Coleta de lixo, drenagem urbana, abastecimento de água e tratamento de esgoto. Esses quatro temas sustentam o conceito de saneamento básico. Em meio às eleições municipais, os futuros prefeitos terão como uma das missões ajudar com as soluções para atender a exigência do marco regulatório nacional.
Pela lei, é preciso alcançar 99% de abastecimento de água potável nas residências. Objetivo possível tendo em vista a universalização do serviço ao longo das últimas quatro décadas. O “Calcanhar de Aquiles” é o esgoto.
Os 90% de coleta dos efluentes nas residências e o tratamento nas estações parecem um objetivo quase impossível. Nos últimos 50 anos, poucos avanços no serviço, alerta o professor e pesquisador, Odorico Konrad. “Estamos muito distantes. Gostaria de estar errado, mas pelo que sei, não temos nem 2% do esgoto tratado na região.”
Esses números de tratamento dos efluentes são diversos e poucos confiáveis, admite. Por um lado, o IBGE aponta para quase 58% do esgoto tratado no país. No Estado, pouco mais de 43%. Algo mais próximo da realidade está na análise do Conselho de Desenvolvimento Regional (Codevat), que aponta o máximo de 11% de residências com algum tipo de tratamento dos efluentes.
Para explicar essas contradições, é preciso olhar para as diferentes metodologias. O IBGE tem como base ligação em rede de esgoto ou pluvial (para drenagem urbana da água da chuva). O Estado considera tratamento com fossas rudimentares, já o Conselho de Desenvolvimento do Vale do Taquari (Codevat) usa como base as informações regionais, com fossa e filtro.
Meio termo
Ter 90% do esgoto tratado está distante de ser possível, frisa o engenheiro e doutor em saneamento básico, Tiago Luis Gomes. Além da complexidade dos projetos e da adesão da população, existe uma necessidade de investimento.
“Temos diversos municípios em que o serviço é mantido por um departamento interno ou por associação. A cobrança das tarifas cobrem despesas operacionais e manutenção. Não há dinheiro para investimento. Me pergunto, como será viável assim?”.
Mesmo nos contratos maiores, como é o caso da atuação Corsan/Aegea, presente em mais de 310 municípios gaúchos, o volume de redes coletoras e a necessidade de estações de tratamento são desafios difíceis de cumprir até 2023.
“Não se trata só de dinheiro. Há toda a necessidade de mão de obra, de projetos técnicos, de empresas para fazer esses estudos. Infraestrutura não se faz tão rápido.”
Conforme estimativa da Corsan/Aegea, seriam necessários cerca de R$ 15 bilhões em investimentos para atender a meta do marco regulatório. Para Tiago Gomes, até que se chegue aos percentuais esperados para tratamento do esgoto, uma das alternativas menos agressivas à natureza é a fossa séptica, com filtro e armazenagem. “Poderíamos baixar muito a carga orgânica despejada no solo e nos mananciais. Desde que se cumprisse com a regra de fazer pelo menos uma limpeza por ano. Não resolve, mas ameniza.”
Uma estação em funcionamento
Das duas Estações de Tratamento de Esgoto (ETE) construídas na região, só a de Lajeado, no bairro Moinhos, está em funcionamento. A de Encantado, com obra iniciada entre os anos de 2011 e 2012, nunca operou.
O investimento em cada uma delas se aproximou dos R$ 4 milhões. Problemas no projeto, em especial na ligação entre domicílios e a estação são apontados como o motivo.
A cobrança pelo serviço alterou as contas no bairro Moinhos. Para moradores que não fizeram a ligação, a tarifa duplicou. “Temos uma situação muito complexa. Passa pela precariedade do contrato entre Corsan e o município”, afirma o promotor João Pedro Togni.
O modelo do contrato foi assinado em 2008. Antes do leilão. Com isso, a prestadora do serviço e administração municipal negociam o termo aditivo deste acordo.
Experiência negativa
Conforme o promotor João Pedro Togni, como o saneamento básico é um serviço de responsabilidade municipal, a cobrança sobre cumprir o marco recaí sobre os prefeitos. Eles podem decidir entre prestar o serviço ou contratar uma empresa.
