Como foi a decisão de deixar o Haiti e vir para o Brasil?
Em 2004, o Haiti passou por uma crise social, e o Brasil enviou tropas de paz. Isso fez com que o país se tornasse uma referência para muitos haitianos. Eu já havia morado no Equador por alguns meses, mas foi no Brasil que decidi recomeçar. Um amigo me falou sobre o programa da Dália, em Encantado, e eu vim. Cheguei em 19 de dezembro de 2012, sem falar português, mas disposto a me adaptar.
E a adaptação à língua e à cultura?
Foi um desafio. No Haiti, falava crioulo e francês, e também domino espanhol e inglês. Mas o português era completamente novo. Comprei um dicionário inglês-português na tabacaria e comecei a assistir TV e ouvir rádio para aprender. Fiz um curso de seis meses oferecido pela prefeitura e, depois, uma prova de proficiência na Ulbra, em Porto Alegre. Hoje, dou aulas de matemática e até ensinei português para outros imigrantes.
Como foi a chegada em Encantado?
Fui acolhido pela família Dias e Frigeri, especialmente pela dona Alda e o Armindo. Eles me ajudaram muito. Trabalhei na Dália por um ano e quatro meses, mas meu sonho sempre foi atuar na educação. Sou formado em Matemática e, no Haiti, lecionava do 9º ano ao Ensino Médio. Aqui, consegui validar meu diploma e hoje trabalho na Escola Estadual General Souza Doca, em Muçum, e na Escola Estadual Vespasiano Corrêa.
E a vida familiar?
Tenho dois filhos, Vitória e Gabriel, que nasceram aqui. Eles são encantadenses de coração (risos). Comprei um terreno e financiei nossa casa em 2021. Também tenho um carro para levar as crianças à escola e ao trabalho. Minha vida está aqui. Me sinto em casa.
Como é a relação com a comunidade?
A integração é um processo. Fomos acolhidos, mas ainda há um caminho para nos sentirmos totalmente inseridos. Temos uma cultura rica, que pode ser compartilhada com a comunidade. No Haiti, somos descendentes da África, e nossa história é cheia de tradições. Mas, muitas vezes, ficamos isolados, apenas trabalhando e voltando para casa. Precisamos de um olhar mais atento para que possamos contribuir mais.
E a família no Haiti?
Tenho duas irmãs no Haiti e um irmão em Porto Alegre. Outros irmãos estão nos Estados Unidos. Converso todos os dias com minhas irmãs que estão no Haiti. Agora, com minha cidadania brasileira, estou tentando trazê-las para cá. Já mandei a documentação necessária para que possam vir.
O que diria para quem está começando uma nova vida em outro país?
Não é fácil, mas é possível. A vida é uma adaptação constante. É preciso aprender a língua, respeitar a cultura e buscar oportunidades. A educação foi minha aliada, e acredito que pode ser a de muitos outros. Por isso, nunca desistam dos seus sonhos. A vida é feita de recomeços, e cada um deles pode ser o início de uma nova história.