabor entre a Lagoa e o Cristo

Quando Jeanine Sangalli abriu a Casa Lê Chiavi nas proximidades da Lagoa da Garibaldi, em fevereiro de 2023, o Cristo Protetor era uma obra no horizonte. Três anos depois, a relação com o monumento tornou-se indissociável.

“Começamos apostando no potencial da lagoa, sem imaginar que o Cristo se tornaria nosso principal vetor de clientes”, confessa a empresária. A família investiu R$ 500 mil no restaurante, com capacidade para receber 54 pessoas.

As enchentes testaram a resiliência do negócio. “Com os problemas nas pontes, nosso movimento caiu drasticamente. Ficou claro o quanto dependemos do fluxo gerado pelo Cristo”, analisa Jeanine. O período difícil trouxe um aprendizado: era preciso criar uma identidade gastronômica que complementasse a experiência turística.

A solução veio em forma de cardápio autoral, de pratos típicos da fusão entre o histórico de colonização italiana e a vivência dos imigrantes no Vale do Taquari. “Incorporamos pratos típicos de Encantado, como o Radicci com bacon no risoto de vinho tinto, a tilápia frita com farofa de erva-mate, a Taça Bandeira, uma entrada que reproduz as cores do município”, detalha Jeanini, que complementa: “nos especializamos em contar a história de Encantado por meio de fotos antigas na decoração, além do uso de ingredientes típicos da nossa cidade.”

Sustentabilidade como alicerce

O projeto incorpora soluções ambientais inovadoras:

  • Sistema de tratamento de efluentes com capacidade para 5 mil litros/dia
  • 120 painéis solares que suprirão 40% da demanda energética
  • Captação e reaproveitamento de água pluvial
  • Materiais que remetem à colonização local (madeira, ferro e basalto)

Experiências imersivas

O Boulevard aposta em atrações tecnológicas que dialogam com a tradição:

  •  Escada para o Infinito: Instalação que cria efeito óptico de profundidade
  • Projeções holográficas: Contam a história da região em 360 graus
  • Multiverso: Espaço com realidade aumentada

Integração com a comunidade

O modelo de negócios prevê:

  • Parcerias com 12 produtores locais para abastecimento
  • Espaços para exposição e venda de artesanato regional
  • Programa de capacitação para 200 profissionais do turismo

Acompanhe
nossas
redes sociais