No bairro Moinhos, o Ministério Público recebeu uma série de reclamações dos moradores. Há um inquérito em aberto. “Esperamos que o município e a própria Corsan/Aegea nos apresente quais moradias têm condições de fazer a ligação na rede e quais não é possível.”
Para Togni, o formato implementado se tornou uma experiência negativa. “Me parece que houve uma escolha equivocada de iniciar a implantação do modelo em um bairro de classe média baixa e com muitas famílias em vulnerabilidade social.”
Corsan reconhece o desafio
O gestor regional de relações institucionais da Corsan/Aegea, Lutero Cassol, reconhece que o maior desafio é alcançar a meta no tratamento do esgoto. Pelo plano da companhia, está separado um investimento de R$ 1,5 bilhão por ano para os municípios com contrato em vigor. Com isso, se chega aos R$ 15 bilhões até 2033.
“Tivemos despesas extras devido à inundação de maio. Organizamos forças tarefas vindas do Rio de Janeiro para manutenções e o retorno do abastecimento de água. Mesmo assim, o investimento previsto segue. Mantemos o nosso compromisso.”
Sobre o Vale do Taquari, afirma que a ETE de Encantado começa a funcionar até o fim do ano. “Temos um desafio muito grande no Vale do Taquari, mas em todo o Rio Grande do Sul. Em todos os municípios que temos contratos temos um cronograma atualizado de serviços, obras e investimentos.”
Saneamento no Vale
Conforme o IBGE, mais de 85% das residências estão ligadas à rede geral de abastecimento de água.
95% dos domicílios têm coleta de lixo.
Pelo Censo de 2022, 58% das moradias do país estão ligadas na rede de esgoto ou na pluvial. Especialistas alertam que isso não significa tratamento dos efluentes.
Relatório do Codevat aponta para 11% de tratamento dos efluentes na região. Neste cálculo, estão incluídas residências com fossa, filtro e sumidouro.
Os serviços de água e esgoto são prestados pela Corsan/Aegea em 14 dos 38 municípios da região.
Situação no RS
De 2005 a 2021, o investimento anual em saneamento foi de R$ 305,5 milhões. Representa R$ 40,30 por habitante. Menos da metade da média nacional (R$ 82,71);
No RS, só 25,3% do esgoto gerado é tratado. Metade da média brasileira.
Na área da Corsan, 84,4% do esgoto coletado foi descartado sem tratamento na natureza;
41,6% da água tratada é perdida antes de chegar nas casas.
A Aegea se compromete em aplicar R$ 15 bilhões em dez anos;
Recursos hídricos
rurais, aliado ao descarte de resíduos industriais, ocasiona a poluição de mananciais. Como resultado:
Nível da qualidade da água na região está entre os piores do RS. Foram classificadas como tipo 3 ou 4. Significa alto índice de contaminação.
Uso da água do Rio Taquari é desaconselhada para pesca, banho, inclusive como fonte de irrigação para frutas e hortaliças.
Estima-se que 35% das doenças de transmissão hídrica no RS ocorrem no manancial do Rio Taquari.
Cenário Nacional
Estimativa de que seja necessário investir R$ 500 bilhões para que os serviços de água e esgoto cheguem a toda a população.
A falta de saneamento básico interfere na saúde e provoca pelo menos 15 mil mortes e 350 mil internações por ano no país.
Conforme o Censo 2024, quase 50 milhões de pessoas vivem sem acesso a saneamento básico (sem água potável, sem tratamento de esgoto).
Marco legal do Saneamento
Aprovado em 2020, o texto estipula metas para o saneamento básico nacional para os próximos 20 anos. Objetivos centrais:
- Meta de 99% da população com água potável em casa até 31 dezembro de 2033.
- Meta de 90% da população com coleta e tratamento de esgoto até 31 dezembro de 2033.
- Estímulo ao investimento privado por meio de licitação e parcerias público-privada.
- Fim da preferência para prestação dos serviços por empresas estaduais.
- Se as metas não forem cumpridas, as empresas contratadas podem perder o direito dos contratos.