Mais um dia comum…

Opinião

Marcos Frank

Marcos Frank

Médico neurocirurgião

Colunista

Mais um dia comum…

“Acreditas firmemente que com o trabalho honrado e o estudo atento poderás conquistar uma reputação? Tem presente que te julgarão, não pela tua ciência, mas pela casualidade do destino, pelo corte da tua roupa, pela aparência da tua casa, pelo número dos teus criados, pela atenção que dedicas às conversas informais e aos gostos dos teus clientes… Não poderás demonstrar cansaço ou impaciência e terás de escutar relatos que procedem ao começo dos tempos, quando apenas se quer explicar a história de uma prisão de ventre …. Embora a medicina seja uma ciência incerta, que graças aos esforços de seus discípulos vai adquirindo pouco a pouco, um certo grau de certeza, não te será permitido duvidas, sob pena de perderes a confiança que em ti depositam. Se não afirmas que conheces a natureza da enfermidade, que possuis o remédio para curá-la, o povo te trocará pelos charlatães que vendem a mentira que eles necessitam…” autor desconhecido

Era uma noite fria do gélido mês de dezembro de 1809, quando o Doutor McDowell foi chamado para atender uma paciente no interior do estado do Kentucky. Ao chegar na casa, depois de uma longa e estafante cavalgada, deparou-se com uma paciente emagrecida e com um enorme volume a destacar-se na barriga. Ao contrário dos parentes que acreditavam em uma gravidez complicada, McDowell sabia que ali dentro estava um temível cisto de ovário. Era mais que uma simples doença, era uma condenação à morte.

No entanto a voz fraca da mulher lhe implorava:- Corte fora doutor, eu aguento. Com inacreditável coragem para época ele assim o fez, mesmo que uma multidão à porta de sua residência pretendesse linchá-lo por ousar desafiar as leis de Deus. Mesmo com tal risco ele o fez e tornou-se o primeiro cirurgião da história a vencer a terrível barreira da peritonite e da dor.

Trinta e sete longos anos ainda iriam se passar até que o dentista Horace Wells descobrisse uma maneira de realizar cirurgias sem dor. Sua primeira demonstração pública com gás hilariante foi um fracasso, mas pouco tempo depois seu colega Morton descobriria como torná-la eficaz e um mundo de possibilidades se abria para os operadores. Era 16 de outubro de 1846.

No entanto, tais descobertas traziam novos problemas a serem resolvidos, como por exemplo, a febre e a infecção. Muito se riu de Lister quando este anunciou em 1867, baseado nos estudos de Pasteur, que as causas da gangrena não eram fluídos etéreos mas sim microrganismos, habitantes de nós mesmos e dos ambientes que frequentamos.

O século 20 somou a coragem daqueles pioneiros, novos métodos de investigação do corpo humano. O raio-X, a ecografia, a tomografia computadorizada e a ressonância magnética nuclear. A química e seu ramo aplicado ao ser humana, a farmácia, trouxeram incríveis medicamentos: os antibióticos, os cardiotônicos, a insulina, os analgésicos e até mesmo os inacreditáveis remédios para dor da alma.

Entramos no século 21 intrigados e acusados de hereges, tal qual o pioneiro McDowell, por ousar mexer nas estruturas do DNA e quem sabe curar doenças antes mesmo delas se tornarem …doenças. O raio-x evoluiu tanto que em breve muitas doenças serão curadas através de seus princípios, não necessitando mais a mão segura do cirurgião.

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