Os episódios climáticos extremos foram os principais desafios para o desenvolvimento econômico dos últimos anos. Apesar disso, de janeiro a setembro do ano passado, o Produto Interno Bruto do RS cresceu mais do que a média nacional.
É o que mostra o relatório do governo do Estado, produzido pela Secretaria Estadual de Planejamento, Governança e Gestão (SPGG), por meio do Departamento de Economia e Estatística (DEE).
No período, o PIB do RS acumulado de janeiro a setembro teve alta de 5,2%, enquanto no país foi de 3,3%. O resultado foi impulsionado pelo desempenho positivo da agropecuária (+37,1%) e dos serviços (+3,2%), enquanto a indústria teve variação negativa (-0,2%).
“Tivemos uma desaceleração no penúltimo trimestre de 2024. Algo comum, pois se trata do período da entressafra. As colheitas já foram feitas. Por outro lado, a indústria e o comércio foram muito positivos”, avalia o pesquisador do DEE, César Conceição.
De acordo com ele, houve um acréscimo no consumo, resultado da necessidade de recomposição dos bens perdidos pelas famílias devido à inundação. A indústria cresceu 1,1%, o comércio 3,9% e os serviços 2,3% na comparação de julho, agosto e setembro de 2024 ante 2023.
Para os últimos meses do ano passado e para 2025, a perspectiva é positiva. “Tivemos empresas que precisaram se deslocar. Com a economia crescendo, teremos o desafio de produzir mais. O que pode trazer algum impacto na inflação. De modo geral, tivemos um bom desempenho, devido à safra e aos estímulos para o consumo”, destaca Conceição e acrescenta: “Neste ano, temos condições de uma boa safra na agricultura, tudo isso puxa os demais setores. Tendo um ano dentro da normalidade, a tendência é de fecharmos mais uma vez no positivo.”
Na soma dos últimos quatro trimestres (outubro, novembro e dezembro de 23 até setembro de 24), a variação no RS atingiu 3,7%, acima da registrada no país, que alcançou 3,1%.
Análise regional
Os dados preliminares do PIB estadual consideram o desempenho geral do RS, sem uma pormenorização em termos de região. Para o economista e empresário Ardêmio Heineck, esse modelo prejudica o entendimento da geração de riqueza das atividades. “Faço essa crítica pois o Estado deveria partir de planos de desenvolvimento regionais. Cada Corede (Conselho de Desenvolvimento) tem suas particularidades de clima, de matriz produtiva, nível de industrialização”, ressalta.
Para Heineck, é preciso agregar mais valor às exportações gaúchas. “Sempre o agro puxa o PIB. Se olharmos os últimos 12 meses, foi assim. Se fizermos um resgate, costuma se repetir esse comportamento”, analisa e complementa: “O soja em grão e a exportação de ‘boi em pé’ não agregam valor. Não temos uma política industrial. Deveríamos estimular o processamento, para potencializar o valor dos produtos gaúchos”.
Para a economista e presidente do Codevat, Cintia Agostini, em que pese o pós-inundação com resultados no comércio e na indústria, o agro tende a ainda sentir os efeitos do episódio. “A produção primária foi a grande prejudicada em maio. Não pelo que já havia sido colhido, mas pela consequência. Esse é o setor que merece muita atenção ali na frente, pois vamos ter efeitos”, frisa.
“A exportação do agro é muito representativa para o Estado. Vemos um impacto grande nas safras e isso ficará mais latente. Sofremos muito com a enchente e o agronegócio é fundamental e sempre foi.”
Otimismo no agro
O gestor da Arla Cooperativa, Breno Ely, acredita que em 2025 a produção de grãos do Vale do Taquari terá condições de ter os melhores resultados dos últimos anos. “A maior parte da colheita de milho e soja ocorreu antes de maio. Então, houve tempo para captar. O caos foi no terceiro semestre, período de venda dos estoques.”
Com atuação em 60 cidades dos vales do Rio Pardo e Taquari, a Arla tem capacidade de estocar cerca de 60 mil toneladas de milho, soja e trigo. Com uma fábrica de ração, consegue beneficiar e atender criadores de vacas de leite, suínos e frangos dentro da área de atuação.
“No milho, conseguimos atender no máximo 10% da necessidade da região. Ainda dependemos muito do insumo de fora. Já na soja, grande parte vai para a exportação.”
Foi na venda para o exterior que apareceram os resultados mais positivos, diz. Conforme Ely, foram três anos de muitos desafios. “Tivemos cinco momentos bem difíceis, com perdas devido ao clima. A produção primária tem duas variáveis: o clima e o mercado. Se estão a favor, é possível ganhar. Mas viemos de perdas de renda na região. Primeiro com as secas e depois com as enchentes.”
Diante da perspectiva de normalidade em termos dos fenômenos climáticos El Niño e La Niña, a safra tende a unir quantidade e qualidade, realça Ely. “As lavouras de verão estão crescendo bem. O milho está consolidado, já em fechamento de ciclo, e a soja está bonita. Até o fim de janeiro começamos a colher o milho. Já a soja, o mês chave é abril.”
Desafio com a mão de obra
Na indústria, a necessidade de mais produção frente ao aumento do consumo esbarra na formação das equipes. É o que afirma o diretor da Docile, Ricardo Heineck. “No setor de candies, começamos o ano com bastante dificuldades. Mas ao longo de 2024, tanto o mercado interno quanto o externo reagiu. Fechamos com um crescimento da empresa entre 10 a 12%.”
Com cerca de 1,7 mil empregos diretos, a indústria de candies tem como principais mercados a região sul e sudeste do país, a América do Sul, Estados Unidos e o Canadá. “Os volumes para o exterior estão muito altos. Com o câmbio valorizado, isso tem nos ajudado. Alguns custos aumentaram, como o transporte, mas no geral tem sido positivo.”
A preocupação agora é quanto à mão de obra. “Não estamos preparados para crescer tanto. Nossa região tem um grande índice de industrialização, mas é muito difícil conseguir pessoas para atividades formais.”
Como motivo central, avalia os benefícios sociais. Para Heineck, há pontos favoráveis e negativos nas políticas sociais. “Um dos fatores do alto consumo é que as pessoas estão ganhando mais. Mas não no mercado de trabalho. Elas conseguem um benefício social e vão para a informalidade. Em um primeiro momento é positivo. É ótimo temos de apoiar as famílias em vulnerabilidade, mas por quanto tempo isso vai se sustentar? Pois com a dificuldade de mão de obra, vamos produzir menos e a inflação vai aumentar.”