O Rio Taquari não é mais como antes. As três últimas enchentes, em setembro e novembro de 2023 e maio de 2024, mudaram a paisagem manancial, do seu entorno e dos municípios atingidos. Se antes já necessitava de intervenções, como recuperação de mata ciliar, agora demanda muito mais ações.
De acordo com o geólogo Leandro Petry, entre as alterações nítidas no pós-enchente estão a destruição de edificações e culturas agrícolas, a degradação das matas ciliares, a erosão das margens do rio e do seu leito e a deposição de sedimentos sobre a planície de inundação e na calha do rio. “Ilhas e praias de cascalho e areia não existem mais em alguns trechos.”
O engenheiro ambiental Cleberton Bianchini fez vistorias em diversos locais e recorreu a imagens de satélite atualizadas para ter dados sobre os impactos das enchentes. “Percebe-se que as principais mudanças observadas no Rio Taquari estão relacionadas ao aumento exponencial das erosões das margens, perda da estreita faixa de vegetação que ainda existia em alguns pontos e as mudanças no seu leito devido ao carregamento de material para seu interior.”
Trechos mais afetados
Petry observa que o trecho do rio entre Encantado e Triunfo é o que teve mais modificações. “É a partir desse primeiro município que o Rio Taquari passou a ter uma área maior de influência na inundação, porque nesses municípios o rio possui uma planície de inundação maior. Logo, a extensão do impacto também é de maior magnitude.” Ele ainda destaca os impactos notórios no trecho entre São Valentim do Sul e Muçum, onde o rio permanece mais confinado.
Impactos sociais, ambientais e econômicos
A ocupação e uso irregular das margens do Rio Taquari ao longo dos anos têm causado a deterioração da qualidade ambiental do manancial. “Vale destacar que a ocupação irregular ocorre nas áreas rurais, com agropecuária, e nas áreas urbanas, com construções e lançamento de efluentes sem tratamento, por exemplo”, observa o engenheiro ambiental Cleberton Bianchini.
Para ele, os prejuízos sociais e ambientais são incalculáveis, ainda, visto que os impactos destes eventos poderão ser observados por muitos anos. Ele refere-se às erosões nas margens, à perda de biodiversidade tanto na margem quanto no rio, à grande redução das áreas que ainda apresentam uma estreita faixa de vegetação em Áreas de Preservação Permanente (APP), ao transporte e carregamento de expressiva quantidade de material diverso para o leito e margens, à deterioração da qualidade da água e perda de solo nas lavouras localizadas em regiões inundáveis. “Vários destes impactos ambientais terão implicações sociais a curto, médio e longo prazo.”
Do ponto de vista econômico, a perda de solo fértil nas margens utilizadas para agricultura vai impactar na produção agrícola, que terá reflexos na disponibilização de alimentos e possibilidade de aumento dos custos. As dificuldades de logística têm impactado diretamente a vida de parcela significativa da população dos municípios.
Intervenções com obras e regeneração natural e assistida
O engenheiro ambiental Bianchini conta que tem observado em trabalhos e análises desenvolvidos ao longo dos anos, com projetos em áreas de margens de cursos hídricos, que estes locais por si só não alcançarão plena recuperação. “São necessários recursos financeiros e intervenção humana organizada para que estes locais se restabeleçam.” Ele revela que muitas áreas e trechos extensos das margens do Rio Taquari não têm mais nenhuma árvore. “Como esperar que ocorra a recuperação da margem sem intervenção?”, questiona.
Para tanto, é necessário ter um diagnóstico detalhado, definir as metodologias de recuperação mais adequadas para cada ponto, dispor
de recursos financeiros, além de planejar as intervenções humana e manter o monitoramento para garantir a recuperação. “Por muitos e muitos anos não olhamos de forma adequada para as margens dos cursos hídricos da região, exploramos e intensificamos a ocupação. Já devíamos ter feito algo, não o fizemos e agora pagamos o preço. Sempre digo que não existe solução simples para problemas complexos,” destaca Bianchini.
Petry reforça a importância de estudos sobre as condições ambientais e soluções de engenharia estrutural e social como prioridade. “Certamente serão necessárias intervenções humanas, pois as dinâmicas inerentes ao Rio Taquari não podem mais ser vistas da mesma forma que antes.”, opina. “As inundações devem ser tratadas com mais seriedade, especialmente tendo em vista as mudanças climáticas
globais e seus impactos sobre o Vale do Taquari,” ressalta.
Bianchini acredita que dadas as características atuais dos locais, pouquíssimos lugares não necessitarão de intervenção humana. “Isso se deve à grande quantidade de espécies exóticas invasoras nas margens dos cursos hídricos da região, incluindo do Rio Taquari, que dificultam o processo de recuperação.” No entanto, ele acredita que em alguns lugares é possível trabalhar com regeneração natural assistida. “Esta é uma metodologia em que ocorre pouca intervenção humana, somente controlando as espécies exóticas e criando condições favoráveis para a recuperação do local.
Em locais de difícil acesso, especialmente onde houve movimentos de massa, Petry acredita que a regeneração natural se sobressaia em relação à promovida pelo homem. “Principalmente em locais de alta declividade já em meio a matas nativas. Nesses locais, a fauna e a flora podem ser protagonistas na recomposição da estabilidade dos terrenos.
O que aconteceu
“O Rio Taquari inicia na confluência do Rio das Antas com o Rio Carreiro, em São Valentim do Sul/Santa Tereza. Deste ponto até sua foz, no Rio Jacuí, são cerca de 140km de extensão. Este trecho recebe toda a energia das águas oriundas dos rios das Antas, Carreiro, Guaporé e Forqueta, que tem suas nascentes próximo ou acima dos 1.000 metros de altitude. Quando as águas destes cursos chegam ao Rio Taquari, em grande volume e enorme energia, encontram um curso hídrico com suas margens ocupadas das mais variadas formas e com pouca resistência. Essa configuração e combinação de fatores torna o potencial das águas ainda mais destruidor.”