O destino da concessão das rodovias com a ingerência da Frente Parlamentar criada na terça-feira, 1º de abril, pode mudar. Inclusive o proponente, o deputado Paparico Bacchi (PL), ameaça ir à Justiça para evitar o novo sistema de pedágios.
A postura de confronto é diferente do modelo criado pelo Vale do Taquari. Vai ao encontro da leitura dos municípios ao Norte, região que nunca teve cobrança de pedágios. Essa interferência, avaliam líderes locais, têm resultados difíceis de antecipar. De um lado, tem potencial de encerrar a aplicação do modelo, travar investimentos. Por outra perspectiva, abre margem para mais tempo de diálogo e aperfeiçoamento do plano de obras.
Para a presidente do Conselho de Desenvolvimento do Vale (Codevat), Cintia Agostini, o movimento dos deputados chega em um momento inoportuno. “Sabemos que há posições controversas e perspectivas diferentes sobre essa proposta, mas essa frente parlamentar nos surpreende neste momento, quando a consulta pública já foi encerrada e as considerações, de forma mais ampla, já foram feitas.”
Na avaliação dela, o Bloco 2 tem uma divisão regional. Por isso, há entendimentos diferentes sobre a concessão. “As regiões têm trabalhado de forma diversa, mas não se trata apenas de uma frente de deputados com características distintas dizendo ‘não’ ao pedágio. Há uma construção em andamento.”
O coordenador do grupo de trabalho dos pedágios na região, o vice-presidente da Câmara da Indústria e Comércio, Adelar Steffler, contatou os deputados. Ao todo, são 23 parlamentares no movimento.
Como não houve diálogo antes com o Vale do Taquari, o interesse do dirigente é mostrar como estão os encaminhamentos em termos de revisão nos pacotes de obras, redução da tarifa e mudanças nos patamares dos indicadores estabelecidos no cálculo da concessão.
“Pagamos pedágios há muito tempo. O que precisamos é ter um modelo que garanta justiça tarifária e melhorias na infraestrutura das rodovias.”

Proponente, Paparico Bacchi (PL), ameaça entrar na Justiça para barrar concessão. (Foto: Raul Pereira/Divulgação/Al)
A presidente do Codevat vai na mesma linha. “Já temos uma concessão. Pagamos pedágio. O que precisamos é de um projeto melhor do que o que nos foi apresentado”. Para ela, ser contra a tarifa por ser é uma visão simplista, pois desconsidera oportunidades de melhorar a infraestrutura rodoviária. “Ninguém gosta de pagar. Mas precisamos de mais segurança, mobilidade e logística. Para tanto, é preciso de investimento.”
Pela proposta do Estado, a concessão estabelece R$ 6,7 bilhões em investimentos, dentro de uma área de 415 quilômetros em nove rodovias. Entre elas, estão trechos do Vale do Taquari, nas ERSs 128, 129, 130 e 453. São 244 quilômetros de duplicações, 113 de terceiras pistas. O formato de cobrança será por meio do free flow, sem praças físicas. O principal impasse com o Vale do Taquari está na tarifa teto média de R$ 0,23 por km/rodado.
Reunião com deputados
O vice-presidente da CIC-VT, Adelar Steffler, atua há mais de 46 anos no setor de transporte. “Estão vendendo gato por lebre. Falam muito sobre ser contra, mas pouco sabem sobre o que está em discussão. Temos que ensinar o que é pedágio de verdade.”
Em contato com deputados, pretende marcar uma reunião com os parlamentares. “Vou levar planilhas, mapas de fluxo e o histórico de quanto já investimos em manutenção emergencial nas ERSs. Eles precisam ver com os próprios olhos.”
Para ele, é necessário um modelo inteligente, com um investimento proporcional ao que os motoristas pagam. “Queremos mostrar aos deputados que é preciso para avançar. Isso eles não falam.”
Análise das sugestões
A Secretaria da Reconstrução trabalha na adaptação do plano dos pedágios, a partir das mais de 400 sugestões feitas durante as consultas públicas, audiências e reuniões com os prefeitos.
