Conversando com mortos

Opinião

Marcos Frank

Marcos Frank

Médico neurocirurgião

Colunista

Conversando com mortos

Os humanos possuem algo único que nos diferencia mesmo dos nossos parentes primatas mais próximos: temos uma linguagem complexa que nos primórdios da civilização era falada e depois se tornou também escrita.

Graças a essa capacidade dos nossos cérebros temos uma incrível habilidade de nos comunicar, inclusive utilizando conceitos subjetivos, e por isso fomos capazes de criar os alfabetos e depois a escrita.

Apenas depois veio a literatura, uma forma superior de comunicação onde usando palavras e ortografia, podemos expressar sentimentos, relatar fatos acontecidos e até mesmo criar acontecimentos totalmente imaginários.

É devido a essa capacidade de decodificar símbolos que nosso cérebro possui que podemos ler e entender os sentimentos, as vivências e a imaginação dos nossos semelhantes. Dessa forma podemos (quase que) viver outras vidas além das nossas, além de estabelecer sólida relação com os escritos de quem está ainda por aqui e com aqueles que já se foram.

Vejamos o que podemos aprender sobre envelhecimento com Albert Camus, escritor que acreditava que a relação do ser humano com a natureza é absurda e nada pode ser feito para mudar isso. Dessa forma, segundo ele, reconhecendo o absurdo e a impossibilidade de dissolvê-lo, é preciso viver com ele, da melhor forma possível:

“A tragédia da velhice não é que um seja velho, mas que um seja jovem. Dentro deste corpo que envelhece há um coração ainda tão curioso, tão faminto, ainda tão cheio de saudade quanto na juventude. Sento-me junto à janela e observo o mundo passar, me sentindo como um estranho em uma terra estranha, incapaz de me relacionar com o mundo lá fora e, no entanto, dentro de mim arde o mesmo fogo que um dia pensou que poderia conquistar o mundo.”

Já a escritora e ativista americana bell hooks (pseudônimo de Gloria Jean Watkins e que era escrito todo com letras minúsculas) pode nos ensinar sobre a verdadeira libertação:

“Você pode viver a vida toda tentando agradar aos outros, tentando ser aquilo que esperam de você. Mas, no fim, você perceberá que perdeu a pessoa mais importante: você mesmo. A verdadeira revolução acontece quando você decide ser quem realmente é, sem medo do julgamento alheio. A liberdade começa quando você se liberta das expectativas que o mundo impôs sobre seus ombros. Não tenha medo de se desapegar.”

Finalmente, temos o grande Fernando Pessoa e um de seus heteronimos (autores fictícios, com características próprias) Alvaro de Campos que com raro lirismo nos fala do amor:

“Todas as cartas de amor são Ridículas. Não seriam cartas de amor se não fossem Ridículas. Também escrevi em meu tempo cartas de amor, como as outras, ridículas. As cartas de amor, se há amor. Têm de ser ridículas. Mas, afinal, só as criaturas que nunca escreveram. Cartas de amor, é que são ridículas. Quem me dera no tempo em que escrevia, sem dar por isso. Cartas de amor. Ridículas.

A verdade é que hoje, as minhas memórias, dessas cartas de amor, é que são ridículas. (Todas as palavras esdrúxulas, como os sentimentos esdrúxulos, são naturalmente ridículas).”

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