Cobrança automática encarece tarifa, analisa Fetransul

DILEMA DO FREE FLOW

Cobrança automática encarece tarifa, analisa Fetransul

Inadimplência calculada pelo Estado varia entre 20% até 30%. Para o sistema ser viável tarifa mínima teria de superar R$ 0,25 por quilômetro rodado

Cobrança automática encarece tarifa, analisa Fetransul
Plano de concessões do governo do Estado prevê investimentos de R$ 6,7 bilhões. (Foto: FILIPE FALEIRO)
Vale do Taquari

A mudança no modelo de cobrança dos pedágios, com a adoção do sistema free flow (com a instalação de pórticos para leitura das placas) torna a tarifa no Bloco 2 mais elevada. É o que afirma o diretor de infraestrutura da Federação das Empresas de Transporte do RS (Fetransul), Paulo Ziegler.

Conforme estudo da instituição, esse novo formato de pedágio aumenta o risco de inadimplência, como consequência, o risco se traduz em elevação no preço. ”Não temos nenhuma experiência de free flow definitiva no país. As duas novas concessões em discussão, incluindo a do Vale do Taquari, serão as primeiras com esse formato desde o início”, alerta.

No país, a BR-101, entre o Rio de Janeiro e Santos, foi a primeira com a cobrança automática. O sistema é diferente do pensado para o Vale do Taquari. No centro do país, há um pórtico, com a cobrança integral. Funciona como uma substituição da praça física. Formato semelhante da concessão da Serra Gaúcha, em trecho assumido pela concessionária Caminhos da Serra.

Para o Bloco 2, onde estão trechos do Vale nas ERSs 129, 129, 130 e 453, a cobrança do pedágio para 415 quilômetros é diluída em 24 pórticos, com uma média de um a cada 20 quilômetros.

Em cima da proposta do Estado, a Fetransul detalhou como o risco de inadimplência entre 20% a 30% interfere sobre o cálculo da tarifa.

FOTO: GABRIEL SANTOS

“O cálculo com essa evasão de pedágio torna o valor do pedágio muito elevado”, diz Ziegler. Em cima disso, o preço médio por quilômetro rodado teria de partir dos R$ 0,25. “Nas experiências que temos no país, não chega neste percentual. Na Caminhos da Serra, está abaixo dos 10%”, acrescenta. Com esse patamar mais baixo de inadimplência, a tarifa poderia partir do teto de R$ 0,15, calcula a Fetransul.

Na concessão mais recente no país, feita no Paraná em dezembro do ano passado, foi instituída a obrigação de duplicar 450 quilômetros. O preço médio ficou em R$ 0,10 (por km rodado), com cobrança em praças físicas.

“Faço uma provocação: será que o melhor modelo é mesmo o free flow?”, questiona Ziegler. Esse indicativo de tarifa mais elevada na cobrança automática difere das expectativas do grupo de trabalho da região. No entendimento do grupo de trabalho, existe a ideia de que a cobrança automática torna o pedágio mais barato, pois retira custos com estruturas físicas, com pessoal e, por diluir a cobrança em trechos maiores, aumentando a base de arrecadação.

O plano de concessões do governo do Estado prevê investimentos de R$ 6,7 bilhões, sendo R$ 5,4 bi da iniciativa privada e R$ 1,3 bi do Fundo de Reconstrução do RS (Funrigs).

A proposta inclui a duplicação de 244 quilômetros de rodovias e a construção de 103 quilômetros de terceiras faixas. No entanto, a implantação de pedágios em trechos antes sem cobrança tem críticas da comunidade, o que gera preocupação entre os municípios e o setor produtivo.

Menor tarifa e mais participação do Estado

Representantes do setor produtivo, liderados pela Câmara da Indústria e Comércio (CIC-VT), integrantes do Conselho Regional de Desenvolvimento (Codevat) e agentes públicos dos parlamentos e dos Executivos aprofundam as análises sobre a proposta de concessão do Estado.

Entre pontos positivos, estão o fim das praças físicas, com a adesão do sistema automático e a antecipação de obras estruturantes, como a duplicação das ERSs 130 e 453. Em contrapartida, o que preocupa é a tarifa. O teto da cobrança é de R$ 0,23 por quilômetro rodado em pista simples e, quando estiverem prontas as duplicações, gira em torno dos R$ 0,28 a R$ 0,30.

