Na retomada do diálogo sobre o pacote de concessão das rodovias estaduais, o governo estadual apresenta a primeira proposta, com um ciclo de investimento na ordem de R$ 6,7 bilhões. Na primeira versão da modelagem, três aspectos criam dúvidas entre líderes locais. A tarifa média de R$ 0,23 por quilômetro rodado, o critério do leilão (maior desconto ao Estado e depois a menor tarifa), e o prazo para obras prioritárias, em especial a duplicação da ERS-130 a partir de Encantado.
Junto com isso, aspectos positivos, como o fato de ser o primeiro modelo no país com sistema de cobrança por leitura de placa automática (free flow) desde o início do contrato. Dos 415 quilômetros de rodovias do norte e do Vale do Taquari, serão 244 km com duplicações.
No trecho regional (ERSs 128, 129, 130 e 453) serão quase 90 km com novas pistas. “Em um primeiro momento, o plano é positivo. Mas precisa de ajustes”, ressalta o vice-presidente da Câmara da Indústria e Comércio (CIC-VT), Adelar Steffler.
Para a presidente do Conselho Regional de Desenvolvimento, Cintia Agostini, a concessão precisa ter como propósito tanto a recuperação do que foi perdido durante as tragédias climáticas tanto de 2023 quanto deste ano. “São investimentos que precisam ser feitos de forma ágil e com resiliência. A proposta do estado avança nesta perspectiva, pois aceita várias sugestões da comunidade.”
Por outro lado, realça o valor médio do km/rodado. “É muito caro. A tarifa média no país está em R$ 0,16”. De acordo com ela, há concessões com investimentos mais significativos e com valores mais em conta para os motoristas. “Quando foi feita a concessão da BR-386, a tarifa média ficou em R$ 0,6 por quilômetro rodado.”
A ideia da Secretaria da Reconstrução Gaúcha é apresentar a versão final da modelagem ainda em 2024, diz o secretário Pedro Capeluppi. Neste documento, estão descritas todas as obras em cada trecho, inclusive com a execução econômica-financeira. O próximo passo, é lançar a consulta pública. Durante janeiro, a comunidade poderá fazer proposições ao estudo. Em cima disso, a perspectiva é finalizar o edital em abril, para que possa ser levado a leilão ainda no primeiro semestre de 2025.
“Os estudos são importantes, mas não substituem a vivência”
A Hora – Em uma primeira análise, o valor de R$ 0,23 por quilômetro rodado é considerado elevado. Tendo em vista que no Caminhos da Serra é R$ 0,21 e na média do país fica de R$ 0,14 a R$ 0,16, por que ficou nesse patamar?
Pedro Capeluppi – Isso tem relação com o volume de obras necessárias. Esse é o fator principal que eleva a tarifa média, com um valor um pouco mais alto do que na média de rodovias do país. O governo do Estado fez um grande esforço, destinamos R$ 1,3 bilhão para essas rodovias. São recursos do Funrigs (Fundo da Reconstrução, dinheiro estabelecido pela suspensão da dívida com a União por três anos). Se não tivéssemos esse montante, a tarifa ficaria em R$ 0,32 por quilômetro. É claro que não se pode dizer que é uma tarifa barata. É longe de mim querer defender isso. O fato é qual discussão que temos de fazer com a comunidade: que tipo de rodovias queremos?
A Hora – Como foi feito o cálculo?
Capeluppi – Essa conta é feita por pesquisas de tráfego em vários pontos. Não só onde há pedágios. Esse foi um dos aspectos que fez com que tenhamos demorado um pouco mais para terminar.Após vermos a movimentação, é feito um estudo de projeção do tráfego para o futuro. Com essas informações, adicionamos os modelos em termos de crescimento econômico e populacional. Fazemos uma métrica do que seria a receita da concessionária e do investimento necessário.
A Hora – A região aponta o critério do leilão como uma mudança necessária. Pela proposta, o primeiro fator seria o nível de desconto para o Estado, depois aparece a menor tarifa. Há como mudar esse princípio?
Capeluppi – Esse é outro ponto que está em debate e a consulta pública vai servir para isso. Para deixar claro, quando fazemos concessões ou PPPs (Parcerias Público Privadas), em que há aporte de recursos públicos, o critério de julgamento é esse. Trata-se de uma orientação legal por parte dos tribunais de contas. Então, partimos com essa premissa. Mas, evidentemente que a solicitação da comunidade será considerada. Deste modo, afirmo, é possível mudar sim. Vamos avaliar o pedido.
A Hora – O Vale do Taquari reivindica as duplicações das ERSs 130 e 453. Como será o funcionamento destas obras?
