Pesquisa recente do Instituto Pró-Livro, a “Retratos da Leitura no Brasil” revela um dado alarmante: a proporção de não-leitores no país já supera a de leitores. Segundo o levantamento, 53% da população brasileira não leu sequer parte de um livro, de qualquer gênero. Em sua sexta edição, o estudo analisou os últimos quatro anos e apontou uma redução de 6,7 milhões de leitores entre 2019 e 2024. Cenário que preocupa especialistas e acende um alerta sobre o futuro da leitura no Brasil.
A baixa taxa de leitura literária no Brasil é um problema multifatorial. Segundo a doutora em Letras e professora da Univates, Rosiene Almeida Souza Haetinger, a desigualdade social é um dos fatores que limita o acesso aos livros, assim como questões culturais desempenham papel significativo. “Mesmo pessoas que têm mais recursos dão prioridade a outras atividades em detrimento da leitura. Muitas vezes se gasta muito com celular, televisão, e o investimento em livros por vezes não é uma opção.”
Outro fator importante é o incentivo à leitura por parte do poder público e as políticas de incentivo. Para Rosiene, uma única biblioteca por cidade muitas vezes é insuficiente, especialmente para quem mora longe do centro. “Investir em bibliotecas nos bairros facilitaria o acesso”, afirma. Já no campo da educação, o ideal é melhorar a infraestrutura escolar, visto que muitas escolas estão com a biblioteca fechada. “Apesar de todo o trabalho desenvolvido para fomentar a formação de leitores (nas escolas, em feiras do livro, em campanhas, etc), ainda há bastante a ser feito.”
O uso da tecnologia também é um desafio, especialmente para a nova geração, que está imersa em dispositivos digitais e mídias rápidas. Ainda assim, a especialista acredita que o encanto de ler uma boa história pode ser mantido, mesmo em meio a tantas inovações digitais.
Compartilhando hábitos
Enquanto a pesquisa aponta uma queda no hábito de leitura entre os brasileiros, alguns leitores apaixonados começam a se destacar nas redes sociais, compartilhando suas leituras e incentivando amigos e seguidores a adotar esse hábito, desafiando a tendência.
O incentivo da família e da escola fizeram com que a estudante Sophia Maia Holz, 17, despertasse o amor pela leitura ainda cedo. Quando criança, ela já tinha o hábito de ler e a medida que foi crescendo estabeleceu como meta manter a prática na rotina. Hoje, apesar da rotina agitada, ela sempre encontra um momento para mergulhar em belas histórias.
“É um hábito diário que encaixo quando dá, seja antes de dormir, nos intervalos ou almoços. Tento levar o momento de forma mais leve, pois a rotina por si só já é pesada, e os livros com uma xícara de café quente são meu momento de autocuidado”, conta Sophia.
Amante dos romances e suspenses, a também criadora de conteúdo digital revela que sua autora preferida é Clarice Lispector. Em suas redes sociais, ela mostra suas experiências de vida e dá dicas de leitura para todas as idades. “Compartilho porque vejo a importância disso na minha vida. Os livros ajudaram a construir meu caráter, me tornaram humana e um ser pensante”, revela Sophia. “Gostaria que todo mundo, apesar das diferentes oportunidades, tivesse acesso a isso, e incentivo positivamente da forma que posso”.
Entre páginas e telas
A leitura também faz parte da rotina do desenvolvedor de Software Lucas Kuhn, 29. Desde pequeno, ele reserva um tempo para ler e, apesar de estar imerso em tecnologia no dia a dia, mantém o hábito até hoje. “Ainda gosto de me desconectar um pouco e viajar dentro de uma boa história”, afirma.
Além dos livros físicos, Lucas usa a tecnologia a seu favor. Com um Kindle – dispositivo digital para leitura – consegue ter acesso a uma variedade maior de títulos e levar as histórias para qualquer lugar. Ainda assim, ele reconhece que o avanço tecnológico também contribui para o desinteresse pela leitura no Brasil.
“Acredito que isso seja, em parte, uma questão cultural, já que a leitura nunca foi um hábito incentivado no Brasil. Mas com a popularização das redes sociais e de conteúdos rápidos, as pessoas cada vez mais acabam tendo dificuldade em dedicar algum tempo para uma leitura mais profunda.”
Visão semelhante tem a jornalista e empresária Victória Lieberknecht, 31, que também utiliza o Kindle. Leitora voraz, ela revela que se rendeu ao dispositivo digital pela facilidade de acesso às obras literárias. Mas antes precisou resgatar o gosto pela leitura por meio dos livros físicos, e reduzir o consumo das redes sociais.
“Comecei a monitorar o tempo de uso no celular e descobri que chegava a ficar 8h por dia em função das redes”, revela. “Como meta, resolvi espalhar livros pela casa para me incentivar a pegá-los no tempo livre, deixando de lado o telefone. Não foi fácil, mas precisei me treinar para voltar ao hábito da infância.”

Desde pequeno, Lucas mantém o hábito da leitura. (Crédito da imagem: Arquivo Pessoal)
Reencontro
Victória aprendeu a ler aos 3 anos, incentivada pela mãe. Quando criança, as quintas-feiras eram dedicadas para visitas à Biblioteca Pública Municipal de Lajeado, junto da mãe e dos irmãos. Seu entusiasmo pela leitura era tanta que, em pouco tempo, foi liberada para retirar até 10 exemplares por semana. “Eu lia todos.”
Um dos momentos marcantes dessa relação com os livros na infância, foi quando a mãe autorizou Victória a explorar a seção juvenil da biblioteca. Até então ela lia apenas gibis e livros infantis.“Sempre desejei ler livros grossos, como minha mãe. E deste dia, tenho a sensação de ter ficado horas naqueles corredores para escolher o livro grande e perfeito para ser o primeiro.”
Com o passar dos anos e as mudanças na rotina, a leitura acabou ficando em segundo plano. Mas, há quatro anos, Victória retomou o hábito, abrindo-se para novos gêneros e reencontrando o prazer de se perder entre as páginas de uma boa história.
Dicas dos leitores
- Escolher um tema que realmente desperte interesse, seja um assunto específico ou até mesmo a biografia de alguém que admire [Dica do Lucas]
- Começar com livros mais curtos, para aos poucos ir evoluindo e pegando o hábito da leitura [Dica do Lucas]
- Gamificar os avanços da leitura usando aplicativos. Gosto do Cabeceira que dá notificações e lembretes [Dica da Victória]
- Sempre ter livros espalhados pelos principais cantos da casa para evitar de pegar o celular no tempo ocioso [Dica da Victória]
- Tente estipular uma quantidade de páginas ou minutos por dia que você possa dedicar a isso (longe do celular) [Dica da Sophia]
- Leia o que você gosta! Experimente até descobrir [Dica da Sophia]