Sistema Free Flow

A presidente do Conselho Regional de Desenvolvimento (Codevat) e economista, Cintia Agostini, considera o custo insustentável. Pela característica da região, de cidades próximas, com relações sociais de trabalho, estudo e serviços, o transporte encareceria acima de gastos básicos na média anual, como Saúde e Educação, analisa.

“Por ano, o PIB per capita (renda média anual por pessoa) no Vale do Taquari é de R$ 50 mil, representa uns R$ 4,1 mil por mês. Se pegarmos uma pessoa que mora em Venâncio Aires e viaja todos os dias para trabalhar em Lajeado, ela vai pagar 6,6% do que recebe no mês. Algo em torno de R$ 276.”

Conforme a economista, quem mora em Encantado e vai até Arroio do Meio, ou Lajeado, o custo fica maior. “Vai dar R$ 313 por mês. É disso que estamos falando, uma tarifa insustentável”, reafirma Cintia.

Conforme o diretor de infraestrutura da CIC-VT, Leandro Eckert, o ideal seria o governo do Estado ampliar o repasse pelo Fundo de Reconstrução (Funrigs). O Executivo gaúcho estabeleceu a transferência de R$ 1,3 bilhão como aporte para obras de resiliência. A lista de intervenções prevê a reestruturação de alguns trechos da rodovia, entre os pontos, melhorias na ERS-130, em especial entre Arroio do Meio e Encantado, e a elevação de nível em 16 pontes.

Nesta semana, durante visita ao Vale do Taquari, o governador Eduardo Leite, afirmou que o pedido de aumentar o aporte financeiro está em análise. “Qualquer decisão de destinar mais R$ 1 bilhão a uma área deve ser tomada com responsabilidade, pois não é um valor pequeno. Estamos falando de um montante que precisa ser retirado de outras áreas, inclusive do próprio Vale, e de outras regiões do Estado.”

Custo logístico

O vice-presidente da Câmara da Indústria e Comércio do Vale do Taquari (CIC-VT), Adelar Steffler, destaca que as empresas de transportes e de logística serão as mais impactadas pela concessão. Enquanto a tarifa média para automóveis é de R$ 0,23 por quilômetro, para caminhões, alta para R$ 0,67.

Steffler, que também é presidente da Valelog, explica que o modelo atual, com praças físicas, é bastante oneroso para o setor. “Na cooperativa, pagamos por 1.092 eixos. Quem sustenta os pedágios são as transportadoras. Ainda que se discuta o free flow, para o caminhão é muito importante não parar. Só isso já garante agilidade e economia”, afirma.

Conforme dados da ValeLog, só na praça de Encantado, de 2018 até 2024, a cooperativa pagou R$ 370 mil de pedágios. Caso fosse com o free flow, o mesmo trecho custaria R$ 118,3 mil reais. “Pagamos R$ 251,9 mil por trechos que nem usamos”, compara.

A partir do diagnóstico da Fetransul, a tarifa aos moldes do proposto pelo Estado encarece o uso da malha rodoviária, em especial no trânsito entre regiões, em 44% para automóveis e em 52% para os caminhões.

“Caso se mantenha esse patamar, teremos muitos motoristas desviando dos arcos, com aumento do uso de ruas urbanas. Além disso, esses R$ 0,23 por quilômetro rodado desestimulam investimentos privados devido a esse custo logístico. Por ser 30 anos de concessão, os efeitos aparecem de forma sutil e lenta, difíceis de reverter no longo prazo”, analisa Paulo Ziegler.

Comparações

  1. CCR Via Sul
    BR 101/BR 290/BR 448/BR 386
    R$ 0,13 por quilômetro rodado
  2. Sacyr
    RS 287
    R$ 0,11 por km rodado
  3. Ecosul
    BR 116/BR 392
    R$ 0,21/km rodado
  4. Bloco 3 (Caminhos da Serra Gaúcha)
    RS 446, 470, 287, 453, 240, 122
    R$ 0,19 por km rodado Proposta Bloco 2
    R$ 0,23/km pista simples e 0,30/km pista duplicada
    Tarifa média final: R$ 0,26

Confira matéria completa na edição impressa deste fim de semana, 8 e 9.

Acompanhe
nossas
redes sociais