Conforme comunicado aos líderes da região, esse trabalho vai até o fim de abril. O prefeito de Muçum e presidente da Associação dos Municípios do Alto Taquari (Amat), Mateus Trojan, reforça a posição dos municípios e a expectativa de redução das tarifas. “Temos argumentações consistentes, principalmente no que diz respeito a um maior aporte de recursos do governo do Estado. Cada município revisou seus pontos de adequação e compartilhou o que pode ser alterado e reduzido”.
O objetivo central da região, diz o gestor, é ter uma redução considerável na tarifa teto estimada. Junto com isso, os ajustes nos planos de obra precisam ser avaliados para além da rodovia, para não separar cidades e dificultar o trânsito interno.
Pelas estimativas da Federação das Empresas de Transporte (Fetransul), com um aumento de R$ 900 milhões no aporte público, hoje estimado em R$ 1,3 bilhão pelo Fundo de Reconstrução (Funrigs). seria possível reduzir a tarifa para uma média de R$ 0,14 por quilômetro rodado.
Conforme a entidade, no modelo apresentado pelo governo, o setor de logística será o mais prejudicado pelo alto custo dos pedágios, chegando a R$ 0,67 por km/rodado. Isso traria consequências para a produção de alimentos, um dos pilares econômicos da região, pois eleva o custo do transporte em todas as cadeias, seja para insumos ou mesmo para escoar a produção.
Indicadores para a tarifa
Dentro do grupo de trabalho da região, seria necessário alterar diretrizes também sobre a perspectiva de inadimplência do modelo de cobrança automática (free flow). O Estado calcula um risco entre 20% a 30%, o que traz encarecimento do preço no pedágio.
Para ter um percentual mais realista, a sugestão local é estabelecer um ciclo experimental para a implementação do sistema para ver como será o comportamento do condutor frente à cobrança.
Junto com isso, outras reivindicações do Vale, é revisão no percentual de 38% da arrecadação da futura concessionária como cobrança de tributos e um cálculo mais realista quanto ao Volume Diário Médio (VDM) de motoristas pela ERS-130. As inundações e a queda da ponte entre Lajeado e Arroio do Meio trouxeram distorções em termos da circulação de veículos, afirmam os líderes do Vale.
Análise regional
A reportagem consultou líderes locais, de diferentes setores, e perguntou: a frente parlamentar criada na Assembleia Legislativa ajuda ou atrapalha na estruturação do processo de concessão das rodovias?
Nilto Scapin, vice-presidente de infraestrutura da Acil
“Pode ajudar ou atrapalhar muito. O que me preocupa é o uso político/eleitoreiro. De trazer a população para ser contra. Muitos deputados usam esse momento para aparecer.
Como ninguém gosta de pagar pedágio, o melhor é ir contra o governo. Precisamos de melhorias, de obras estruturantes. Sem a concessão, não conseguiremos ter rodovias em condições. Torço para que isso não se torne um palanque político pela caça de votos.”
Diego Tomasi, empresário do ramo de transportes e integrante da Fetransul
“Se a Frente Parlamentar buscar contribuir, fazer propostas para qualificar, reduzir os custos, garantindo obras, vai ajudar. Agora, se for para ser contra por ser contra, deixando as rodovias precárias como estão, vai ser prejudicial para o debate e busca por soluções.”
Luciano Moresco, diretor de Infraestrutura da Aci-E
“Se for constituída para ampliar o debate de forma séria, responsável e pensando no melhor para população e para o desenvolvimento, esse movimento é bem-vindo.
No entanto, se o foco for demagógico, oportunista, olhando para as manifestações sem qualquer conhecimento do que está sendo discutido, pouco ou nada contribuirá.”
Mateus Trojan, prefeito de Muçum e presidente da Amat
“A expectativa é que movimentos nesse sentido devam vir para ajudar, e não para servir de manifestações mais de cunho político do que efetivo, mesmo porque muitos deputados da atual legislatura foram os responsáveis pelo atual formato de concessão das rodovias quando votaram o projeto na Assembleia.
Mas entendo que todo movimento é válido se for responsável e coerente com as necessidades do Estado.”