Identificar os riscos às populações frente às mudanças climáticas, estabelecer metas para enfrentar episódios climáticos extremos tanto nas áreas urbanas quanto rurais e planejar as cidades para eventos extremos, sejam temporais, ondas de calor, secas e inundações.
Este conjunto de temas foram abordados durante a 1ª Conferência Intermunicipal do Meio Ambiente do Vale do Taquari. O evento reuniu representantes de 27 dos 38 municípios da região.
Participaram agentes públicos, especialistas, empresários, estudantes e comunidade em geral para discutir ações e políticas públicas voltadas à mitigação dos efeitos do aquecimento global.
Promovida pela Associação dos Municípios do Vale do Taquari (Amvat), a conferência ocorreu ontem, no auditório do prédio 11 da Univates, em Lajeado. Durante o encontro, foram escolhidos 17 delegados para representar as prioridades locais na etapa estadual, marcada para os dias 11 e 12 de março, em Porto Alegre.
“O futuro dessas conferências é elaborar políticas públicas e destinar recursos para as questões e projetos prioritários. Por isso, a participação popular é fundamental”, destaca a diretora de Biodiversidade da Secretaria Estadual do Meio Ambiente (Sema), Kátia Gonçalves.
De acordo com ela, dos 497 municípios gaúchos, 199 cadastraram propostas para o enfrentamento às mudanças climáticas. “A ideia é criar um espaço participativo em que toda a sociedade, em seus diferentes níveis. Para que tragam as problemáticas, anseios e tensionamentos em relação às questões climáticas”, afirma.
Na avaliação do presidente da Amvat, o prefeito de Sério, Moisés de Freitas, a programação cumpriu os objetivos. “Tivemos uma grande participação. Foram mais de 150 inscritos. Avançamos em debates fundamentais para a nossa região. Sofremos muito com episódios extremos nos últimos meses. Por isso, temos de manter essa discussão para que possamos avançar e mitigar perdas humanas e econômicas”, frisa.
A programação foi dividida em dois momentos. Pela manhã, especialistas apresentaram palestras sobre os cinco eixos temáticos da conferência: Mitigação; Adaptação e Preparação para Desastres; Justiça Climática; Transformação Ecológica; e Governança e Educação Ambiental.
No período da tarde, os participantes se reuniram em grupos de trabalho para elaborar propostas concretas. Cada grupo sugeriu dez ações, das quais duas por eixo foram selecionadas para compor o documento regional que será levado à etapa estadual.
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Programação teve dois momentos. Pela manhã, palestras com especialistas. Na tarde, grupos de representantes dos municípios debateram quais políticas são necessárias para o Vale do Taquari. (Foto:Matheus Hinterholz/Divulgação/OXGNstudio)
Contexto e desafios locais
O Vale do Taquari foi o epicentro dos desastres climáticos de 2023 e do ano passado. As enchentes estão entre as maiores já registradas no país. Por isso, diz Kátia Gonçalves, a redução de desastres e a justiça climática ganham destaque nas discussões. “Cada conferência traz um raio X da realidade local. No Vale do Taquari, a minimização das enchentes e a resposta aos eventos extremos são prioridades”, acredita a diretora de Biodiversidade da Sema.
Na avaliação dela, um dos desafios é aproximar o conhecimento científico da população. “Às vezes, a academia fica distante do morador que está na beira do rio. Esses espaços de discussão coletiva ajudam a aproximar as pessoas e a construir soluções que façam sentido para todos.”
O ano de 2024 foi o mais quente já registrado no planeta. Esse recorde negativo, diz Kátia, reforça a urgência de ações para enfrentar as mudanças climáticas. “Precisamos discutir como sociedade o que faz sentido em termos de mudanças. A transição ecológica, por exemplo, envolve novos comportamentos de todos”, afirma.
Pensar de maneira regional
A reconstrução do Vale após as inundações exige um repensar sobre a ocupação urbana, afirma o promotor de Justiça, Sérgio Diefenbach. Neste sentido, destaca a necessidade de aprofundar estudos sobre áreas de risco e desenvolver ações coletivas para mitigar os impactos de eventos extremos.
