Sobre leis e justiça

Opinião

Marcos Frank

Marcos Frank

Médico neurocirurgião

Colunista

Sobre leis e justiça

A Constituição Federal de 1988 determina em seu artigo 5º que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade. E ainda acrescenta: “XXXVII – não haverá juízo ou tribunal de exceção” “LIII – ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente”.

Além disso existe o princípio do juiz natural, que é uma garantia constitucional que protege o direito a um julgamento justo, impedindo a designação arbitrária de um juiz ou tribunal para decidir um caso.

Respeitados esses princípios, historicamente os sistemas processuais , resumidamente, se dividem em dois:

O formato acusatório atualmente se caracteriza por : fácil distinção entre as práticas de acusar e julgar; iniciativa probatória somente nas mãos das partes; manutenção do juiz como um intercessor imparcial, passivo em relação à coleta de qualquer prova; tratamento igualitário do juiz para com as partes; contraditório e com possibilidade de defesa; sentença sustentada pelo livre convencimento motivado do órgão julgador; publicidade do procedimento ; organização que respeita os critérios de segurança jurídica e social, da coisa julgada; oportunidade de contrariar as decisões; duplo grau de jurisdição. Seu surgimento histórico ocorreu durante o governo de Henrique II na Inglaterra.

Já os principais atributos do sistema inquisitório são: administração e iniciativa comprovatória sob tutela do juiz; inexistência de fracionamento de funções de acusar e julgar (aglutinadas sob poder do juiz); desrespeito do princípio da demanda ou inércia judicial (juízo pode agir de ofício, sem provocação das partes); juiz faccioso; ausência de pleno contraditório; desigualdade de meios e oportunidades. Seu auge ocorreu durante a temida Inquisição Espanhola.

Muitos definem o sistema brasileiro como misto, em que o inquérito seria inquisitório e o processo acusatório.

Nas muitas críticas feitas a Lavajato, a mais constante seria a contaminação dos julgamentos devido a conluio entre ministério público e o julgador, onde esse perde a imparcialidade. Quando do desmantelamento da operação, muito se falou de perda de garantias fundamentais dos acusados. Percebam que para tais críticas se considerou o sistema ideal (e que não teria sido respeitado) como acusatório.

Foi por isso que em 2020 e 2021, o STJ e depois o STF, deferiram à ação proposta por Luiz Inácio Lula da Silva, cuja demanda era a incompetência do Juízo da 13ª Vara Federal de Curitiba para o processo e julgamento da ação penal conhecida como processo de Atibaia. Essa interpretação das altas cortes permitiu a Lula concorrer à presidência e posteriormente vencer a eleição.

Ora, as duas exigências: competência do juízo e imparcialidade do juiz, estão conectadas com o princípio do juiz natural, da maior envergadura numa sociedade civilizada, assim reconhecida na nossa Constituição e na normativa internacional e regional, como necessária limitação do poder do Estado e como mecanismos para um julgamento justo. Ela é uma vitória da democracia.

No entanto algo sombrio ocorreu algum tempo antes dessas decisões, mais especificamente no dia 14 de março de 2019, o então Presidente do STF, Dias Toffoli, publicou uma portaria considerando a existência de notícias fraudulentas, denunciações caluniosas, ameaças e outros que atingem a honorabilidade e a segurança do STF. A corte, resolveu instaurar inquérito para apuração de fatos e infrações correspondentes, em toda a sua dimensão e designou unilateralmente e sem distribuição, para a condução do feito o Ministro Alexandre de Moraes. O ministro inicia a investigação sem provocação de autoridade policial ou do Ministério Público Federal e determina a realização de uma série de atos investigatórios.

Temos aqui claramente o sistema inquisitório em funcionamento ao ignorar o MP e concentrar poderes nas mãos do juiz. Tanto que, representando o Ministério Público, a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, pede o arquivamento do inquérito 4.781 por violação do princípio acusatório, do juiz natural e da ausência de competência do STF. No dia 16 de abril de 2019, a Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) impetrou o Mandado de Segurança coletivo contra o STF clamando pelo sistema acusatório, ou seja com a participação ativa do MP .

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