Certo dia, vinha correndo, porque fugia da sombra que me perseguia quando, inesperadamente, vi uma porta. Sem titubear, abri-a e por ela entrei no recinto, pondo fim à caçada predatória na qual me encontrava. Sôfrega da exaustiva maratona pela sobrevida, resolvi descansar no local, até meus músculos fatigados sinalizarem a sua existência. No entanto, o ambiente era demasiadamente claro e luminoso, cujas alvas paredes reluziam ao menor olhar.
Conquanto aquela luminosidade me fora necessária para ver minhas feições esquecidas, eu não podia falar, porque já não havia quem pudesse escutar. Assim, intentei sair pela porta, mas ela era somente de entrada, e eu cá já estava dentro. Intuí que tamanha exasperação seria sanada com a única saída possível: uma janela. Corri até ela, mas, ao mesmo tempo, recuei, porque não sabia se o pulo seria grande ou pequeno. Sentei no parapeito, cuja linha fronteiriça marcava os limites do recinto e da incógnita advinda do salto.
Foi, então, que escutei uma voz, vinda da exclamação do abismo, dizendo-me para pular. “Por quê?”, perguntei. A voz respondeu-me: “Porque, se estás sentada sobre a linha divisória entre o concreto e luminoso e o incerto e pouco visível, deves escolher um deles. E já que estás na janela, não podes mais por ela entrar, porque ela serve para a saída. Então perguntei como poderia estar a conversar com alguém sem nada dele ver e acatar suas palavras. Prontamente o som vociferante disse-me que as palavras proferidas e ouvidas eram o seu contorno, cabendo a quem com ele falasse a escolha do vocábulo capaz de melhor esculpi-lo.
Para tal argumento, eu lhe disse que as palavras proferidas eram tão somente a representação da oralidade de letras unidas por um sentido comum e que, por si sós, não produziam em seu orador sentimento algum. Para sentir, era preciso que eu pulasse. Nesse momento, pus-me de pé na janela e mergulhei silenciosa vacuidade das sensações, observando, apenas com os sentidos, a cumplicidade da queda com o meu corpo. Contudo, o regozijo de minhas partículas despertadas teria apenas duração efêmera, porque era viver seu maior desejo. Porém, eu não poderia mais subir, já que meu corpo era atraído em direção oposta, devido à queda livre. Viver era o que eu queria, mas o sentido com que meu corpo era deslocado silenciava essa querença. Restava-me somente a consciência de querer. Percebi, então, que, se o desejo era consciente, ele já estava realizado dentro de mim. Nesse momento, descobri que sabia voar e subi, sem jamais voltar.