Deus está morto?

Opinião

Marcos Frank

Marcos Frank

Médico neurocirurgião

Colunista

Deus está morto?

Em 1882, o filosofo alemão Nietzsche afirma em seu livro “A Gaia Ciência” que “Deus está morto!” A frase que para muitos da época parecia uma loucura revelou-se na verdade profética, a sociedade ocidental já iniciava ali o seu progressivo afastamento do sagrado e do espiritual para se aproximar do materialismo.

Hoje vemos esse fenômeno ocidental com mais clareza e podemos entender melhor a frase do filósofo. No mundo cristão boa parte dos crentes e praticantes se afastaram da igreja, movimento que contrasta fortemente com os movimentos do mundo islâmico.

Mas quais seriam as consequências desse afastamento do divino e do espiritual? Talvez a melhor resposta esteja na frase “Se Deus não existe, tudo é permitido”. Ela é atribuída ao escritor russo Dostoiévski, mas ele nunca a disse dessa forma. A frase mais próxima está em Os Irmãos Karamazov, romance que Freud considerava a maior obra da história: “ É permitido a todo indivíduo que tenha consciência da verdade regular sua vida como bem entender, de acordo com os novos princípios. Neste sentido, tudo é permitido”.

Jung, o discípulo e depois desafeto de Freud via na religiosidade traços do inconsciente coletivo e a entendia como um caminho natural na maturidade na segunda metade da vida. Ele entendia que sem religiosidade, algo terrível poderia acontecer a humanidade.

Isso de fato ocorreu e foi o filosofo francês Raymond Aron quem deu a resposta: com a “morte de Deus” haveria uma substituição por alguma nova crença: os regimes totalitários do século XX seriam seitas seculares, espécie de religiões laicas criadas como substitutas das religiões tradicionais: “os movimentos totalitários, a começar pelo comunismo (e depois pelo nazismo) mimetizaram a religião tradicional nos seus ritos e narrativas. Com uma diferença: prometeram aos humilhados e ofendidos uma recompensa terrena, e não celestial”.

Tanto no comunismo como no nazismo era comum o ódio ao parlamentarismo e aos regimes democráticos liberais. O ódio ao capitalismo também era igual bem como a defesa de um regime de partido único. A exortação da violência como meio legítimo de construir o “homem novo” também apareceu nos dois regimes. O ódio causado pela “morte de Deus “despertou a besta humana que a religião havia prendido no inferno e a soltou. O resultado: milhões de mortes.

O século XXI chegou e nos mostra claramente as sequelas dos “ismos” do século passado no islamismo radical, no comunismo chinês, no totalitarismo russo e no novo capitalismo triunfante de Trump.

Nós aqui na periferia do mundo enxergamos o embate entre uma esquerda que matou Deus e se acha ela como única detentora de intenções puras e nobres, quando na verdade só quer manipular os miseráveis; contra uma direita raivosa que invoca Deus como justificativa para seus atos e sua impaciência de construir consensos.

Por isso é bom lembrar das palavras que Dante Aligheri colocou nos portões do inferno: “Lasciate ogni speranza, voi ch’entrate! “Abandonai toda a esperança, vós que entrais!”

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