Capeluppi – São obras que começam no início da concessão. Usamos como critério toda a discussão feita entre 2021 e 2022, quando eu ainda não estava na secretaria estadual. Quando as consultorias do BNDES foram a campo, eu pedi muita atenção a esses trechos. Para resolver um problema, ninguém melhor do que quem está na região. Os estudos são importantes, mas não substituem a vivência. Definimos os prazos de
conclusão, com base na complexidade das obras. Uma coisa é fazer duplicação em trecho urbanizado, com comunidades consolidadas. Outra é em áreas com mata nativa, morros e serras. Em Encantado e Arroio do Meio, há uma grande necessidade de desapropriações, de licenciamento ambiental e detonações. Por isso, é possível que demore mais.
A Hora – Quais os próximos passos?
Capeluppi – Tivemos o nosso ponto de partida. Estive em todas as regiões do Bloco 2, e fiquei positivamente surpreso com o nível das conversas que tivemos. Me parece que o projeto está muito melhor desenhado, tanto em termos de obras previstas, quanto de quantidade de investimentos, mais próximo do que as pessoas esperam. Como próximos passos, vamos disponibilizar todo o detalhamento do plano de concessões. Com a lista de obras e a modelagem econômico-financeira. Isso vai ser nesta ou na próxima semana. Então, até o fim de janeiro, queremos concluir a consulta pública e iniciar as audiências nas cidades. No começo de abril, queremos lançar o edital.
Análise local
- Cintia Agostini, presidente do Codevat
“A proposição avança na perspectiva de que tem que ser mais resiliente e aceita várias sugestões da comunidade, pois há muitos aspectos que vão ao encontro das necessidades do Vale do Taquari. Porém a grande questão é o valor do quilômetro rodado. Ele é muito caro. Estamos falando de investimentos de menos de R$ 7 bilhões. A tarifa média é de R$ 0,16, com concessões muito menores e com investimentos maiores. Temos que cobrar uma tarifa que seja possível das pessoas pagarem, senão o custo de logística aumenta muito. Outra questão é o critério do leilão, deve ser a menor tarifa como principal critério.”
- Diego Tomasi, empresário e diretor da Fetransul
“Pelo que vemos, quando analisamos com outras regiões, os valores propostos para tarifas são mais elevados na comparação com outros processos de concessão. Vejo que é necessário apresentar mais detalhes. Na proposta até agora apresentada, não estão contemplados pontos de parada e de descansos dos caminhoneiros. O ponto positivo é a questã do free flow, o que moderniza a cobrança e torna o pagamento mais distribuído, sem prejuízo a um único município.”
- Ardêmio Heineck, economista, integrante do grupo de trabalho sobre concessõe
“Tivemos grandes avanços. Um deles é a mudança do modelo de cobrança para o free flow. Sempre é bom lembrar que passamos 26 anos pagando pedágios, inclusive por 15 anos na BR-386, sem contrapartida alguma. Referente a primeira proposta, apresentada há três anos, temos melhorias significativas no projeto. Naquele formato, se priorizava obras para Casca, Marau, Passo Fundo e Erechim. Agora, temos até o quarto ano a duplicação entre Lajeado e Arroio do Meio, e na sequência até Encantado. Em resumo, a proposta atual é muito melhor, mais moderna e de acordo com o que a região espera.”
- Luciano Moresco, advogado, integrante do grupo de trabalho sobre concessões
“Desde 2021, quando formamos o grupo de trabalho, sempre defendemos a justiça tarifária. Uma das defesas era acabar com as praças físicas. E, para isso, seria o free flow, com vários arcos de leitura distribuídos nas rodovias. Tivemos êxitos nesta proposição. Também sugerimos o conselho de usuários. Também aceito. Sobre as obras, houve o entendimento de antecipar a duplicação da ERS-130, algo que também avançou. Agora, é debater o custo da concessão, dos R$ 0,23 por quilômetro rodado.”
- Leandro Eckert, diretor de infraestrutura da Acil
“O projeto do governo ainda será apresentado e discutido em audiências públicas. No grupo de trabalho, mantemos uma interação com o secretário Capeluppi, e ainda vamos discutir outras reivindicações. Para nós, é preciso rever o modelo de desconto que definirá o ganhador da concorrência; valores das tarifas. Alguns ajustes na posição dos arcos do free flow; criação de um desconto de usuário frequente. Junto com isso, possíveis antecipações de melhorias. Entendo também que devemos conscientizar os usuários que sempre usaram a rodovia e nunca pagaram, com esse novo sistema passarão a pagar de forma mais diluída e justa.”
- Gilberto Piccinini, presidente do conselho da Dália Alimentos
Esse projeto foi muito trabalhado pelo grupo e avançou bem. A proposta do Estado contemplou boa parte daquilo que nós discutimos e sugerimos. Talvez a única parte para dar uma olhada de novo, é que a parte do governo, o investimento de R$ 1,3 bilhão. No leilão, o governo colocou isso como critério para a empresa que der maior desconto para o poder público. Gostaríamos que esse desconto viesse como redução na tarifa aos usuários, porque as praças, free flow, tudo isso nós discutimos. Penso que assegurar uma tarifa mais baixa como critério para ganhar a concessão é o melhor.”