“O desastre que vivemos foi resultado de um fenômeno natural somado a uma ocupação inadequada. Precisamos dar passos atrás, proteger o meio ambiente e as pessoas”, afirmou.
O promotor acompanha os encaminhamentos para reformulação dos planos diretores na região. O governo do Estado contratou a Univates para desenvolver estudos técnicos em sete municípios da região, com o objetivo de propor diretrizes para os planos diretores municipais. “Esses estudos incluem análises geológicas, hidrológicas e de mapeamento, que vão ajudar a definir áreas de alto, médio e baixo risco”, afirma.
Pela lei, os municípios atingidos por catástrofes climáticas têm a obrigação de revisar as cotas, a ocupação de solos e evitar a ocupação locais vulneráveis. “A lei federal obriga os gestores municipais a identificar áreas de risco e tomar providências para que elas não sejam ocupadas. Isso é fundamental para evitar novos desastres.”
O promotor defende a criação de uma organização política coletiva no Vale do Taquari para apresentar demandas unificadas ao governo do Estado, ao governo federal e a organismos internacionais. “Não é inteligente cada município agir de forma isolada. Precisamos de um projeto coletivo, que mostre a necessidade de desapropriar, por exemplo, 200 mil metros quadrados de áreas de risco. Isso é um projeto ambiental e coletivo, não algo fragmentado”, realça.
Diefenbach sugere a formação de um consórcio específico para lidar com essas questões. “Só com a força de todos vamos conseguir avançar. As necessidades são grandes, e as complexidades também. Precisamos de uma visão unificada e de ações coordenadas”, resume.
As dez propostas do Vale
Cinco grupos foram formados. Cada um poderia inscrever até dez prioridades. Ao fim, o colegiado votou em dez propostas. Duas por eixo temático. Confira:
- Programa para recuperar e conservar florestas ribeirinhas:
Desenvolver uma política pública para proteger encostas, planícies de inundação e nascentes, acompanha da desocupação humana das áreas de preservação permanente, com controle de espécies exóticas invasoras. Inclusão do pagamento por serviços ambientais e exigência de análise do Cadastro Ambiental Rural e implantação do Programa de Recuperação Ambiental.
- Gestão de resíduos sólidos
Política voltada para incentivar a separação de resíduos. Implantação de ecopontos de coleta de resíduos recicláveis. Também oferecer e distribuir composteiras domésticas para mitigar a geração dos resíduos orgânicos e implementar o IPTU verde, associados a auxílios financeiros para incentivar a adoção de práticas sustentáveis
- Monitoramento e alerta
Estruturar as defesas civis, bem como obrigar a destinação de recursos financeiros e a definição dos órgãos responsáveis pelo monitoramento e alertas.
- Atualização e elaboração dos planos diretores
Adaptar as normas dos municípios à nova realidade climática, com ênfase em critérios definidos por estudos técnicos. Também estabelecer modelos de fiscalização para efetivar o cumprimento das normas.
- Identificação, proteção e recuperação de nascentes
Estabelecer pagamentos por serviços ambientais para proprietários de áreas com cursos de água.
- Recursos
Dispositivo na lei com dotação orçamentária mínima federal, estadual e municipal destinado à proteção do meio ambiente.
- Preparo
Estabelecer políticas de treinamento e preparação da população para prevenção em caso de desastres. Qualificar líderes comunitários, associação de moradores de bairros, sindicatos, influenciadores digitais, áreas rurais e população indígena.
- Regularização e assistência social
Dentro dos planos diretores, identificar áreas de risco e não permitir construções de moradias. Para tanto, desenvolver políticas de assistência social para famílias retiradas das áreas, com uma política de regularização fundiária.
- Educação ambiental
Instituir projetos e programas de educação ambiental da iniciativa privada e governamental em escolas e para a sociedade civil, incluindo a criação de lei de incentivos fiscais para a promoção de ações educativas.
- Escolas sustentáveis
Fortalecer disciplinas voltadas para proteção ambiental e desenvolvimento de habilidades. Como exemplo composteira, hortas, cisterna, energia solar e tratamento de esgoto, por meio de conhecimentos para envolver a comunidade nessas ações.