Entre o recomeço longe de casa e a persistência

habitação

Entre o recomeço longe de casa e a persistência

Famílias precisam se adaptar a uma nova realidade após a enchente. Primeiros moradores que perderam casas são contemplados com moradias no bairro Floresta. No Conservas, empreendedor resiste à ideia de deixar propriedade e mantém negócio às margens do Taquari

Entre o recomeço longe de casa e a persistência
Foto: Mateus Souza

O empresário Evandro Marin, 40, proprietário do Atacado da Ração à beira do rio Taquari é um exemplo de persistência e superação. Natural de Novo Paraíso, em Estrela, relata ter passado por momentos difíceis antes de vir para Lajeado, mas nada supera os traumas vividos após ter o seu estabelecimento invadido e destruído pela força das águas do rio.

“Tivemos uma vida sofrida. Viemos para cá achando que seria melhor, mas a gente passou uma guerra aqui. Doze anos em Lajeado e em questão de dois dias foi a vida de 40 anos. Investi praticamente o que ganhei ao longo da vida e vi tudo indo embora. Está difícil até hoje”, revela emocionado ao recordar tudo que passou.

Marin reabriu a loja após 40 dias do acontecido. Ao olhar pela rua relata que do bairro Conservas até Cruzeiro do Sul, sobraram poucas pessoas. Ele é um dos poucos que retomou às atividades.

“Vizinhos que tinha, há meses que não vejo mais, foram embora. Quando voltei ao local após a tragédia, o primeiro pensamento foi de desistir, mas me obriguei a voltar, pois os alugueis estavam muito caros. Alugava um espaço e trabalhava para pagar o aluguel, ou reformava a loja de qualquer jeito e voltava a trabalhar, não tive outra opção. Vamos lutar e a única coisa que não podemos é desistir. Isso aqui foi e é um sonho”.

Além disso, Marin conta que as poucas casas que sobraram estão sendo habitadas por pessoas de fora. “Há muita sujeira, entulhos, casas abandonadas, infestação de mosquitos, ratos, pessoas desconhecidas, vândalos, estamos enfrentando um pouco de tudo aqui”.

Em termos de perdas, na enchente de novembro de 2023, o empresário perdeu todo o estoque que tinha no interior da loja, em torno de R$ 80 mil em prejuízos. Na de maio de 2024, foram mais danos estruturais estimados em R$ 20 mil. “Ainda terei mais gastos com a estrutura que ainda não está pronta. A reforma maior é na parte superior do imóvel que era ocupado pela minha mãe”.

Ajuda financeira

Embora tenham sido anunciadas diversas formas de apoio aos micro e pequenos empreendedores, Marin explica que não conseguiu ajuda financeira externa. Nem por parte do governo estadual e federal o que dificultou a retomada dos negócios.

“Escutei bastante que iria ter auxílio. Tentei fazer o cadastro, mas não consegui. Só me falaram que não me encaixava nesse programa. A única ajuda que tive foi de Deus e da minha família. Quando olho para o rio hoje e vejo a calmaria, não dá para acreditar no estrago que causou. Quando começa a chover, a gente fica com medo de uma nova enchente e não sabemos se o prédio vai resistir”.

“Foi uma benção em nossa vida”

Raquel Cristina de Moura, 53 anos, foi a primeira beneficiada com uma nova moradia após ter a casa em que morava, no bairro Hidráulica, levada pela enchente de maio de 2024. No imóvel que era alugada, moravam ela, filha e neta. O espaço foi invadido pela água por duas vezes. No primeiro episódio, perdeu tudo. Passou 21 dias no abrigo. Comprou toda mobília e, poucos dias depois, surpreendida novamente com repique.

Foram retiradas do imóvel alugado e mais uma vez acabaram levadas para o abrigo municipal, onde permaneceram durante 15 dias. Retornaram e, pela terceira vez, a água invadiu o imóvel. Lá se foram mais nove dias no abrigo.

“Foi tudo muito rápido, ninguém esperava a dimensão da enchente. Superar acho que tão cedo ninguém vai, mas amenizar, graças a Deus estamos conseguindo aos poucos”, descreve Raquel, emocionada.

Sem saber que a força das águas havia levado embora toda a estrutura da casa, Raquel conseguiu salvar apenas a máquina de lavar e uma TV. Além de Raquel, seu filho que morava em Estrela com a família também perdeu a casa. Sem ter para onde ir, Raquel entrou na fila de espera para ser beneficiada com uma moradia. O tão sonhado novo lar chegou. Ela foi a primeira contemplada com uma das seis casas construídas por uma ONG dos EUA.

Mesmo após três grandes cheias, incluindo a de 2024, Marin decidiu permanecer e retomar negócio às margens do rio. (foto: Mateus Souza)

“Essa casa foi uma benção em nossa vida, um presente antecipado de Natal, Ano Novo e aniversário. Chorei muito, não esperava ganhar essa casa. Foi uma surpresa. Essa casa não vai resolver somente a minha vida, mas dos meus filhos também. A palavra do momento é gratidão. Tivemos ajuda de todos os lados, só queremos agradecer a essas pessoas que se sensibilizaram e doaram. A casa é boa, jamais imaginava receber”, desabafa.

Acompanhe
nossas
redes sociais